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Estes tratamentos são para todos os tipos de drogas?
Temos notado uma diferença substancial nos tipos de substâncias consumidas. Se, há 5 ou 6 anos atrás, eram maioritariamente as drogas clássicas que predominavam, como a cocaína ou a heroína, hoje em dia 75 a 80% dos nossos internamentos devem-se a internamentos de utentes consumidores das novas substâncias psicoactivas, as chamadas drogas sintéticas. Claro que isso alterou um pouco o paradigma do modelo de funcionamento e a nossa forma de intervir, porque são utentes que já vêm muitas vezes com comportamentos bastante diferentes daquilo que era mais usual.
Que novos desafios trouxe este consumo de drogas sintéticas?
Principalmente porque nós antes conhecíamos as drogas e sabíamos o que era a cocaína, a heroína e mesmo o haxixe. Hoje em dia, estas novas substâncias psicoactivas, além de provocarem alterações à actividade cerebral, são drogas basicamente criadas e sintetizadas em laboratório e que nunca são idênticas porque são muitas vezes elaboradas em laboratórios caseiros. O efeito que irá ter num utente será sempre diferente porque está dependente das próprias características de quem consome, da “qualidade” da substância consumida, da quantidade ou do próprio ambiente do consumo, por isso é um contexto que é sempre alterado. Para além disso, são drogas em que os consumos prolongados no tempo têm efeitos muito nefastos nas pessoas. Primeiro do que tudo, causam uma dependência psíquica enorme e o tratamento da dependência psíquica é mais difícil e, muitas vezes, são doentes que ficam com um quadro quase de doença mental grave; ideação paranóide, ataques de pânico, psicoses, alucinações e alterações de humor e isso naturalmente obriga a que o tratamento seja mais demorado e exige uma intervenção psico-farmacológica muito mais exigente.
Há casos que se tornam irreversíveis?
É uma linha muito ténue entre aquilo que é a nossa sanidade mental e a doença mental. Às vezes basta o consumo de uma substância para a qual o organismo não estava preparado, pode despoletar uma doença mental irreversível. Isso tem acontecido, infelizmente, com alguma frequência.
No caso da ilha de São Miguel, de que forma os jovens têm feito parte desta problemática? Há maiores consumos por parte dos jovens deste tipo de drogas?
Não tenho estudos e não existem quaisquer estudos na região que nos demonstrem o estado actual, agora aquilo que sabemos, através dos relatórios do SICAD, e muito concretamente de um inquérito feito ao jovens no Dia da Defesa Nacional aqui nos Açores, apesar de 2018 para 2019 ter havido uma ligeira diminuição do consumo de algumas substâncias nos últimos 12 meses, em termos gerais, de 2015 a 2019, houve um aumento de consumos nos últimos 12 meses, nos últimos 30 dias e quer mesmo o consumo diário. Embora de 2018 para 2019 tenham existido alguns sinais positivos não é o suficiente. Aquilo que notamos, relativamente às drogas sintéticas, é que não são prevalentes unicamente entre os mais jovens, apesar de muitas vezes até ter sido a sua primeira substância de consumo, o facto é que utentes de uma faixa etária mais alta, alguns deles que até não consumiam drogas há bastante tempo, “deixaram-se levar” e consumiram. Pensavam que por ser uma droga sintética não iria causar a dependência que causa.
A pandemia também terá tido alguma influência, tendo em conta que deixou de existir tanta heroína, cocaína e mesmo haxixe nas ruas? Isso poderá ter levado a que as pessoas tenham optado pelas drogas sintéticas?
Isso é verdade e o facto de as chamadas drogas clássicas não serem tão acessíveis fez com que eventualmente, e não posso dizê-lo com certeza, tenham sido criados mais laboratórios artesanais e alguns até já foram desmantelados pelas autoridades. Este tipo de droga também chega mais facilmente a casa das pessoas e basta uma pesquisa na internet para mandar vir como forma de sais de banho ou fertilizantes para plantas. Há depois um outro problema que é o facto de estamos a falar de dezenas de milhares de substâncias sendo que muitas delas não consideradas proibidas. Nisso os traficantes e os laboratórios estão sempre muito à nossa frente e basta mudarem uma pequena molécula numa substancia para criar uma nova. Mesmo quando há uma apreensão ou uma rusga, as forças policiais quando testam a substância ela não é considerada proibida o que torna tudo ainda mais difícil.
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CORREIODOSACORES.PT
75 a 80% dos nossos internamentos são de consumidores de drogas sintéticas quando há uns anos atrás eram de drogas clássicas
De que é que falamos exactamente quando falamos de um internamento e de um tratamento de um toxicodependente? Os tratamentos hoje em dia nada tem nada a ver com o que eram há 20, 30 ou 40 anos atrás. Felizmente, devido ao avanço da terapêutica medicamentosa e de algumas técnicas de intervenç….