o PATACO por MARIA JOÃO RUIVO

Maria João Ruivo · João Pataco

 

 

“Devia estar num lar”, dizem os homens, hipocritamente preocupados com os sem-abrigo que desfeiam a cidade e incomodam as consciências.
Vendo bem, era muito mais cómodo – para ele, que teria comida, um teto e um banho, e principalmente para nós, que não teríamos de vê-lo a lembrar-nos constantemente a velhice a solidão e a miséria humana.
Mas ele não quer, não aceita que lhe imponham uma vida espartilhada entre paredes e horas. Prefere, apesar de tudo, sonhar com a sensação de que é livre e de que ninguém, a não ser ele próprio, lhe comanda o destino – seja ele vida ou morte. Esta, afinal, é mais do que certa. Prefere esperar por ela cá fora, contando pássaros e estrelas e partilhando a cidade com os outros, na falsa ilusão de uma vida normal.
Liberdade ilusória. O Pataco conta pássaros e estrelas, mas não pode entrar onde quer nem quando quer. E o aspeto? E a higiene? E as convenções?
Liberdade ilusória, porque no fundo não foi uma escolha dele. O destino tirou-lhe a vitalidade e, portanto, a possibilidade de escolher o que quer que fosse.
Ilusão de liberdade, ainda, porque nem nas coisas mais elementares há uma escolha. Come o que lhe dão, dorme no banco que estiver desocupado e anda pela cidade enquanto o sistema o permitir.

Maria João Ruivo

foto de José Franco

João Pataco“Devia estar num lar”, dizem os homens, hipocritamente preocupados com os sem-abrigo que desfeiam a cidade e incomodam as consciências.Vendo bem, era muito mais cómodo – para ele, que teria comida, um teto e um banho, e principalmente para nós, que não teríamos de vê-lo a lembrar-nos constantemente a velhice a solidão e a miséria humana.Mas ele não quer, não aceita que lhe imponham uma vida espartilhada entre paredes e horas. Prefere, apesar de tudo, sonhar com a sensação de que é livre e de que ninguém, a não ser ele próprio, lhe comanda o destino – seja ele vida ou morte. Esta, afinal, é mais do que certa. Prefere esperar por ela cá fora, contando pássaros e estrelas e partilhando a cidade com os outros, na falsa ilusão de uma vida normal.Liberdade ilusória. O Pataco conta pássaros e estrelas, mas não pode entrar onde quer nem quando quer. E o aspeto? E a higiene? E as convenções?Liberdade ilusória, porque no fundo não foi uma escolha dele. O destino tirou-lhe a vitalidade e, portanto, a possibilidade de escolher o que quer que fosse.Ilusão de liberdade, ainda, porque nem nas coisas mais elementares há uma escolha. Come o que lhe dão, dorme no banco que estiver desocupado e anda pela cidade enquanto o sistema o permitir.Maria João Ruivo