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Fernando Grilo, especialista em Transporte Marítimo: “Os Açores precisam de um novo modelo logístico”
Fernando Grilo, economista de Transporte Marítimo, consultor e uma das vozes mais ouvidas no país sobre assuntos deste sector, defende um novo modelo logístico de transporte marítimo para os Açores, agora que o novo Governo dos Açores pretende realizar um estudo que avalie um novo modelo de transporte marítimo.
“O modelo de transporte marítimo na Região Autónoma dos Açores é o que está na lei da “Cabotagem Insular”, lei elaborada na Assembleia da República, por pressão dos armadores face a uma mudança no enquadramento legal, decorrendo de um Regulamento de 1992 da Comissão Europeia que determinou “a aplicação do princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos nos Estados membros”. Mudança altamente disruptiva porque punha em causa a posição competitiva dos armadores que até aí se desenrolava num mercado reservado. A lei teve vários ajustamentos desde o ano de 1998, mas o modelo manteve-se”, escreve Fernando Grilo no site da “Transporte & Negócios”.
“Em consequência: o comércio interno de produtos locais quase desapareceu, a exportação de vários produtos não tem oferta logística que permita colocá-los no continente (por exemplo, carne fresca, peixe, alguns produtos láteos, flores e frutas), fazem-se investimentos vultuosos em armazéns intermédios e centros logísticos na Região e em Lisboa para constituir stocks. Tudo porque a frequência e os tempos de trânsito dos serviços marítimos são inadequados”, afirma o especialista em transporte marítimo.
E acrescenta: “Nos raros debates sobre o assunto quase nunca se menciona um MODELO LOGÍSTICO para a RAA. Por várias razões, algumas reais outras apenas fruto do horror à mudança, o assunto adquiriu o estatuto de “tabu” a vários níveis”.
O importante, sugere o economista, é comparar a estratégia da Boluda Lines para as Canárias com a postura dos armadores que intervêm no transporte marítimo nos Açores.
“No primeiro caso, procura-se construir uma cadeia de abastecimento com o menor número possível de quebras (do produtor ao local de venda ao consumidor). No caso dos Açores, constroem-se armazéns intermédios para constituir stocks e a partir daí entregar em centros logísticos de onde, finalmente, é efectuada a distribuição ao retalho”, conclui.
“No primeiro caso, o transporte marítimo decorre do modelo logístico que importadores e exportadores consideram mais eficiente. No caso dos Açores, o transporte marítimo decorre de uma lei com 22 anos onde os interesses dos importadores e exportadores (a economia regional) não foram tidos em conta, ou pelo menos não o foram de forma eficaz”, adianta ainda.
E questiona: “Não será altura de iniciar um debate sério sobre o tema? De por fim ao “tabu”? Não teriam os três armadores presentes no mercado vantagem em serem os dinamizadores da mudança? O que esperam? Uma mudança por rotura económica do modelo, provavelmente mais perigosa e penalizante para todos? Uma mudança por decreto?”.
Fernando Grilo descreve um novo modelo que nasceu recentemente nas Canárias, embora ressalve que não se pode comparar os dois arquipélagos.
“As comparações entre o transporte marítimo dos Açores e das Canárias têm de ser muito cautelosas porque as duas economias são diferentes. As Canárias têm 2,2 milhões de habitantes e um Produto Interno Bruto per capita de 20.892 euros, os Açores 243 mil habitantes e um PIB per capita de 17.513 euros. O tráfego de contentores é, respectivamente, de 1.400.000 TEU´s e inferior a 140.000 TEU’s”, justifica.
O novo modelo da Boluda Lines, segundo a interpretação de fernando Grilo, indicou como motivador da mudança é a consolidação da sua posição de liderança no mercado. O vetor estratégico-chave da sua ação consiste em por em prática um MODELO LOGÍSTICO que garanta “uma flexibilidade horária de carregamento sem precedentes”:
“Pela primeira vez os exportadores da Península para as Canárias poderão efetuar operações de carregamento a partir de qualquer ponto de Espanha e ligar-se diretamente durante o dia com as saídas marítimas que a Boluda tem programadas a partir de Cádis. A Boluda irá alargar os horários noturnos de descarga nas Canárias de modo a que as mercadorias possam ser entregues nos armazéns de forma imediata na sequência do desembarque do navio”, descreve o economista.
E continua: “Por outro lado, aos exportadores das Canárias serão disponibilizadas saídas diárias a partir dos portos de Tenerife e Las Palmas e beneficiarão de um aumento das ligações inter-ilhas (Fuerteventura, Lanzarote e La Palma) orientadas para satisfazer a procura pelos produtos perecíveis. Os “cut-off” dos navios passarão a ser diários, o que pressupõe, pela primeira vez na história deste tráfego, que perder o embarque de um contentor não implica ter de esperar uma semana”.
“O novo serviço de transporte marítimo, com a denominação comercial DAILY CANARIAS, será suportado em seis navios porta-contentores e numa estrutura logística onde se engloba uma ligação fluvial (serviço feeder) entre Cádis e Sevilha e uma ligação ferroviária Sevilha-Madrid”, prossegue.
“O armador Boluda pretende que a sua organização operacional se converta numa extensão da cadeia de abastecimento dos seus clientes. Com o Daily Canarias os clientes da Boluda passarão a ter menores tempos de distribuição, menos stocks de produtos, uma redução das emissões de gases (maior eficiência ecológica) e, “last but not the least”, uma maior vida útil das mercadorias transportadas”, conclui Fernando Grilo.
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