O VÍRUS DA DESINFORMAÇÃO

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Pierre Sousa Lima to Açores Global

O vírus da desinformação

O pior inimigo de uma crise pública como esta do coronavírus é a desinformação.
Se não houver uma informação verdadeira, transparente e segura, é meio caminho andado para se gerar todo o tipo de especulação, alarmismo e pânico.
As autoridades açorianas têm sido muito desleixadas neste aspecto, como se viu agora com o primeiro caso suspeito, na ilha Terceira, e já tinha acontecido aquando do caso do jacto privado com chineses.
Pior ainda foram as reacções nas redes sociais quando um blog terceirense colocou a informação de que o caso suspeito era positivo.
A irresponsabilidade gerou uma onda de comentários disparatados, que são um exemplo perfeito de como se fazem as notícias falsas e como reage a turba do ódio, com muita ignorância à mistura.
Primeiro começaram por acusar o “jornal” que divulgou a notícia. “Este jornal é muito irresponsável”, dizia um, secundado por outro: “não sei como é que ainda não fecharam este jornal”.
Outro acusava os aeroportos de não controlarem “essas situações” e que “vão aparecer mais casos na Terceira, pois ninguém controla a Base das Lajes”.
Alguém se atreveu a ir mais longe, sentenciando que o suspeito “devia ser enviado para Itália, de onde veio, nunca devia ter entrado cá; agora vai infectar toda a gente”.
Alguém com mais tino lembrou que a notícia era falsa e que já tinha sido desmentida.
Com efeito, o dito blog (que não é um jornal) veio penitenciar-se pelo erro e desmentiu a informação que tinha posto a circular.
Apesar disso, uma utilizadora da rede insiste: “Mas está ou não confirmado? Se não está este jornal devia ser processado por causar tamanho alarmismo”.
Outro corrobora: “Este jornal é uma vergonha… lamento ter ainda a porta aberta”.
De novo, aparece uma correcção de alguém mais ponderado: “Um blog não um jornal”.
A contraresposta: “ jornal ou não a verdade é que a notícia que é falsa alarmou de certa forma todos nós….”.
Resposta final: “porque vocês partilham tudo e mais alguma coisa sem sequer verificarem a veracidade do que partilham! são mais ignorantes do que quem escreveu essa “notícia” e só geram alarme social”.
Isto não acaba aqui. Prossegue em tom cada vez mais desorientador, com muitos comentários desencontrados… e às dezenas.
Noutro lado corre a mesma polémica, que é cortada por alguém chamando a atenção: “Qual jornal? Recebe apoios públicos?”.
Resposta noutro comentário: “afinal parece que é um blog…. peço desculpa também cometi um erro…. mas acredito que não foi tão grave …”.
A gravidade disto é que os utilizadores pensam que estão a dialogar entre si e que mais ninguém lê.
São milhares, se não mesmo milhões, os utilizadores que consultam as redes, lêem e nem reagem.
Alguns acreditam em tudo o que lêem – os estudos internacionais dizem que mais de 60% dos utilizadores acreditam no que lêem e têm as redes como única fonte de informação -, daí o efeito multiplicador da desinformação que se gere, depois, fora da rede.
Não admira que um turista de Nova Iorque, que vinha cá passar férias nos próximos dias, tenha consultado algo parecido nas redes e cancelou logo a reserva com o argumento de que o vírus já estava “disseminado” nas diferentes ilhas!
Tudo isso leva-nos à urgência de uma reflexão profunda sobre como se deve gerir a informação e como divulgá-la.
Para além de uma lição, cada vez mais consolidada: se querem informação credível, segura, séria, independente e regulada, consultem os jornais.
O resto é especulação.

(Osvaldo Cabral – Diário dos Açores de 03/03/2020)