o juiz talibã

Miguel Rm
Just now ·
Um juiz desembargador pode ignorar a constituição?

O caso do juiz do Tribunal da Relação do Porto que, recorrendo na sua argumentação abusivamente à Biblia e ao Código Penal de 1886, resolveu confirmar a atenuação das penas de dois energúmenos acusados de violência doméstica suscita-me algumas reflexões:
1 – Então o artigo da constituição que proíbe a discriminação em função do sexo não se aplica neste caso em que o juiz destaca o adultério “da mulher” enquanto facto de “legítima” perturbação dos machos em causa? Se o acórdão falasse em adultério em termos gerais, eu poderia não concordar, mas a opinião do juiz seria legitima à luz da constituição.
2 – O adultério deixou de ser crime ou delito e o juiz não pode ignorar a lei.
3 – A ideia de que a honra de um homem está relacionada com o comportamento moral da sua mulher só pode fazer sentido numa sociedade em que as mulheres vivem “sob tutela” de um homem. Ora, em Portugal, com o Código Civil de 1977, desapareceu a figura jurídica do chefe de família. A argumentação histórica do juiz equivale a dizer que o racismo seria desculpável porque durante séculos foi legitima a escravatura. Até na Bíblia, já agora.
4 – A verdadeira razão pela qual o Conselho Superior da Magistratura não quer agir é o corporativismo dos juízes e magistrados. Ente nós a ideia da separação de poderes continua a ser encarada como uma espécie de carta branca para os magistrados fazerem “o que querem”, e não como uma regra para o bom funcionamento das instituições. O CSM tem a obrigação de não permitir que um dos seus ignore a constituição e a lei.
5 – Por último, mas não menos importante, talvez valha a pena salientar que termos retirado da nossa legislação qualquer sinal da primazia do macho sobre a fêmea beneficia-nos a todos. Não me parece que, à luz dos valores de hoje, haja qualquer lógica em atribuir aos homens responsabilidades superiores às das mulheres, seja em que domínio for. Conheço alguns homens da minha idade que envelheceram na convicção que eram apenas o “burro lá de casa que paga as contas”. Parece-lhes um destino humanamente interessante?