Osvaldo Cabral Época de caça ao pato

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Época de caça ao pato

Entramos num período em que tudo o que vier da boca dos políticos é nosso dever escrutinar e confirmar.
A época das eleições é como a caça e os caçadores: cada um aumenta no tamanho do pato caçado.
E numa região com altos níveis de iliteracia e de dependências sociais e políticas, abundam os patos que se deixam apanhar pela cantiga eleitoral.
Vai ser um autêntico rodopio até Outubro.
Anúncios de projectos, lançamentos de primeiras pedras, imensas profissões de fé, visitas ao terreno, distribuição de subsídios, promessas de que agora é que é, visitas de ministros e secretários de estado… tudo vai valer. E muita estatística boa, como a redução de listas de espera, a redução de emprego, redução de dívidas, lucros nas empresas públicas…
O único problema é que a banca não perdoa.
Muitas empresas públicas tentaram, nos últimos meses, renegociar dívidas bancárias, mas levaram todas forte nega.
A SATA ainda conseguiu algumas migalhas, mas logo a seguir lá foi novamente ao pote bancário contrair mais dívida.
Todas as outras não conseguiram o que queriam e algumas delas estão mesmo com a corda ao pescoço.
Tentaram fazer o que algumas empresas nacionais fizeram no final de 2019: um perdão de dívida e renegociação da mais antiga.
Os bancos perdoaram no ano passado mais de 270 milhões de euros em crédito só a quatro grupos de empresas, representando mais de dois terços do total concedido pela banca.
Preferem perder uma parte para recuperar, pelo menos, um terço dos créditos, viabilizando as empresas ou concedendo descontos generosos para reestruturação da dívida. Mas são dívidas de particulares.
No nosso caso os bancos – espertos – sabem que a dívida das empresas públicas regionais está garantida. Se elas não pagarem, paga o governo.
Melhor dizendo, pagamos todos nós, contribuintes açorianos.
Não admira, portanto, que faça confusão a muita gente, o governo anunciar lucros nas empresas públicas e, depois, elas irem à banca, com uma mão atrás e outra à frente, pedir “reforço de crédito”. E quando não conseguem, lá está o governo para mais um aval ou uma carta de conforto.
Não faltam exemplos desta propaganda para ignorantes, reforçada quase sempre pelos deputados das segunda e terceira filas, para dar um ar mais autêntico às contas lucrativas.
Quase todos eles precisavam de contratar um escritório de advogados em Lisboa para lhes ajudar a interpretar os balancetes das empresas públicas.
Como digo, os exemplos abundam e vão martelar-nos nos próximos meses por razões óbvias.
Hoje só vou dar um exemplo, o da conserveira Santa Catarina, da ilha de S. Jorge, cujas contas foram plantadas por aí, nalguns órgãos de comunicação social, como
sendo lucrativas.
O entusiasmo e alarido foi grande pelo facto de, em 2019, a conserveira pública ter registados cerca de 60 mil euros de resultados operacionais positivos.
Até já se sonha com a privatização!… mas não aparecem os compradores.
A demagogia é simples de desmontar: a empresa, que tem um capital social de 50 mil euros, teve injecções de capital, registados no balanço da Lotaçor, da ordem dos 15 milhões de euros. Valor que, mesmo assim, não compensou os cerca de 20 milhões de euros de resultados transitados (prejuízos acumulados ao longo dos anos), daí que o capital próprio ainda seja negativo em cerca de 5 milhões.
O resultado líquido da empresa (reportado a Setembro de 2019) era de -341.442 euros (negativo) porque aos cerca de 65 mil euros de resultado operacional positivo ainda é preciso contemplar o desgaste de equipamentos (-178.357 euros) e os juros da dívida (-228.284euros).
Tudo junto, isto quer dizer que a exploração do ano ainda necessita de reforços de recursos porque não dá para pagar a despesa do ano, sem considerar o que custariam os 15 milhões contabilizados em capital e sabe-se lá que outros mais “encostos” suportados pela casa mãe Lotaçor.
Em vez de cantarem glória por um episódio menos negativo, os responsáveis deste empreendimento deviam era ter vergonha do percurso que criaram.
E os guardiões dos nossos interesses, os deputados da Assembleia Regional, deviam também corar perante a sua total inabilidade e capacidade para defender os verdadeiros interesses da Região nesta matéria.
Vergonhoso é também que os responsáveis da empresa e da tutela divulguem um valor menos mau e ocultem todos os valores que já foram calculados mas não são divulgados.
É disto que vamos viver neste ano eleitoral, como que um insulto à inteligência ou um abuso da confiança dos contribuintes.
Enganar o povo tornou-se uma prática corrente na nossa esfera política, como foi recentemente o tal comunicado trapalhão sobre o jacto particular cheio de chineses, o caso do GNL na Praia da Vitória (a carta do Governo Regional nunca mais tem resposta? Ou extraviou-se?) e por aí fora.
Num mundo cada vez mais propício às notícias falsas e à desinformação, fica aqui o aviso: o que vem aí para esta campanha eleitoral é muito forte e feio.
É muito importante estarmos todos atentos.
Olho vivo!

Fevereiro 2020
Osvaldo Cabral

(Diário dos Açores, Diário Insular, Multimédia RTP-A, Portuguese Times EUA, LusoPresse Montreal)

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