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Artigo publicado no Diário dos Açores a 09/09/2020:
“O Solar dos Afonsos
Afonso Anes juntamente com seus irmãos, Rodrigo Anes e Pedro Afonso, “vieram na segunda leiva em 1449” com o intuito de povoar a ilha de São Miguel. Os três irmãos que pertenciam à casa do Infante eram chamados por alcunha de “columbreiros” ou “cogumbreiros”, por ter o Infante D. Henrique mencionado ao pai deles, Afonso Anes, ao observar a sua abundante descendência, que a sua família se “multiplicava como os cogombros ou pepinos”, no entanto, Rodrigo Rodrigues afirma que Afonso Anes veio em 1521 da ilha da Madeira com os filhos Pedro Afonso, Francisco Afonso, Leonor Dias e a esposa Ana Martins. Por testamenteiro escolheu a esposa e os filhos. Instituiu um vínculo por testamento aprovado a 4 de Agosto de 1575, em que deixou quinze alqueires de terra a seu filho Pedro Afonso e oito alqueires de terra a seu filho Francisco Afonso. Designou diferentes quantias monetárias aos criados, com referência à existência de uma filha fora do casamento, a confrarias religiosas e perdoou dívidas.
Em 1643 o trisneto Pe. Francisco Afonso de Chaves, por testamento deixou metade dos seus bens a uma sobrinha e em contrapartida obrigava-a a não vender nem alienar onze alqueires de terra nos Arrifes, onde estavam “as casas do monte” e umas casas na Rua Nova da cidade. Ele próprio já tinha renunciado uma determinada quantidade de propriedades a favor do sobrinho Diogo de Chaves. Esta passou para Sebastião Fernandes, neto de Afonso Anes.
Possuíam uma propriedade conhecida como quinta do Monte de Afonso Anes, hoje popularmente designado por Monte Leopoldo. Possivelmente Afonso Anes foi o primeiro senhor desta propriedade. Para além de serem uma família com posses económicas e de status, contribuíram de diversas formas para a Região, desde o campo religioso, militar, cultural e político. O primeiro exemplo surgiu com Margarida de Chaves, que nasceu em 1530 e recebeu o título de Venerável, no entanto, na Curia Romana o processo ficou parado, “(…) mas o povo considera-a Santa e como Santa Margarida de Chaves é tratada e conhecida”. Logo nos primeiros anos após a sua morte, a família edificou uma ermida em sua homenagem nos arredores de Ponta Delgada. No século seguinte destacou-se o morgado Francisco Afonso de Chaves e Melo (1685-1747). Desempenhou vários cargos de eleição administrativa. Foi juiz e contador da Fazenda Real de Ponta Delgada. Em 1797 nasceu Francisco Afonso da Costa Chaves e Melo. Foi um intelectual e político açoriano. Herdou a casa e morgadio. Foi um grande proprietário da ilha de São Miguel, apesar de discordar da instituição a que estava vinculado. Pertenceu à Maçonaria local e ao Partido Cartista. Foi eleito deputado às Cortes pelo círculo da Província Oriental dos Açores e governador civil do Distrito de Ponta Delgada. Colaborou intensamente com a imprensa local onde fundou o jornal O Constitucional Micaelense e publicou diversas obras sobre história e política. Outro exemplo da notoriedade desta família é provada pelo Coronel Francisco Afonso de Chaves nascido em 1857. Dedicou-se à vida militar e foi um amante das ciências naturais. Foi professor de física, química e história natural. Fez parte da Comissão Internacional de Exploração Científica do Oceano Atlântico, e foi membro da Direcção Administrativa da Instituição Oceanográfica do Príncipe do Mónaco, por disposição testamentária deste. Pertenceu à Sociedade Astronómica de França, à Sociedade de Geografia de Lisboa e à Sociedade Zoológica de Londres. Para além disso dirigiu o museu Carlos Machado e foi continuador do Arquivo dos Açores. O último morgado foi Leopoldo José da Costa Chaves e Melo (n. 1855), assim se justifica a designação popular daquele monte e beco.
Alguns anos depois o “(…) solar foi à praça e arrematado pelos Condes dos Fenais”. Como não deixaram descendentes os seus bens e título passaram para os sobrinhos. Depois da morte da Condessa o título passou para o sobrinho Rui Gago da Câmara em 1952, filho do quinto Barão da Fonte Bela. As propriedades foram divididas pelos vários sobrinhos, chegando à família Wallenstein.
