OSVALDO CABRAL AS CONTAS DA SATA

Views: 0

Osvaldo José Vieira Cabral and Osvaldo Cabral shared a post.
Image may contain: Osvaldo José Vieira Cabral, text
Pierre Sousa Lima to Açores Global

Um “Cachalote” de má memória

Os relatórios e contas das empresas públicas regionais, quando bem feitos e sem as engenhocas intrusivas do vice, são autênticos retratos de nu artístico, revelando aquilo que Aristóteles dizia: “a arte completa o que a natureza não pode terminar”.
O que aconteceu na SATA nos últimos anos foi, talvez, a maior irresponsabilidade cometida por políticos na nossa era autonómica.
Não só deram cabo de um dos nossos maiores activos estratégicos, como abusaram de todos nós, contribuintes, deixando-nos uma herança pesadíssima para pagarmos nos próximos tempos.
Mais uma vez, as contas do ano passado revelam como é impossível dar a volta à empresa, mantendo uma prática predadora de irrealismo em toda a dimensão da sua actividade e continuando a ignorar uma profunda reestruturação que há muito tarda.
Só uma exemplo dessa derrapagem no meio da crise em que está mergulhada: no ano passado a SATA recrutou mais 94 colaboradores (59 nos Açores e 35 no Continente, sendo que 28 e 25 respectivamente, foram por rotatividade).
Uma empresa com a dimensão da SATA, com os problemas que todos conhecemos, a continuar a engrossar os seus recursos humanos, nunca mais se consegue reestruturar. Vamos, então, à análise das contas das três empresas do Grupo.

SATA INTERNACIONAL – As contas da SATA Internacional podem ser consideradas as contas das imparidades e das provisões, tantos foram os acertos feitos, muito por conta do famigerado “Cachalote” de má memória.
A nova administração entendeu acertar as contas e por tudo a nu, rectificando as contas de 2018 para assumirem mais 13 milhões de euros de resultados negativos, passando os resultados operacionais daquele ano de -50.034.935 de euros para -60.532.415 de euros, mais quase 11 milhões acrescentados às provisões e imparidades.
O resultado líquido passou de -52.926.434 de euros para -63.423.914 de euros (Notas 8 a 15 do relatório).
Os resultados operacionais de 2019, com todas as imparidades e com as amortizações já consideradas (praticamente não as havia antes – ver a Nota 6), montam a -44.709.280 de euros, uma melhoria substancial face aos -60.532.415 de euros de 2018.
Para o resultado final contribui uma evolução muito significativa dos custos de financiamento que passam para -11.108.833 de euros em 2019, dos -2.601.590 de euros em 2018.
O financiamento do accionista passa de 84.592.366 de euros para 126.029.024 de euros, mais 41.436.658 de euros.
Em 2018 e 2019 a empresa apresenta 28.224.555 de euros de provisões (reserva para valores quase certamente perdidos) e 13.539.126 de euros para imparidades (valores perdidos – peças inutilizadas, por exemplo), para um total de 41.763.681 de euros.
Trata-se da consequência da adopção de novas normas contabilísticas que acautela obrigações futuras e a factura de algumas “asneiras” muito grandes, entre as quais impera o famigerado negócio do dito “Cachalote”.
Feita esta limpeza, a SATA Internacional estaria melhor posicionada para um bom relançamento.
A situação causada pela pandemia baralha novamente todo o enquadramento da empresa empurrando-a para um sentido ainda mal definido.
E seria bom que a tutela metesse os olhos ao negócio que um dos administradores da SATA está a fazer nas Américas, retirando a responsabilidade da operação dos respectivos escritórios nos EUA e Canadá, para entregá-la a uma empresa norte-americana, onde parece estar colaboradores do referido administrador quando geriu a Cabo Verde Airlines.
Os dois escritórios da SATA foram, até aqui, a galinha dos ovos de ouro da empresa, pelo que mudar de estratégia e, mais grave, entregar a operação a outra empresa que não conhece a realidade dos Açores nem tem qualquer proximidade com a nossa comunidade açoriana naqueles países, é mais um tiro no escudo, a fazer lembrar o negócio do “Cachalote”.

