Sim, há gente à nossa espera, sempre estiveram mais ou menos à nossa espera, só que talvez os reintegracionistas não acertávamos com a apresentação e o discurso adequados. Também poderia dizer-se que todos os passos anteriores foram necessários. E deve assinalar-se como data significativa o 7 de abril de 2008. A partir desse dia há uma mudança importante na perceção da língua, especialmente em Portugal. Aquela Conferência Internacional sobre o Acordo Ortográfico foi uma espécie de parlamento da língua, em que falaram representantes mais ou menos autorizados de toda a geografia da língua, mesmo os galegos, convidados pela Assembleia da República. O Acordo Ortográfico cria o contexto, a oportunidade ou a escusa para a integração do português da Galiza. Isto já o tenho dito em muitos lugares. O maior valor do AO’90 não é a ortografia unificada, é a mudança de paradigma, algo que os velhos do restelo não conseguem perceber. O nosso acerto é vermos isto com antecedência, em 1986 e 1990. Vê-lo agora, depois de feito, já não tem tanto mérito.
A AGLP é um grupo de pessoas que decidem assumir uma responsabilidade que ninguém lhes atribuiu. A legitimação está a produzir-se a posteriori, em função das ações, do resultado. Simplesmente fazemos o que nunca iriam fazer as “autoridades competentes”.
O primeiro que insinuou publicamente (e depois disse claramente em reunião privada) o papel que os galegos podíamos ter na lusofonia, como elo de ligação privilegiado entre África, Portugal e o Brasil, foi João Craveirinha, sobrinho do conhecido escritor moçambicano, durante a sua presença em Santiago, na altura da sessão inaugural da AGLP (outubro de 2008). Ele dizia aproximadamente isso, que os galegos temos a vantagem de sermos um país pequeno (=não podemos ser ameaça para ninguém), onde nasceu a língua portuguesa (=pode atribuir-se-lhe a origem e legitimidade histórica da língua), que não tem passado colonialista (=isto facilita um diálogo fluído e em igualdade), que se situa na Europa (=associado a prestígio e margem de manobra), mas dependente politicamente da Espanha (= logo é percebido pelos africanos e facilita a empatia e a solidariedade). Tudo isto são chaves que nós, sócios da Pró e da Academia, guardamos e nunca devemos dizer em público. Percebermos os discursos não implica a necessidade de torná-los explícitos. Mais bem, sabê-lo, obriga-nos a mantermos a humildade que se nos pressupõe. O que nunca nos perdoariam é irmos com a “chulería” castelhana de “sabermos mais que ninguém”.
Por outro lado acho que Portugal tem de fazer as contas com o seu passado. Ainda hoje resulta impensável para o governo português uma política de promoção do português em África, em termos normais. E ainda uma parte das classes dirigentes de Angola e Moçambique anda à procura de retaliação pelas feridas da guerra colonial, que acabou em 1974. Tenho observado isto ocasionalmente em declarações sobre a língua portuguesa. Para exemplo só uma anedota: Contaram-nos que houve uma reunião o ano passado, convocada pela CPLP em Lisboa, da que não se produziu notícia pública, em que a maior discussão e esforço foi dedicado à procura de perífrases (eufemismos) para contentarem a certo país africano, cujos representantes não aceitavam num texto comum a todos os países da CPLP a palavra “lusofonia”. Fique entre nós.
Finalmente, o facto de a Galiza não ser um país soberano significa para mim que é preciso um esforço suplementar; que temos de abrir o caminho por que outros irão vindo depois; que a AGLP só pode ter sucesso trabalhando muito e fazendo tudo bem à primeira vez; que se falharmos ninguém nos dará uma segunda oportunidade; que não há garantia de que, finalmente, sejam outros os que tirem proveito do nosso esforço.
Fico por aqui. Grande abraço.
Ângelo Cristóvão