O sagrado também é obsceno nas igrejas medievais

Enormes falos, mulheres exibindo o sexo, masturbações, casais em atos eróticos, surgem em muitos monumentos cristãos da Idade Média, tanto em Espanha como em Portugal. Não há consenso sobre a intenção da Igreja por trás destas figurações.

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Enormes falos, mulheres exibindo o sexo, masturbações e casais em atos eróticos surgem em muitos monumentos cristãos da Idade Média, tanto em Espanha como em Portugal. Não há consenso sobre a intenção da Igreja por trás destas figurações.

Como interpretar as figuras eróticas e obscenas nos monumentos católicos de estilo românico? “Há tantas interpretações como pessoas nesta sala”, respondeu uma historiadora de arte num encontro em Palência, Espanha. Em Portugal há pelo menos 90 “figuras luxuriosas” deste período, segundo um estudo de Joaquim Luís Costa publicado no site Medievalista, do Instituto de Estudos Medievais da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade de Lisboa.

O relato do que foi dito no curso sobre Arte e Sexualidade nos Séculos do Românico, que decorreu no mosteiro de Santa Maria la Real de Aguilar de Campo, no fim de semana passado, surgiu na edição de hoje do El Pais, acompanhado de uma galeria de fotos. Como não existem documentos de então que expliquem a razão de ser de tais esculturas, o debate fica em aberto.

É na Cantábria, na Colegiata de San Pedro de Cervatos, que se localiza o caso mais conhecido e numeroso de esculturas eróticas em monumentos católicos em Espanha. Há mais exemplos noutras regiões do país, como foi relatado. As tentativas de explicação incluem a hipótese de estas figuras representarem “aquilo que não se deve fazer”. Mas o diretor do centro de estudos da Fundación Santa María la Real refuta essa ideia: “Seria o mesmo que dar revistas pornográficas a um adolescente para lhe dizer ‘olha para isto, que é mau’.”

Era “uma representação da vida quotidiana”, defende outro professor, enquanto outros perguntam: “Seria um incitamento a procriar, numa fase de grande mortalidade infantil?”

José Luis Hernandez Garrido, da Universidade de Zamora, sugere: “Talvez as usassem como antídoto ao mal, uma espécie de para-raios contra o maligno.” Descarta a possibilidade de se tratar de travessuras dos canteiros: “Eram artesãos humildes, não tinham grande poder de decisão nos temas decorativos que vinham do bispo ou do senhor que pagava a obra.”

Alicia Miguélez, professora da Universidade de Lisboa, onde é subdiretora do Centro de Estudos Medievais, foi uma das intervenientes no curso. Explicou: “Os artistas tinham modelos que copiavam e adaptavam. Eram oficinas itinerantes nas quais normalmente havia um mestre e vários aprendizes que se iam deslocando conforme as encomendas que recebiam.”

Segundo a historiadora Paloma Moral de Calatrava, da Universidade de Murcia, a Igreja teve de encarar o facto de as freiras e os monges serem entes sexuais. As religiosas que sofriam de “sufocação uterina” devido à abstinência sexual eram autorizadas a masturbar-se ou mesmo a usar um “consolador primitivo”, que devia ser “delicado, feito de salitre, cera e agrião”. Para os homens não havia esta escapatória: “Não pode ministrar o sacramento da Eucaristia alguém que mancha as mãos com sémen, considerado impuro”, segundo a reforma gregoriana do século XII.

A arte obscena do românico em Portugal

Joaquim Luís Costa, do Centro de Estudos do Românico e do Território, de Lousada, publicou em 2014 no Medievalista um estudo pormenorizado sobreLuxúria e iconografia na escultura românica portuguesa”, onde identifica 90 exemplos no território português. Este especialista constata que a maior parte se encontra a norte do Mondego, e especifica: “Devemos reconhecer que a maioria das figurações objeto do presente levantamento foram encontradas na região minhota, levando-nos a concordar com Manuel Luís Real quando refere que nesta região portuguesa existe uma tendência para representar homens e mulheres em atitude libertina.”

As sereias constituem um terço destas figurações, e o exemplo mais evidente é o do Mosteiro de Travanca (Amarante), “pela diversidade que apresenta sobre as sereias-peixe, com feições femininas, masculinas, de cauda simples ou dupla e aprisionadas a outros seres”.

E acrescenta: “Figurações de mulheres e homens surgem com relativa frequência. No entanto, a sexualidade explícita não é visível na larga maioria dos casos, sendo uma prática contida. A maioria das representações eróticas são-no através dos significados simbólicos e não da representação plástica dos órgãos sexuais propriamente dita.”

Ainda assim, nem a Sé de Lisboa escapa a esta coleção, com uma imagem da Prostituta da Babilónia num capitel do portal principal. Homens exibicionistas ou a esconder o sexo, mulheres exibicionista ou a parir, casais ou mesmo falos estão identificados em igrejas, sobretudo no norte do país.