O QUE HÁ POR DETRÁS DA GESTÃO DE RESÍDUOS EM S MIGUEL AÇORES?

Filipe Tavares

Ao abrigo do nº 5 do artigo 16º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/99/A do regime jurídico do Conselho de ilha, participei, na qualidade de representante do Movimento “Salvar a Ilha” e da ARTAC, na reunião do Conselho de ilha de São Miguel, no sentido de sensibilizar os membros deste conselho relativamente à importância da proposta de alteração ao PEPGRA apresentada pelo PPM no Parlamento Açoriano.

INTERVENÇÃO

Caros membros do conselho de ilha de São Miguel
Esta minha intervenção é no sentido de partilhar convosco a importância da proposta de alteração ao Plano Estratégico de Prevenção e Gestão de Resíduos dos Açores – PEPGRA apresentada pelo Partido Popular Monárquico e que para a qual foi solicitado um parecer deste conselho.
Trata-se de corrigir uma situação grave, relacionada com o cumprimento daquela que é a matriz do Plano de Gestão de Resíduos. Falo da Hierarquia da gestão de resíduos, que estabelece a ordem prioritária das medidas a implementar de acordo com o seu grau de sustentabilidade.

Ou seja, o PEPGRA recomenda que é necessário primeiro atuar na:
– Prevenção, reutilização e reciclagem;
– Proceder à Valorização Orgânica por compostagem;
– Proceder à Valorização Energética por Biometanização, que consiste no aproveitamento dos resíduos orgânicos recolhidos de forma selectiva ou decorrente de processos mecânicos para a produção de biogás, uma fonte renovável de energia.

Só depois de esgotados estes processos é que se deve proceder à eliminação dos resíduos não recicláveis, por via da gaseificação ou incineração. O aterro é o último patamar desta hierarquia e julgo que todos consideramos essencial evitar.

Estamos num momento crucial no que diz respeito ao futuro da gestão de resíduos na ilha de São Miguel e nos Açores.

As situações recentes demonstram que a intenção da AMISM não foi no sentido de respeitar a Hierarquia da Gestão de Resíduos presente na legislação, não foi no sentido de impedir a eliminação de resíduos recicláveis, lembro que no último projeto da incineradora mais de 80% dos resíduos que pretendiam queimar eram recicláveis. A intenção da AMISM também não foi a de cumprir as metas da reciclagem, e isso é demonstrado através da configuração do Ecoparque e sobredimensionamento dos diversos projetos de incineração apresentados.

Após a decisão do Tribunal Administrativo de Ponta Delgada no sentido de anular o concurso público para a construção de uma incineradora em São Miguel com capacidade para queimar 77.000 toneladas de resíduos por ano, a AMISM precipitou-se com a intenção de construir outra incineradora, desta vez com capacidade para queimar 56.000 toneladas / ano.

Recentemente o Presidente da MUSAMI referiu que o novo projeto irá permitir reciclar 56% dos resíduos em 2022. Nós tivemos a oportunidade de analisar a proposta atual da MUSAMI para o Ecoparque de São Miguel e verificamos que em 2024 o projeto prevê reciclar apenas 39%. Lembro que a meta de 2025 é 55% e em 2035 é 65%.

O sobredimensionamento da central de valorização energética da ilha Terceira faz com que esta central funcione a 45% da sua capacidade, ou seja, tem uma capacidade instalada para 55.000 toneladas / ano mas queima apenas 24.000 toneladas / ano, o que significa que tem disponibilidade para receber pelo menos 31.000 toneladas / ano de refugo da ilha de São Miguel. Se Ilha Terceira pretender atingir a meta de 55% em 2025, corre o risco de encerrar a incineradora pois não terá mais do que 12.000 toneladas / ano para incinerar numa central com capacidade para 55.000 toneladas, ou seja, teria de funcionar a 21% da sua capacidade.

Em suma, a proposta que está em consideração pretende:
– Obrigar ao cumprimento da hierarquia da gestão de resíduos
– Permitir a transição para uma economia circular
– Possibilitar o cumprimento das metas comunitárias da reciclagem

É proposto que:
1- seja obrigatório maximizar todos os patamares da gestão de resíduos respeitando a hierarquia presente na legislação
2- não sejam eliminados resíduos recicláveis
3- as opções de gestão de resíduos não coloquem em causa o cumprimento das metas
4- se esgote a capacidade de eliminação actualmente instalada nos Açores (ilha terceira) antes de se partir para a construção de uma nova unidade.
5- se explore a possibilidade de envio de refugo para o exterior

Não podemos aceitar que os dirigentes da AMISM / MUSAMI continuem a afirmar que as suas opções cumprem o plano de Gestão de Resíduos dos Açores e ao mesmo tempo ouvir o Governo Regional dizer que o plano não obriga ao que estas entidades dizem estar a cumprir.

Está na hora de corrigir esta situação. Está na hora tornar o PEPGRA num plano consequente e o parecer do Conselho de Ilha de São Miguel é fundamental para que tal aconteça.

CONCLUSÃO
Foi pedido pelo Presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande que a votação fosse realizada ponto a ponto, ao invés de se votar na proposta por completo. A sugestão não foi aceite pela maioria. Reforcei que a votação “ponto a ponto” era importante, porque deste modo, e aceitando os pontos 1, 2 e 3 da proposta, seria possível favorecer o cumprimento dos princípios da economia circular e da hierarquia da gestão de resíduos presentes no PEPGRA.

O que assisti hoje na reunião do Conselho de Ilha de São Miguel foi muito esclarecedor. O voto de grande parte dos membros foi claramente irresponsável, no sentido de favorecer orientações que em nada beneficiam o futuro da população micaelense e açoriana. Lamento profundamente aquilo a que assisti! A maioria dos membros do Conselho de Ilha não foram capazes de votar favoravelmente no sentido de fazer cumprir uma lei (PEPGRA) que foi aprovada pelos próprios partidos no Parlamento. Ou seja, não pretendem que o PEPGRA, que regula a gestão de resíduos nos Açores, seja consequente. Fica a dúvida se este episódio é um sinal de instrumentalização ou ignorância?

Filipe Tavares
Em representação do Movimento Cívico “Salvar a Ilha” e da ARTAC