os retornados

in diálogos lusófonos

Apontamentos sobre os “Retornados”, os portugueses que saíram de África quando da descolonização e vieram para Portugal em 1075

 Ainda hoje não se sabe ao certo qual o número dos portugueses que, desfeito o império colonial na sequência de 25 de Abril de 1974, saíram de África. Algumas estatísticas referem oitocentos mil, outras um milhão. Vieram – o eco do seu êxodo condoeu então o mundo – de Angola, Moçambique, Guiné, S. Tomé e Príncipe, Cabo Verde, golfados em caudais intermináveis de espanto e desolação.

Disse o humanista Agostinho da Silva em 1975 sobre os Retornados que vieram para Portugal, embora muitos tenham ido para outras latitudes, como o Brasil, Canadá.
A emigração, a guerra e o exílio despovoaram Portugal. Aldeias inteiras apenas albergavam velhos e crianças, povoações havia que não tinham sequer um habitante. Era um país de deserções e decrepitudes a viver das remessas dos emigrantes e dos militares – e da passagem dos turistas.

       Os chamado “Retornados” repetiram aqui o que há decénios faziam lá. ”Portugal foi reconstruído pela energia dos retornados”, exclamará Agostinho da Silva. “Eles lançaram mão a tudo, usaram com as pessoas de cá os mesmos métodos que usaram com as de lá. Não trouxeram divisas, como os emigrantes, mas construíram coisas”
(in Artigo de Fernando DacostaIn o “PÚBLICO” de 26, Abril,1995
http://www.espoliadosultramar.com/n4.html)

http://books.google.pt/books/about/Os_retornados_est%C3%A3o_a_mudar_Portugal.html?id=jBBFAQAAIAAJ&redir_esc=y

Fernando Dacosta – em entrevista a Página da Educação
http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=108&doc=8602&mid=2


Fernando Dacosta nasceu a 12 de Dezembro de 1945, em Luanda. Passou a infância e a adolescência no Alto Douro, frequentando o Liceu de Lamego. Fixado em Lisboa (depois de uma breve passagem por Coimbra), estuda Filologia Românica, inicia-se no jornalismo, em 1967, e (depois do 25 de Abril) na literatura. Passou por diversos órgãos de informação, como Europa-Press, Flama, Comércio do Funchal, Vida Mundial, DL, DN, A Luta, JL, o Jornal, o Público . Actualmente pertence aos quadros da Visão. Foi director dos Cadernos de Reportagem e co-editor da Relógio d’Água. Na RTP1 teve uma rubrica sobre livros entre 1991-92.

Foi galardoado com 10 prémios: G.P. de Teatro RTP, da Associação Portuguesa de Críticos, da Casa da Imprensa (por Um jeep em segunda mão, 1978), G.P. de Reportagem (À Descoberta de Portugal, 1982), Jornalista do Ano Nova Gente (1982), G.P. de Reportagem do Clube Português de Imprensa (Os Retornados estão a mudar Portugal, 1984), G.P. de Litertura Círculo de Leitores (O Viúvo, 1986), P. Fernando Pessoa do jornalismo e P. Gazeta do Clube dos Jornalistas (Moçambique, Todo o Sofrimento do Mundo, 1991), P. Gazeta do Clube dos Jornalistas (O Despertar dos Idosos, 1994).

Tem mais de vinte livros publicados em diferentes géneros – reportagem, teatro, romance, narrativa e conto. O seu último, Nascido no Estado Novo, acaba de ser lançado.

Paixão de Marrocos é uma edição trilingue, uma das quais em árabe. É, no entanto, um livro que fala muito de Portugal…
Marrocos explica Portugal. Quando se dá o 25 de Abril percebi que estávamos a assistir ao fecho do ciclo imperial que nos marcou durante cinco séculos, para o bem e para o mal, ao nível do imaginário individual e colectivo. Ora tudo começou por Marrocos, conquistas, esclavagismos, colonialismos, retornos…

