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ONDJÉLUA, A FESTA DA CHUVA
ONDJÉLUA, A FESTA DA CHUVA
um filme que mostra ter asas para voar
Em 2019, o meu amigo e conterrâneo Óscar Gil convidou-me a participar nas filmagens da Ondjélua, o Cortejo do Boi Sagrado, como consultor de história e etnografia do Sudoeste angolano. Achava ele que eu poderia dar um contributo na escrita de um texto base para o guião do filme e, também, como consultor de aspectos mais históricos deste cerimonial. Para além de mim, contava com o apoio de Calapato, um filho dos Gambos, cuja língua materna é o olunhaneca e é fluente na língua portuguesa. Tudo isto permitiu que houvesse uma aproximação à Ondjélua da forma mais correcta, respeitadora e tranquila, pois tínhamos consciência do secretismo que sempre envolveu este cerimonial. Apesar de tudo, muitos anos antes, em 1976, o antropólogo e cineasta Ruy Duarte de Carvalho, já havia feito uma tentativa de aproximação, chegando a realizar uma reportagem cinematográfica sobre a Ondjélua, que decorreu entre 26 e 28 de Julho de 1978. Numa merecida homenagem a este projecto precursor, a ÓscarGil Produções dedica a Ruy Duarte de Carvalho este seu filme. Se o primeiro cineasta enfrentou as dificuldades de um tempo complicado, em que a guerra civil já era uma realidade em Angola, desta vez a guerra era de outro calibre, a pandemia do Covid 19, que nos impossibilitou de dar início ao trabalho em 2020, como inicialmente havia sido avançado. Tivemos, por isso, que aguardar que o “bicho” ficasse mais manso, mais controlável, para darmos asas ao projecto. Finalmente, no ano passado, em Julho de 2022, o Óscar Gil voltou a falar-me e encontrámo-nos no lugar certo para se iniciarem as filmagens, a Chibia. Foram dias de muito trabalho e de inolvidável encantamento. Por isso fico muito grato ao meu amigo Óscar Gil pelo convite. Para mim foi um privilégio ter estado tão perto da Ondjélua e ter participado das filmagens deste cerimonial tão antigo. O cortejo tem início no final das colheitas, com o aparecimento da lua nova, entre Julho e Agosto, em pleno tempo do cacimbo. Trata-se de uma cerimónia de carácter mágico-religioso, da qual fazem parte muitas pessoas, sobretudo mulheres, com desenhos no rosto feitos com o mpheio ou caulino, desenhos de base geométrica, geralmente triângulos e losangos, alusivos às manchas brancas existentes na fronte do Nauânga, o boi sagrado. A Ondjélua é essencialmente um cortejo solene, cujo elemento principal é o boi pertencente às manadas do Hamba (soba, soberano), guardado pelo Senhor do Sambo (currais), o Muêne Hambo. É um cerimonial praticado entre os Nhaneca, povo do Planalto da Huíla, a partir das Ombalas (residências dos hambas ou sobas) do Lupolo, do Jau e dos Gambos, com o objectivo de solicitar a vinda da chuva para que possa haver fartura nos campos e prosperidade entre os homens. Actualmente só se pratica no sobado do Jau, no município da Chibia. Por isso foi aqui que tudo começou para nós. No Jau teve início o trabalho da ÓscarGil Produções, que terminou muito tempo depois, já que só as filmagens do cortejo duraram dois meses (o tempo das cerimónias) e o trabalho de edição do filme mais de um ano. E valeu a pena! A Ondjélua tem concorridos a vários festivais, tendo obtido até agora três prémios: o Prémio UNITEL – Angola destinado a concorrentes angolanos na área do cinema documental; o Indo French International Film Festival, primeiro programa colaborativo feito para reconhecer e homenagear talentos e aberto a todos os cineastas aspirantes ao redor do mundo; o Bridge Fest, Vancouver (Canadá), festival de cinema que aceita filmes e roteiros e aponta vencedores mensais em todas as categorias e géneros.
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