os novos donos dos eua e do mundo

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Crónica de Miguel Sousa Tavares, no semanário Expresso de 24 de Janeiro de 2025.
A tomada de posse dos Donos do Mundo.
“Aqueles três homens, ali sentados em lugar de honra na posse de Donald Trump, juntos, detêm mais poder real que toda a UE e que metade da Humanidade.
Na longa, trapalhona e grandiloquentemente ridícula cerimónia de tomada de posse de Donald Trump como 47º Presidente dos Estados Unidos era impossível não reparar
(e eles próprios tudo fizeram por isso…)
no destaque dado ao que Joe Biden, na sua despedida, chamou a oligarquia dos ultra-ricos, que estará a tomar o poder na América.
Colocados de frente para as câmaras, logo atrás dos ex-Presidentes,
a sua posição protocolar visava, sem subterfúgios, assinalar bem a importância que vão deter na nova Administração:
na Casa Branca de Trump, como na corte de Estaline, estas coisas não são pormenores.
Assim, lado a lado, Mark Zuckerberg, Jeff Bezos e Elon Musk, três dos quatro homens mais ricos do mundo,
olhavam de frente e triunfantes as mais de oito mil milhões de almas planetárias cujos destinos, em larga medida, já controlam.
“America first, the world next.”
Ou o contrário: agora que já controlam o resto do mundo, vão controlar os Estados Unidos, o seu único concorrente.
Os três são génios e visionários, cedo revelados, quer em inteligência, quer em imaginação.
O acesso a montanhas de dinheiro deu-lhes os meios necessários para cumprirem o resto: a ambição.
Falta-lhes apenas o poder político à escala global que só o controlo da Casa Branca pode assegurar.
Entre eles e isso está Donald Trump.
Mas enquanto eles fazem dos seus egos uma força alimentada pela inteligência,
Trump faz do seu desmedido ego uma fraqueza alimentada pela estupidez natural:
havendo confronto, é provável que eles ganhem, desde que confortem o ego de Trump e o façam ganhar muito dinheiro pessoalmente.
Dos três, o menos perigoso é Zu­ckerberg, com o seu ar de estudante nerd
que só queria inventar um canal de comunicação entre os alunos de Harvard e viu a coisa crescer sem, supostamente, saber como.
O Facebook e o Instagram, reunidos na Meta, têm hoje três mil milhões de assinantes, 40% da Humanidade.
Todavia, se ele parece inocente, as suas redes sociais não o são
e hoje podem gabar-se de já ter colonizado mentalmente e com efeitos duradouros uma geração inteira.
Zuckerberg sabe isso muito bem:
conhece os muitos estudos que já identificaram suficientemente o efeito dopamina da adição às redes,
os traumas psicológicos que elas geram
– a solidão, a dependência dos likes, a falta de auto-confiança ou a dinamitagem das relações pessoais e familiares e da vida em sociedade
ou a explosão das cirurgias plásticas entre os jovens, instigada pelo Instagram.
E não ignora, antes promove, que os dados pessoais recolhidos pelo Facebook,
mesmo que apagados pelos seus utilizadores,
permanecem vivos e sejam armazenados para a eternidade na “nuvem”,
sendo depois vendidos aos anunciantes para publicidade dirigida.
Nada inocentemente também, Zuckerberg deixou que o Facebook utilizasse o seu algoritmo para orien­tar a decisão de voto dos seus utilizadores
e assim pode orgulhar-se de ter promovido o ‘Brexit’
(como o revelou o caso da Cambridge Analytica),
a primeira eleição de Trump,
a eleição de Bolsonaro,
a invasão do Capitólio em 2021, promovida pelos golpistas agora perdoados por Trump,
e a segunda eleição deste.
A sua relutância em controlar os discursos populistas e de ódio no Facebook
– agora assumida sem disfarces, em nome de uma hipócrita “liberdade de expressão”
contribui de forma determinante para a informação dos “factos alternativos”,
disseminando a mentira, o ódio no lugar do debate e o crescimento do populismo larvar de extrema-direita.
Não contente com isso, e consequentemente, recusa remunerar os direitos de autor dos textos que publica da imprensa de referência
e, pior: juntamente com a Google e a Amazon, a Meta detém hoje a quase totalidade das receitas publicitárias na net
e 50% das receitas publicitárias a nível global, excluindo a China.
Ou seja, conscientemente e com a colaboração irresponsável das marcas,
está a matar a imprensa livre e informada,
um pilar insubstituível das democracias e a alternativa que resta ao mundo da desinformação reinante nas redes.
O seu próximo horizonte: o investimento na inteligência artificial (IA).
Separados na cerimónia apenas por um indiano (Sundar Pichai, CEO do Google) estavam Bezos e Musk,
numa inesperada e amável cavaqueira,
que, em vão, a decotada e plastificada namorada de Bezos tentava perturbar.