O seu interesse por África é muito forte nas suas obras. Os Retornados, Moçambique, Todo o Sofrimento do Mundo….
Pois é. A narrativa que escrevi sobre Moçambique fi-la quando o novo país comemorou 15 anos de independência. Nessa altura não se sabia nada do que estava a passar-se lá. O Maputo era uma espécie de ilha porque ninguém saía da cidade para o resto doterritório. Eu fui com o repórter fotográfico Luis de Vasconcelos. Andámos pelo interior, pelas zonas onde estavam os desalojados, os fugitivos da guerra, e descobrimos um universo de horror. As Nações Unidas tinham, aliás, declarado Moçambique como a zona de maior sofrimento humano do mundo. Chegaram a essa conclusão fazendo o somatório dos sofrimentos humanos, como a fome, as violações, as doenças, a guerra. Isso, que era completamente desconhecido, mesmo em Maputo, teve um grande impacto. Foi antes de se ter assinado o tratado de paz que, para surpresa da maior parte das pessoas, deu resultado, permitindo que o país começasse a organizar-se. O contrário verificava-se, entretanto, em Angola que sofria uma das guerras mais devastadoras de toda a sua história, em 1992. Hoje, Luanda é uma cidade em ruínas.
Em 1974 ela estava no auge, era uma capital em vários aspectos muito mais desenvolvida do que Lisboa, ombreando com várias cidades europeias. Os chefes da guerrilha, que tinham fugido muito cedo para o mato – como o Agostinho Neto ou o Samora Machel – quando voltaram a Luanda e a Lourenço Marques ficaram estupefactos com o seu desenvolvimento. Não eram mais as urbes um pouco toscas e primitivas que conheceram 20 anos antes. Em relação à política que Portugal seguia, então, em África há a destacar a interenção de um homem que teve um papel fundamental: o Marechal Costa Gomes. Revelou-se um dirigente sumamente inteligente e maleável que se foi adaptando às circunstâncias, estando quase sempre na mó de cima. Era um militar, um político, um diplomata muito competente, muito lúcido que tentou inflectir, por dentro do regime, as coisas. A história de que os salazaristas não passavam todos de saloios e arrogantes é um disparate. O próprio Salazar era um homem cultíssimo, tinha era uma cultura clássica, e de uma grande intuição. O cardeal Cerejeira, por exemplo, gostava de Herberto Herder e de Camus.

A figura de Salazar tem sido para si uma atracção especial…
O meu interesse por Salazar resulta do interesse que sinto pelas figuras que exprimem a natureza humana em situação limite, o poder limite no caso dele. O chamado Estado Novo foi uma época com características muito próprias que devem ser conhecidas. Como já passaram 30 anos sobre o seu desaparecimento, já não há o perigo de Salazar ressuscitar nem do seu regime voltar ao poder. Por isso achei que devia fixá-los. Até porque, e como dizia a Natália Correia, “ser-se revolucionário hoje é preservar a memória”. É o que tento fazer dentro do meu estilo e das minhas características. Vivi a circunstância de conhecer a ditadura, de conhecer Salazar, de conhecer o 25 de Abril, de conhecer a democracia, de ter essas experiências todas o que me foi muito enriquecedor . Por outro lado, comecei a notar que a maior parte dos historiadores portugueses, com raras excepções, cometiam um erro crasso: faziam a história do Estado Novo baseados nos jornais. Ora os jornais do Estado Novo traduziam um país amputado, limitado, muito redutor. A história do Estado Novo tem que ser feita sobretudo, com testemunhos dos que o protagonizaram, enquanto estão vivos.Tornava-se-me, assim, urgente ouvir essas pessoas. Foi o que fiz, pessoalmente, isoladamente durante trinta anos. E que devia ter sido feito por algumas dessas inúmeras fundações que há para aí e que só servem para lavar dinheiro e fugir aos impostos. Que, apesar de se dizerem culturais, não fazem nada culturalmente. Nunca ninguém teve a ideia de ouvir pessoas como o barbeiro do Salazar, que é um homem fabuloso, ou a sua governanta, que só morreu em 1986, e que me contou coisas extraordinárias. Ela foi a “primeira-dama” que mais poder teve neste país, pois Salazar foi o português que mais poder deteve, durante mais tempo em Portugal.

O Fernando Dacosta faz uma síntese bastante eficaz no cruzamento do jornalismo com a literatura. Eu acho que isso explica as dez edições de Máscaras de Salazar
Para mim o jornalismo é apenas uma disciplina da literatura, como é o romance, como é a história. Durante séculos os jornais foram, aliás, povoados por grandes escritores. O Fialho, que hoje é um nome cimeiro da literatura portuguesa, não publicou um livro em vida, apenas publicou crónicas em jornais que depois foram reunidas em livros e o tornaram num autor notável. O Raúl Brandão, que para mim é também um dos grandes escritores do século XX, publicava tudo primeiro em jornais. Essa divisão de que há uma escrita de segunda para os jornais e uma escrita de primeira para os livros é artificial, inculcada para tentar controlar o jornalista. Para mim é completamente indiferente saber se as crónicas de Fernão Lopes, por exemplo, ou se as crónicas da história trágico-marítima são literatura ou jornalismo. Não é fácil, porém, vencer as mentalidades que separam as coisas… no campo da literatura o José Cardoso Pires fazia a experiência ao contrário, escrevia romances que eram reportagens, como. A Balada da Praia dos Cães. O jornalismo é importante porque permite contactar o ser humano em situações extremas, boas e más, as que dão notícia e matéria de reflexão.

