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Hoje no jornal Correio dos Açores:
Os Açores deixaram de ser nossos.
Durante muito tempo os Açores foram apresentados como um destino autêntico e intocado, onde a natureza e a cultura coexistem em perfeita harmonia. Contudo, hoje, muitos Açorianos sentem que perderam esse paraíso, não porque o deixaram, mas, simplesmente porque já não o reconhecem.
O crescimento económico, por muitos profetizado e por outros pomposamente anunciado, foi feito à custa da qualidade de vida dos Açorianos. E o turismo, que prometia um desenvolvimento harmonioso, tornou-se, em muitos aspetos, uma força de exclusão.
O nível de vida nos Açores não acompanhou o crescimento do turismo. Os preços subiram, mas os salários estagnaram.
Viver nos Açores tornou-se caro. Comer fora, fazer compras ou pagar uma renda, são hoje, lamentavelmente, desafios que afetam uma parte significativa da nossa população.
O cabaz essencial de compras aumentou vertiginosamente. Os restaurantes, antes espaços acessíveis e familiares, passaram a praticar preços ajustados ao turista estrangeiro e não aos residentes. Com preços ao nível das maiores capitais europeias!
Mas o infortúnio do vaticinado desenvolvimento respeita à habitação, que, nos Açores, tornou-se um bem quase inacessível, especialmente para os nossos jovens. Com a transformação de imóveis em alojamentos turísticos e o aumento da procura externa, muitos dos jovens Açorianos são empurrados para fora das zonas urbanas centrais ou quase como “obrigados” a permanecer em casa dos pais até muito tarde.
Não podemos ter dúvidas, a crise habitacional nos Açores, aliada a uma total ausência de uma política de regulação eficaz, está a minar o direito constitucional à habitação.
O turismo, que chegou em massa, trouxe consigo, ainda, outro problema, o desgaste do principal ativo dos Açores: a natureza. Trilhos sobrelotados, miradoiros transformados em filas para a fotografia e zonas balneares descaracterizadas. Já se sente uma crescente artificialidade.
Em certas zonas, assistimos mesmo a um decréscimo da qualidade da oferta turística, com alojamentos pouco regulados, serviços irregulares e, sobretudo, experiências cada vez mais formatadas para agradar a um tipo de turista genérico.
Desistimos de oferecer ao turista a identidade açoriana.
Promover a Região não pode ser confundido como vendê-la.
Quando se abdica da regulação, quando se cede tudo ao mercado, quando se esquece quem vive nas ilhas, o que se constrói não é desenvolvimento, é, antes sim, destruição silenciosa. E os primeiros a sofrer com esta realidade são os próprios Açorianos.
Temos, todos, de nos questionar: o que se ganha em atrair turistas em grande número se os Açorianos deixam de ter qualidade de vida? De que vale encher as ruas de estrangeiros se os residentes já não conseguem pagar uma casa ou sentar-se à mesa de um restaurante da sua terra?
E nesse caótico quadro, o poder político regional assobia para o lado. Regulamentar? Para quê se o mercado se regula sozinho. Investir em qualidade de vida? Talvez na próxima legislatura. Priorizar quem vive cá o ao todo? Que ideia mais exótica! Assim pensam, ironicamente, os nossos decisores políticos.
Os Açores não podem continuar a ser vendidos como produto rotulado. Somos herança de mar e de terra, de vento e de gente. Só quando voltarem a ser dos Açorianos, na alma e no viver, poderão voltar a receber o Mundo com a autenticidade de quem se oferece, não como uma mercadoria, mas como destino sonhado.
Se quem cá vive está bem, quem nos visita bem estará.
Humberto Bettencourt
Jurista
Os Açores deixaram de ser nossos.
Durante muito tempo os Açores foram apresentados como um destino autêntico e intocado, onde a natureza e a cultura coexistem em perfeita harmonia. Contudo, hoje, muitos Açorianos sentem que perderam esse paraíso, não porque o deixaram, mas, simplesmente porque já não o reconhecem.
O crescimento económico, por muitos profetizado e por outros pomposamente anunciado, foi feito à custa da qualidade de vida dos Açorianos. E o turismo, que prometia um desenvolvimento harmonioso, tornou-se, em muitos aspetos, uma força de exclusão.
O nível de vida nos Açores não acompanhou o crescimento do turismo. Os preços subiram, mas os salários estagnaram.
Viver nos Açores tornou-se caro. Comer fora, fazer compras ou pagar uma renda, são hoje, lamentavelmente, desafios que afetam uma parte significativa da nossa população.
O cabaz essencial de compras aumentou vertiginosamente. Os restaurantes, antes espaços acessíveis e familiares, passaram a praticar preços ajustados ao turista estrangeiro e não aos residentes. Com preços ao nível das maiores capitais europeias!
Mas o infortúnio do vaticinado desenvolvimento respeita à habitação, que, nos Açores, tornou-se um bem quase inacessível, especialmente para os nossos jovens. Com a transformação de imóveis em alojamentos turísticos e o aumento da procura externa, muitos dos jovens Açorianos são empurrados para fora das zonas urbanas centrais ou quase como “obrigados” a permanecer em casa dos pais até muito tarde.
Não podemos ter dúvidas, a crise habitacional nos Açores, aliada a uma total ausência de uma política de regulação eficaz, está a minar o direito constitucional à habitação.
O turismo, que chegou em massa, trouxe consigo, ainda, outro problema, o desgaste do principal ativo dos Açores: a natureza. Trilhos sobrelotados, miradoiros transformados em filas para a fotografia e zonas balneares descaracterizadas. Já se sente uma crescente artificialidade.
Em certas zonas, assistimos mesmo a um decréscimo da qualidade da oferta turística, com alojamentos pouco regulados, serviços irregulares e, sobretudo, experiências cada vez mais formatadas para agradar a um tipo de turista genérico.
Desistimos de oferecer ao turista a identidade açoriana.
Promover a Região não pode ser confundido como vendê-la.
Quando se abdica da regulação, quando se cede tudo ao mercado, quando se esquece quem vive nas ilhas, o que se constrói não é desenvolvimento, é, antes sim, destruição silenciosa. E os primeiros a sofrer com esta realidade são os próprios Açorianos.
Temos, todos, de nos questionar: o que se ganha em atrair turistas em grande número se os Açorianos deixam de ter qualidade de vida? De que vale encher as ruas de estrangeiros se os residentes já não conseguem pagar uma casa ou sentar-se à mesa de um restaurante da sua terra?
E nesse caótico quadro, o poder político regional assobia para o lado. Regulamentar? Para quê se o mercado se regula sozinho. Investir em qualidade de vida? Talvez na próxima legislatura. Priorizar quem vive cá o ao todo? Que ideia mais exótica! Assim pensam, ironicamente, os nossos decisores políticos.
Os Açores não podem continuar a ser vendidos como produto rotulado. Somos herança de mar e de terra, de vento e de gente. Só quando voltarem a ser dos Açorianos, na alma e no viver, poderão voltar a receber o Mundo com a autenticidade de quem se oferece, não como uma mercadoria, mas como destino sonhado.
Se quem cá vive está bem, quem nos visita bem estará.
Humberto Bettencourt
Jurista
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