O sublime destino de Marcelo

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« Marcelo corre de volta da mesa para ver se é capaz de se apanhar a si próprio. Ele sabe que não é, mas o impulso da irrealidade não o admite. Nem um passeio em redor do palácio o tempera.
Viveu sempre de olhos postos nos cumes; em sua volta voava-se e poisava-se nos altos edifícios do Estado Novo.
Talvez tivesse medo de que não olhassem para ele, apesar do brilho. Talvez quisesse vingar o passado. Só ele o saberá.
Esbarrou quase sempre nos propósitos de que se alimentava. Nem o banho no Tejo lhe refrescou a propensão para o desmedido, a ânsia ansiosa.
Até ao dia em que se sentou a comentar num país que vive da e para a televisão.
Depois veio um homem incontido, incapaz de se olhar ao espelho e para quem lá se refletia. Aquele não era o homem que lá estava. Não percebeu que no espelho não estão refletidos o cérebro e o coração. António Damásio ainda não teve tempo para falar com ele sobre o sentimento de si. Não adiantaria, mas…
Marcelo tinha razão, as ginjinhas que bebia apareciam na contagem dos votos, mas não apareciam no espelho; nem na condecoração que não foi entregue a Zelenski, nem no abrigo da guerra, nem no beijo de uma velha ucraniana que quer guardar o bocado da pele como relíquia, nem a viagem para Viseu a fazer de motorista de uma jornalista. Nem, nem. O certo é que o país das televisões aceita tudo desde que lho deem de borla e a horas de ser visto.
Pela primeira vez no dia que foi a Alcoitão quando acordou e se viu ao espelho não era a sua fulgurante imagem que lá se encontrava. Quem lhe sorria era António Costa, o primeiro-ministro. Nos diversos espelhos a imagem dele desaparecera e fora substituída pela de António Costa.
A metamorfose Kafkiana ali estava. Para enganar o feitiço disse o que se conhece, Costa é o político mais capaz da Europa. Está dito.
Há quem auspicie um fim sublime a Marcelo Rebelo de Sousa – estudar os motivos que impediram Ícaro de levantar voo.»
[Domingos Lopes, no blogue “O Chocalho”, 15/12/3023]
O sublime destino de Marcelo
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Marcelo corre de volta da mesa para ver se é capaz de se apanhar a si próprio. Ele sabe que não é, mas o impulso da irrealidade não o admite. Nem um passeio em redor do palácio o tempera. Viveu sem…
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Manuel

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