O Baptista-Bastos fala de si dizendo “Grande jornalista, porventura o maior repórter da sua geração; trouxe, para a letra de imprensa, a sensibilidade, o colorido, o lado humano, secreto, porventura quase insondável dos factos quotidianos.”
É a generosidade dele… quando estou a escrever não estou a pensar se estou a escrever para páginas de jornal ou para páginas de livro. O que me determina é o tema que abordo

Você é uma das poucas pessoas que tem analisado muito bem o que é isto de ser português, “povo pobre mas não miserável, velho mas não decadente, apaixonado mas não violento, a sua vocação de cigarra vai fazê-lo apetecido ao mundo” Acredita neste relançamento de Portugal?
O último encontro que tive com Jorge de Sena foi muito interessante: ele vinha do Norte da Europa, com escala em Lisboa. Eu e mais alguns amigos fomos ao aeroporto para o saudar. Ele abraçou-nos e disse: “felizmente que entro na civilização!”. Espantado, respondi-lhe: “Então você entra nesta piolheira, vindo do Norte da Europa, e diz que isto é que é a civilização… ?” Rápido, respondeu-me: “Ora, lá só sabem trabalhar, ver televisão e beber cerveja. Desconfie sempre dos povos que não gostam de vinho.” A primeira coisa com que nos deveríamos preocupar era conhecer o povo em que estamos e a que pertencemos, para não importar fórmulas estranhas. A maior parte dos políticos e dos intelectuais portugueses não o conhecem, são uns deslumbrados, uns pacóvios com o estrangeiro. Ora nós temos uma cultura, uma identidade, uma afectuosidade muito próprias. A Agustina Bessa-Luís diz que temos a cultura da afectuosidade como outros povos têm a cultura das ciências, das matemáticas, das filosofias. Isso, que agora não vale nada, talvez no futuro possa merecer importância.
A questão de Portugal poder ter um papel importante, ou não, depende da posição que cada um tiver em relação a ele. Dois homens extremamente catastrofistas, um de direita, outro de esquerda, o Franco Nogueira e o Miguel Torga, morreram convencidos que Portugal não iria sobreviver. O primeiro dizia que Portugal não iria sobreviver sem as ex-colónias, o segundo que Portugal não iria sobreviver ante o embate económico e cultural da Europa. Jamais esquecerei, aliás, a última vez que estive com o Miguel Torga: fui visitá-lo com a Natália Correia, a sua casa, foi na fase final da sua vida, estava deitado qual Camões depois de Alcácer Quibir. Há essas duas visões catastrofistas, mas eu não compartilho delas

Conviveu com os grandes nomes da nossa cultura
Tive a sorte de me ter dado com os grandes vultos deste país. Havia nessa altura uma coisa extraordinária em Lisboa, que eram as tertúlias que eles frequentavam, animavam. Tratava-se de gente de uma simplicidade extraordinária, sobretudo com os jovens… eu entrava na Brasileira e eles falavam-me como se fosse um igual a eles, com toda a paciência… conhecia já o Aquilino Ribeiro que tinha sido amigo do meu avô, andaram os dois fugidos à polícia.O Jorge de Sena, que era um homem muito irónico, dizia com muita graça que as únicas universidades interessantes do país eram os cafés. Era neles que se aprendia, porque nas outras, nas verdadeiras, só se perdia tempo. E citava o exemplo do Fernando Pessoa que, matriculado em Letras, só lá esteve uma semana. O contacto que tive com essa gente é um tema do meu novo livro que se chama precisamenteNascido no Estado Novo.

Entrevista conduzida por Luís Souta com Andreia Lobo

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Disse Agostinho da Silva:
A emigração, a guerra e o exílio tinham despovoado Portugal. Aldeias inteiras apenas albergavam velhos e crianças, povoações havia que não tinham sequer um habitante. Era um país de deserções e decrepitudes a viver das remessas dos emigrantes e dos militares – e da passagem dos turistas.

       Então repetiram aqui o que há decénios faziam lá”Portugal foi reconstruído pela energia dos retornados”, exclamará Agostinho da Silva. “Eles lançaram mão a tudo, usaram com as pessoas de cá os mesmos métodos que usaram com as de lá. Não trouxeram divisas, como os emigrantes, mas construíram coisas”.
(http://www.espoliadosultramar.com/n4.html)

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