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DOIS MUNDOS
É cada vez mais evidente que o mundo dos políticos não é o mesmo dos cidadãos que os elegem.
Claro que nem todos são iguais, como em todas as actividades e profissões.
O problema está nos que assumem o topo dos cargos e agem, depois, em ruptura com o bom senso popular.
A polémica sobre as comemorações do 25 de Abril na Assembleia da República até poderia passar despercebida, quase como numa sessão normal do parlamento, não fosse a forma arrogante e exclusivamente com políticos como pretendem assinalá-la.
O Dia da Liberdade não é exclusivo dos políticos e muito menos da Assembleia da República e do seu presidente, que fez desta triste polémica mais um seu capricho político.
É um Dia do Povo, o tal “Povo unido que jamais será vencido”, e sem o Povo não é de bom senso apoderarem-se da data com os argumentos mais bolorentos de uma democracia madura.
Se o Povo não pode estar presente, se as recomendações são o do confinamento e se estamos a viver um momento crítico das nossas vidas, pretender levar por diante um acto cerimonioso apenas com políticos, não é só provocador, como um autêntico disparate, como muito bem afirma o socialista João Soares.
Há outras formas de celebrar a democracia, inclusivé, depois de passar esta crise sanitária, com uma grande festa popular.
Se até o Presidente da República já está a pensar em chamar os partidos políticos no sentido de os auscultar sobre um eventual adiamento das eleições nos Açores – o que não virá mal nenhum ao mundo, caso se mantenha o estado actual em que vivemos -, não se percebe esta ânsia em assinalar o Dia dos Cravos com o povo ausente.
São atitudes destas – estas sim – teimosas e autistas, que dão argumentos aos extremistas e populistas, alimentados pelos tiros nos pés de quem se espera uma faculdade de raciocínio mais clarividente, de acordo com o mundo real e não político.
São dois mundos distintos: um conspirador e outro inspirador. É só escolher.
25 de Abril sempre!
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RETORNO – Já todos se terão apercebido de que o retorno a uma total normalidade, nos próximos tempos, será impossível.
Mas é preciso ir preparando o futuro próximo, abrindo aquilo que é possível e regressando, de forma sempre ordenada e controlada, aquilo que for praticável na contingência.
Até porque ninguém sabe se vamos ser confrontados com uma segunda vaga de contágio, pelo que a forma gradual da abertura será sempre com muitas cautelas.
A preparação poderá começar pelo Hospital de Ponta Delgada, que se mostrou muito fragilizado na resposta a este surto em S. Miguel.
É preciso mais investimento e uma gestão hospitalar mais competente.
Os profissionais de saúde estiveram sempre no seu posto, com todo os sacrifícios conhecidos e com falta de material de protecção nos momentos iniciais, ao contrário dos seus administradores, que se remeteram, em casa, ao teletrabalho, em vez de estarem na frente da linha da frente.
Depois, nas portas de entrada e saída, nos aeroportos e nos voos da SATA, certamente que serão encontrados mecanismos de controlo apertado e seguro, exigindo-se a mesma segurança em instituições públicas, para que não aconteça este escândalo que foi a saída desordenada de reclusos, sem serem submetidos a testes.
Mais uma desorientação e desrespeito do Ministério da Justiça, com a estranha e habitual submissão regional, sem nenhum protesto ou reclamação.
Com a colaboração de todos, será possível respiramos mais um pouco.
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CORAGEM – O inquérito às empresas que o INE e o SREA revelaram esta semana é um exemplo motivador sobre a resiliência da classe empresarial açoriana.
Apesar do grave problema que estamos a enfrentar, 81% das empresas açorianas mantiveram-se em funcionamento (82% no continente) e apenas 19% decidiram encerrar, embora temporariamente (16% no continente) e nenhuma encerrou definitivamente.
É preciso uma grande dose de coragem empreendedora manter este cenário e, para que se prolongue, é preciso que o Governo Regional comece já a pensar em novas medidas para depois de Junho.
É imprescindível que se mantenham os postos de trabalho e se faça mais alguma coisa por aqueles que não estão totalmente protegidos, como os trabalhadores com contrato a termo certo ou os temporários sem contrato nenhum.
É preciso ouvir mais os parceiros sociais, empresários e trabalhadores, sob pena de ficarmos apenas pelas medidas desenhadas em gabinetes.
Os trabalhadores que estão em casa são os primeiros a serem atingidos pela nova austeridade, ao contrário do que diz o primeiro-ministro, pelo que devem ser, também, os primeiros a serem socorridos.
No meio de tantas histórias no empreendedorismo açoriano, ressalta a do empresário Vítor Câmara, verdadeiramente inspiradora, que encerrou temporariamente os seus quatro hotéis na costa norte de S. Miguel, que facturam anualmente 11 milhões de euros, com uma expectativa de facturar este ano apenas 500 mil euros, com 200 trabalhadores em lay-off e, mesmo assim, revelando-se optimista numa retoma do negócio quando voltarmos à normalidade, porque acredita que somos todos capazes.
Com gente assim, seguramente que os empresários açorianos vão continuar a gerar a riqueza de que é feita esta região.
Precisamos todos deles.
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85 ANOS – E no mundo empresarial há outra história que é justo valorizar.
Na passada segunda-feira, o Terra Nostra Garden Hotel, nas Furnas, um ícone do nosso turismo, assinalou 85 anos de existência
Relevo o tema porque, como já escrevi outrora, é neste início de Primavera que as Furnas se tornam no deslumbramento mais sublime, com a presença histórica e marcante do Terra Nostra.
Raul Brandão, no relato de “As Ilhas Desconhecidas”, dizia que “a verdadeira Primavera, aqui, é o Outono, em que cada árvore parece uma flor gigantesca e as Furnas tomam cores de outro mundo quimérico”.
Desfrutar este ambiente é um privilégio que já vem de longe, marcado por um americano chamado Thomas Hickling, então Consul dos EUA em S. Miguel, que construiu a sua residência de Verão, a “Yankee Hall”, no meio de 12,5 hectares de jardins, matas e lagos deslumbrantes, em 1775, hoje o Parque Terra Nostra, do Grupo Bensaúde.
Premiado internacionalmente, o Hotel Terra Nostra é outro orgulho que todos nós ostentamos como exemplo de uma escola histórica inigualável na nossa região, mantendo uma equipa de profissionais que honra qualquer povo.
É destas histórias de magia, mesmo num momento de confinamento, que também se faz a história da recuperação das adversidades da nossa região.
Parabéns Terra Nostra!
(Osvaldo Cabral – Diário dos Açores de 22/04/2020)