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O TRIUNFO DOS PORCOS
Não é de admirar o crescimento dos extremismos porque a história viveu ciclicamente de impulsos marginais e de populismos.
A esquerda, com origem na revolução francesa, esteve indiscutivelmente de moda até ao final do século XX, quando apontava o capital como o demónio causador da pobreza, das desigualdades e da escravidão e, ao mesmo tempo, de ser o sustentáculo dos piores regimes ditatoriais do planeta.
O colectivismo sobrepunha-se ao individualismo, a solidariedade ideológica, incluindo a internacional, dava-lhe um cariz altruísta e mesmo romântico e o sacrifício a superioridade moral. A verdade é que tinha em certos pontos a parte da razão, uma vez que nem todos nasciam com as mesmas oportunidades, a diferença económica e social entre classes era atroz e o bem comum, em muitos aspectos e como parte integrante de um contrato social, devia ser de facto prevalente.
Só que, com o andar dos tempos, os não detentores do capital foram tendo cada vez mais direitos e justas ambições e eles próprios deram-se conta que podiam aspirar, por mérito individual, a esse mesmo capital e a história demonstrou que as ditaduras não eram uma característica exclusiva da direita.
A queda do muro de Berlim e tudo o que o precede e antecede deixou muita parte da esquerda, com base marxista-leninista, sem rumo e com necessidade de reformular muitos dos seus ideais. Muitos partidos findaram o seu ciclo e outros conseguiram de facto renascer por esse Mundo fora.
Mudaram os tempos, mudaram-se as vontades e, se à esquerda tradicional ainda lhe resta muitos laivos de razão no que à questão económica e social diz respeito, pois as desigualdades e a má redistribuição da riqueza são temas actuais, outros valores transversais assumiram lugar na ribalta, designadamente a corrupção a todos os níveis, os nacionalismos e com eles a xenofobia, o racismo, a eugenia, o individualismo fruto da reiterada competitividade e com ele o egoísmo, a sociedade de consumo e o mesmo anti-capitalismo (porque soa sempre bem na teoria), o descrédito na justiça, bem como a incapacidade da classe política tradicional em reformar e, pelo contrário, perpetuar o caduco sistema político, tal como, em boa parte, o seu contributo para as crises sociais e económico-financeiras e todas a demais desgraças que nos assolam com alguma frequência, que mais não seja pela sua inércia e submissão a outros poderes. Ora neste saco cabem partidos da direita à esquerda.
Esta proliferação de radicalismos encontrou nos nossos dias uma forma de rápida propagação e mobilização: a internet e as redes sociais. Assim se explicam em grande parte os fenómenos Trump, Bolsonaro, Berlusconi ou mesmo, entre nós, um Ventura.
O discurso anti-sistema e mais radical da ultra-direita mobiliza facilmente os descontentes, revoltados e frustrados, na maioria dos países habitualmente entre classes menos instruídas e economicamente mais vulneráveis, mas, surpreendentemente não em totalmente Portugal, onde parte dos seus seguidores apresentam um perfil académico e económico mais favorável.
Porém, quando exploramos os seus conteúdos programáticos, que ninguém na verdade lê ou pretende saber, fica-se com um punhado de nada e prevalecem os slogans e comunicações mais bombásticas amplamente difundidos pelos novos canais de comunicação. A política de hoje é volátil, pouco honrada, às vezes imoral e com pouco conteúdo ideológico ou filosófico.
Em abono da verdade, os partidos tradicionais também verdadeiramente nada de novo nos trazem e mantêm um discurso e uma prática mais que gastos, minados de gentes de pouco valor, não sendo de estranhar que inclusivamente alguns deles percam progressivamente o protagonismo que outrora tiveram no panorama social.
Ventura é, na minha modesta opinião, um fast food da política moderna, o protótipo de um labrego político, ao jeito de chico-esperto, que percebeu que havia um vazio na política portuguesa, à ultra-direita, e que é precisamente eficaz na generalização, no apelo à indignação, na revolta contra o sistema, nas medidas radicais que despertam e anuem ódios latentes, de certo modo como outrora fez a esquerda, mas com outras bandeiras e outros slogans mais ao estilo de um nacional-socialismo, bastando para tal substituir os alvos e chavões de então de então por novos protagonistas e slogans mais ou menos actuais. Espremido, o Chega chega a nada, bastando para o comprovar ler o seu manifesto nacional ou regional, pois um partido de protesto é um partido sem programa e de medidas avulsas.
O problema é que, tal como no futebol, onde até alguns germinam para a política, há sempre uns hooligans entre a maioria dos assistentes civilizados, em qualquer país haverá também uns quantos boçais a quem este tipo de discurso lhes estimula a líbido e os instintos mais primitivos.
Ora se o sistema democrático não se reforma e não estimula a participação dos cidadãos na coisa pública, o desinteresse significa abstenção, permitindo aos fanáticos uma representatividade expressiva durante os actos eleitorais, mesmo que seja irrelevante no cômputo geral, ao ponto de poderem participar em acordos ou coligações para viabilização de governos.
Isto em si pode ser de espantar, mas mais atónitos ficamos quando, sem pudor ou escrúpulos, vemos partidos aparentemente responsáveis e com história ajoelharem-se e capitularem ante esta panda de extremistas inúteis só para alcançar o almejado poder. Tal é a malta que nos governa.
Na política do vale tudo e, se desse tipo de gentuça já sabemos o que esperar, mais perigosos afinal são aqueles que outorgando-se democráticos e estadistas, no final acabam por lhes dar guarida. Vendem a alma ao diabo. Um dia lamentarão o efeito boomerang por terem dado palco a estes actores rascos nesta comédia melodramática. A memória é curta e esquece-se que muitos partidos marginais chegaram ao poder por eleição.
E se na política já vale mais do que tudo, parafraseando o próprio guru do Chega: isto então é uma vergonha! A traição do idealismo pelo poder não é afinal e apenas a fábula de Orwell, mas sim a realidade dos nossos dias.
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- Temos que concordar uma coisa, faz falta um partido para agitar as águas, se ele não existisse nem estaríamos agora a ler esta boa resenha histórica, quanto mais a discutir assuntos que nunca seriam chamados à praça pública por serem incómodos aos part…See more
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