Os dois odeiam-se de morte,
não apenas pelo confronto de egos sem freio,
mas muito também por causa da concorrência pelos contratos da NASA,
quer para a exploração do espaço, em que substituíram a agência estatal,
quer pelo negócio fundamental da colocação em órbita dos satélites de baixa altitude:
a rede de satélites Starlink, de Musk, e a Kuiper, de Bezos, têm sido essen­ciais para ajudar a Ucrânia na guerra
e representam um poderosíssimo meio de controle económico-militar de que a Europa se desinteressou
(vários satélites europeus, incluindo dois portugueses, foram colocados em órbita na semana passada pelo foguetão Blue Origin, de Bezos).
Começando também inocentemente por vender e entregar livros ao domicílio,
a Amazon, de Bezos, acabaria por se tornar numa esmagadora plataforma electrónica de vendas online de quase tudo,
pelo caminho arruinando milhares de negócios comerciais e respondendo por milhões de desempregados.
Foi a altura em que ele se pegou com Trump, antes da primeira eleição deste.
Num extraordinário exercício de falta de vergonha, Trump
– conhecido por fugir sistematicamente aos impostos
escreveu no Twitter que “se a Amazon pagasse os impostos devidos, já teria ido à falência”
(uma indesmentível verdade).
Bezos respondeu-lhe que, se algum dia Trump chegasse à Presidência, a democracia americana estaria ameaçada.
Mas foi forçado pelas circunstâncias a arrepender-se
e assim ganhou o seu lugar no Capitólio e na caverna de Ali Babá.
Logo depois disso, porém, a livraria ao domicílio estava ultrapassada
e o sucesso da Amazon proporcionou outro e mais rentável ramo de negócio:
hoje, a maior fonte de receitas da Amazon é o armazenamento na “nuvem”
e a venda de dados pessoais dos seus utilizadores a quem queira pagar por eles,
anunciantes, seguradoras, empresas que contratam pessoas.
Mas Bezos e Musk partilham uma idêntica obsessão messiânica por salvar a Humanidade.
Musk quer enviar a Humanidade para Marte,
Bezos sonha mais alto: despachá-la para gigantescas colónias flutuan­tes,
onde se reproduziriam tal e qual as condições de vida no planeta Terra,
com um clima de “Primavera no Havai” e todas as necessidades humanas suprimidas
– “não precisaremos mais da Terra”, declarou ele.
Entretanto, e porque vai envelhecendo, como todos nós,
o exibicionista Jeff Bezos aposta agora também na descoberta do elixir da juventude,
através de uma empresa de investigação onde trabalham vários prémios Nobel
e que promete em breve mais 50 anos de vida a quem puder pagá-los.
(Mais longe ainda vão os donos da Google, Sergey Brin e Larry Page, que nos intervalos em que não estão ocupados também em fugir ao Fisco dedicam todas as atenções à Calico, uma startup cujo objectivo é “matar a morte”. Ou seja, a imortalidade.)
Estamos então no domínio daquilo a que chamam o “trans-humanismo” ou “o homem aumentado”,
uma tentação comum a todos estes visionários.
Elon Musk, um diagnosticado com Asperger,
é talvez o mais avançado na matéria, com a sua Neurolink,
que apenas espera luz verde da DFA para começar os implantes cerebrais em seres humanos,
com vista a produzir o “homem cyborg”
– capaz, entre outras coisas, de dialogar com o computador e produzir a sua própria nuvem de memórias.
E, embora se declare desconfiado da IA,
investe no seu desenvolvimento através de uma empresa própria.
Concessionário de quase todo o programa espacial da NASA,
dono de metade dos satélites de comunicações em órbita,
da Neurolink, do Twitter-X,
líder na produção de automóveis eléctricos não chineses
e agora membro livre da Administração Trump,
Elon Musk, que em tempos declarou que “as únicas leis que respeitarei são as da física”, é o homem mais poderoso e mais perigoso à face da Terra.
Tal como organizámos, ou deixámos que organizassem, as nossas vidas,
dependemos dele para quase tudo,
e ele tem a sua própria agenda política,
tomando-se por um misto de Mahdi e Mussolini,
numa espécie de fascismo futurista, em que a tecnologia substitui os exércitos convencionais.
Aqueles três homens, ali sentados em lugar de honra na posse de Donald Trump,
juntos, detêm mais poder real que toda a União Europeia e que metade da Humanidade.
Quer queiramos quer não, tal como está o presente, o nosso futuro estará nas mãos deles.
E ninguém os elege e a ninguém prestam contas.
Ou decidimos fazer-lhes frente agora
– individual e colectivamente, e através dos nossos líderes ou por nós próprios
ou então tudo o resto com que nos ocupamos e preocupamos tornar-se-á ridículo em breve.
Nota: Na pesquisa para este texto, para além das fontes correntes e da informação pessoalmente armazenada, serviu-me muitíssimo de fonte acrescida o livro “Mais Poderosos do que os Estados”, da jornalista francesa Christine Kerdellant, recentemente editado entre nós pelas Edições 70.
Recomendo a sua leitura a todos aqueles que ainda privilegiam a informação sobre a ignorância e querem perceber em que mundo vivemos.”
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