Por volta do ano 2000 o solar foi vendido e passou para as mãos de uma empresa de turismo rural madeirense. Pouco tempo depois a dita empresa foi à falência e a antiga quinta do Monte de Afonso Anes passou a pertencer a uma instituição bancária.
Esta casa nobre apresenta características de duas tipologias: a casa linear e casa de pátio. A sua planta apresenta-se em forma de “L”, de corpo rectangular e com janelas de sacada com varandas de ferro, evidenciando o seu carácter linear, no entanto, sobressaem as suas duas fachadas, uma com imponente portal de acesso à rua (o portão de arco quebrado encontra-se destruído e as suas pedras foram furtadas), e outra de passagem à casa através de um pátio interior. Á primeira vista podemos pensar que também possui características da casa torreada, no entanto, o segundo piso não é um torreão. Não se estende por todo o edifício, corresponde às salas construídas na segunda fase, com amplos quartos. Por cima da cozinha os quartos de serviço formam uma espécie de sótão ou falsa e não de torre.
A alvenaria surge como um modo de edificação, empregue nas paredes estruturais e reforçada nas cantarias de pedra vulcânica que assinalam os vãos. O contraste com a brancura da parede lisa torna-se desde logo evidente. O edifício foi construído em duas fases. A primeira é possível que seja do tempo de Afonso Anes, pois o testamento refere que estaria nas suas casas e quintanas dos Arrifes. Apresenta duas dependências sem ligação interna. Os tectos em barrete de clérigo são pronunciados e exibem:
“(…) uma altura de 5 metros no ponto mais alto da abóbada em barrete de clérigo, muito pronunciada, que cobre separadamente cada uma das divisões. Em posição perpendicular, a este, situa-se o corpo da cozinha, possivelmente também parte integrante do núcleo primitivo, embora substancialmente alterado. Na fachada sul abrem-se duas portas com molduras em cantaria, alteadas na parte superior por um duplo lintel (ou arquitrave e friso, numa aproximação ao entablamento clássico) separado por um cordão saliente e terminando numa cornija desenvolvida. Interiormente, recortam-se armários embutidos nas paredes no compartimento da esquerda e uma segunda porta voltada para poente, todas com nichos de iluminação incorporados no intradorso dos vãos. O pavimento de ambas as divisões é em tijoleira de base rectangular”.
A segunda fase ocorreu a meados do século XIX, por iniciativa de Francisco Afonso da Costa Chaves e Melo, que construiu o edifício anexo ao conjunto antigo. Por esta altura a evolução da situação económica e a relativa pressão urbana, levaram a que as quintas desempenhassem um novo papel, de acordo com os padrões de vida dos seus senhores. Isabel Albergaria afirma que os morgados e ricos comerciantes se instalaram na cidade ou próxima dela, em novas casas ou em antigas quintas, remodeladas de acordo com as exigências do seu estatuto social. Ao longo da centúria afirmou-se a tendência para a conversão destas quintas em casas de campo. Assim, por entre a camada mais opulenta da população difundiu-se o hábito da dupla habitação, distinguindo-se as casas e quintas peri-urbanas, destinadas a residência fixa, das quintas de veraneio habitadas durante a estação calmosa. Aqui podemos encontrar a justificação para a segunda fase de construção da casa.
O piso térreo apresentava quatro salas, as primeiras com estuques no tecto, de ornamentação floral e as últimas com arco em barrete de clérigo. Isabel Albergaria afirma que estas salas em barrete de clérigo são caso único na ilha de São Miguel e que possuem uma elevação considerável de cerca de 31 m2 e 5,20 m a flecha da abóbada. Possuía uma pequena entrada e um pequeno compartimento utilizado como escritório pela família Wallenstein. O corredor exibia-se como fruto do planeamento de circulação e de hierarquização dos espaços, percorrendo as quatros salas de estar e de jantar, que se sucedem horizontalmente. Para além de um compartimento adaptado a quarto, de lavabos e zona de serviço, apresentava a cozinha com um arco e o forno de lenha.
O andar nobre possuía três quartos de dormir com recoleta (quarto de vestir) e ainda três quartos considerados como zona de serviço. De uma forma geral o primeiro andar insinua uma espécie de “torreão”.
Para mais informações veja-se “Testamento de Afonso Enes de 1575”, Maço nº 1, Processo nº 2 na Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada; “Genealogias de São Miguel e Santa Maria” de Rodrigo Rodrigues e “Arrifes: Detentores de Património Cultural?”.
Este texto não segue o novo acordo ortográfico da Língua Portuguesa.”
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- Muitos parabéns
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