O USO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO MEIO EDITORIAL Publicado a 23/11/2023 por CHRYS CHRYSTELLOViews: 0Nuno QuintasNuno Quintas• 2º• 2ºtranslator, copy-editor and proofreader | transcreator | language and literary consultanttranslator, copy-editor and proofreader | transcreator | language and literary consultantConecte-seConecte-se a Nuno QuintasO USO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO MEIO EDITORIALApesar da denúncia, há uns meses, da má qualidade de obras literárias traduzidas por ferramentas de inteligência artificial (IA) em livros à venda no mercado português, alguns tradutores e revisores têm recebido pedidos de «revisão» de clássicos universais (em várias línguas) traduzidos por estas ferramentas.A tradução literária não replica só um texto noutra língua: é uma arte, acarreta um vasto conjunto de interpretações e escolhas, depende de muitos anos de estudo e experiência.Os sistemas de tradução automática são incapazes de reconhecer e transpor todos os elementos das obras literárias. Numa obra literária, substituir os tradutores por uma máquina é prescindir da qualidade em prol da quantidade e arrasar subtilezas e sensibilidades em prol de uma solução rápida e aparentemente barata. A utilização da IA pelas editoras neutraliza a literariedade do original e da tradução.Aceitar tais propostas de «revisão» é sancionar um sistema que visa eliminar o trabalho dos tradutores. Implica fazer o trabalho de dois profissionais (tradutor e revisor) pela remuneração mais baixa dos dois. Para quem conhece as condições laborais dos trabalhadores independentes, não espanta que haja profissionais obrigados a aceitar tais propostas para sobreviver — mas é preciso que saibam que preferem escassos ganhos de curtíssimo prazo e geram enormes perdas de médio prazo.Participar nestas «revisões» alimenta uma estratégia que prejudica revisores e tradutores, leitores e editoras. Os leitores adquirem traduções de má qualidade; as editoras minam o capital de confiança na qualidade das traduções, levando os leitores a preferirem edições noutras línguas, nomeadamente em inglês, o que reduz as vendas das traduções portuguesas.A tradução automática promove, pois, a delapidação financeira de editores e livreiros, e degrada uma profissão já muito pressionada pela falta de reconhecimento: a dos tradutores.Assim, reiteramos: é essencial identificar o nome do tradutor nas capas dos livros. Responsabiliza quem traduz e mostra que a editora merece a confiança dos leitores.Defendemos ainda que as editoras que usem a tradução automática têm de o indicar na ficha técnica e no frontispício dos livros. Só assim faremos um trabalho transparente e credível.Por tudo isto, não aceitaremos nenhum pedido deste tipo que nos seja dirigido e reservamo-nos o direito de os publicitar como denúncia, que não é mais do que uma defesa pública do ofício.Sugerimos, pois, aos colegas tradutores, revisores e editores que se juntem a nós na denúncia e no repúdio de tais práticas.*Esta denúncia foi escrita e é assinada pelos membros da Caixa Alta — Guilherme Pires, Madalena Caramona e Nuno Quintas — e pela nossa colega tradutora Alda Rodrigues.Share this:FacebookXLike this:Like Loading...Related
Apesar da denúncia, há uns meses, da má qualidade de obras literárias traduzidas por ferramentas de inteligência artificial (IA) em livros à venda no mercado português, alguns tradutores e revisores têm recebido pedidos de «revisão» de clássicos universais (em várias línguas) traduzidos por estas ferramentas.
A tradução literária não replica só um texto noutra língua: é uma arte, acarreta um vasto conjunto de interpretações e escolhas, depende de muitos anos de estudo e experiência.
Os sistemas de tradução automática são incapazes de reconhecer e transpor todos os elementos das obras literárias. Numa obra literária, substituir os tradutores por uma máquina é prescindir da qualidade em prol da quantidade e arrasar subtilezas e sensibilidades em prol de uma solução rápida e aparentemente barata. A utilização da IA pelas editoras neutraliza a literariedade do original e da tradução.
Aceitar tais propostas de «revisão» é sancionar um sistema que visa eliminar o trabalho dos tradutores. Implica fazer o trabalho de dois profissionais (tradutor e revisor) pela remuneração mais baixa dos dois. Para quem conhece as condições laborais dos trabalhadores independentes, não espanta que haja profissionais obrigados a aceitar tais propostas para sobreviver — mas é preciso que saibam que preferem escassos ganhos de curtíssimo prazo e geram enormes perdas de médio prazo.
Participar nestas «revisões» alimenta uma estratégia que prejudica revisores e tradutores, leitores e editoras. Os leitores adquirem traduções de má qualidade; as editoras minam o capital de confiança na qualidade das traduções, levando os leitores a preferirem edições noutras línguas, nomeadamente em inglês, o que reduz as vendas das traduções portuguesas.
A tradução automática promove, pois, a delapidação financeira de editores e livreiros, e degrada uma profissão já muito pressionada pela falta de reconhecimento: a dos tradutores.
Assim, reiteramos: é essencial identificar o nome do tradutor nas capas dos livros. Responsabiliza quem traduz e mostra que a editora merece a confiança dos leitores.
Defendemos ainda que as editoras que usem a tradução automática têm de o indicar na ficha técnica e no frontispício dos livros. Só assim faremos um trabalho transparente e credível.
Por tudo isto, não aceitaremos nenhum pedido deste tipo que nos seja dirigido e reservamo-nos o direito de os publicitar como denúncia, que não é mais do que uma defesa pública do ofício.
Sugerimos, pois, aos colegas tradutores, revisores e editores que se juntem a nós na denúncia e no repúdio de tais práticas.
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Esta denúncia foi escrita e é assinada pelos membros da Caixa Alta —
Guilherme Pires, Madalena Caramona e Nuno Quintas — e pela nossa colega tradutora Alda Rodrigues.