SATA AIR AÇORES – Em 2019, pela primeira vez, pelo menos nos últimos 10 anos (talvez desde sempre?), a SATA AIR Açores recebe mais em subsídios do governo do que em negócio facturado.
Com efeito, em 2019 as vendas e prestação de serviços montaram a 40.794.847 de euros e os subsídios a 42.808.228 de euros.
Em 2018 estes valores foram 37.908.108 de euros e 30.835.093 de euros, respectivamente.
Foram mais cerca de12 milhões de euros recebidos em 2019 face a 2018.
Não tarda a empresa tem de ser incluída no perímetro do orçamento público como está a Atlânticoline, a Azorina e outras que não se bastam a si mesmas em pelo menos 50% dos proveitos.
Não admira, com tanto subsídio, que os resultados operacionais tenham sido melhores e positivos (+2.340.690 de euros em 2019 para -1.932.978 de euros, em 2018).
Mesmo com mais FSE (quase 2 milhões), mais custos com pessoal (mais 3,5 milhões) e mais imparidades (cerca de 5,5 milhões).
Os gastos financeiros adicionais (cerca de 1,9 milhões) são compensados pelos proveitos financeiros adicionais (mais cerca de 6 milhões de euros), de valores debitados, conforme manda a lei, à SATA Internacional.
Dá nas vistas a rubrica de Contas a receber (204,9 milhões de euros) que se agravam em cerca de 70 milhões de euros, entre empréstimos à SATA Internacional (122.642.325 de euros) e a valores a transferir pelo governo (cerca de 50 milhões), incluindo capital subscrito, mas não pago, e outras rubricas.
Por isso, o capital social não se alterou entre 2018 e 2019, permanecendo nos 65.390.235 euros.
Do lado do passivo a situação agrava-se dos 254.102.981 de euros de 2018 para os 291.079.723 de euros de 2019.
Em suma, a situação de degradação soma e segue, com o arrastamento da SATA Internacional e pese embora o aumento substancial da subsidiação que já é superior à facturação, mesmo em ano em que esta bate um recorde, ultrapassando os 40 milhões de euros.

SATA AERÓDROMOS – Depois de resultados operacionais positivos da ordem dos 1.658.833 de euros, em 2018, a SATA Aeródromos volta aos resultados negativos em 2019.
O problema advém de, em 2018, ter havido a cobrança de serviços de gestão retroactivos.
Como é evidente não se corrigiu nada porque em 2019 volta tudo ao mesmo com um resultado operacional de -407.947 de euros.
Nota curiosa é a nova função desta empresa, que de gestão de aeródromos passa também a ser financeira das outras SATAS – a regional e a internacional.
Isto porque, olhando para o balanço da empresa, constata-se que continua a emprestar quantias avultadas às outras duas, conforme o quadro da Nota 10, que refere contas a receber, entre outras as das grandalhonas do grupo.
Nada mais nada menos do que 6,7 milhões emprestados à Air Açores e 3,1 milhões à Internacional!
Estas operações misteriosas geram um curioso ‘negócio’ financeiro numa empresa de gestão de aeródromos como se vê na Nota 24.
Pagando 43.607 de euros de juros de empréstimos obtidos, a empresa consegue gerar 582.473 de euros de juros cobrados às associadas.
Os empréstimos às ‘SATAs grandes’ são feitos com quase 4 milhões de euros a mais transferidos pela Secretaria que tutela os transportes, mais de 3 milhões de euros de dívida a fornecedores e 900.000 euros de crédito bancário, e mais uns pós diversos.
Lá estão os fornecedores à perna a financiar coisas estranhas…
Não fossem estes ganhos financeiros fabricados, os resultados líquidos da empresa seriam francamente negativos em 2019.
Já os de 2018 também foram totalmente manipulados com operações invulgares.
Com passivos tão elevados na Air Açores e na Internacional, porque se mantém os empréstimos da Aeródromos?
Há coisas que têm de ser politicamente explicadas e limpezas que têm de ser feitas.

CONCLUSÃO – SATA Internacional: Capital próprio -203.346.386 de euros; resultados acumulados – 239.027.412 de euros; passivo total 297.822.958 de euros; dívidas a empresas do grupo 126.029.024 de euros (Air Açores e Gestão de Aeródromos).
De tudo isto não restam dúvidas de que a gestão da SATA tem sido de uma enorme irresponsabilidade técnica e política.
E sempre com um denominador comum: ninguém é responsável por nada, mesmo com tantas “asneiras” à vista.
É muito provável que a pandemia seja um argumento para pedirmos ajuda ao Estado e à Comissão Europeia.
Mas não haja ilusões: os milhões que vão ser utilizados para reestruturar a SATA nunca mais serão aplicados noutros sectores produtivos da nossa região.
Somos nós todos que perdemos com isso.

(Osvaldo Cabral – Diário dos Açores de 03/06/2020)