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Eis que, finalmente, uma figura de primeira linha dos nossos órgãos regionais ganha coragem para denunciar o que os políticos escondem há vários anos.
O Presidente da Assembleia Legislativa Regional, Luís Garcia, alertou, na ilha das Flores, há poucos dias, que a Autonomia regional “tem falhado” na concretização da coesão entre as ilhas do arquipélago, havendo que encontrar “caminhos e soluções” para resolver o problema.
Gabo-lhe a coragem Sr. Presidente, mas presumo que já venha tarde para este debate, sempre recusado pelos líderes políticos desta região e que já devia ter sido promovido há muitos anos.
Primeiro foi o “desenvolvimento harmónico” e, depois, as “Ilhas de Coesão”, tudo projectos malogrados dos sucessivos governos regionais e dos respectivos partidos.
É um falhanço que se arrasta há décadas e que, agora, se degradou com a própria degradação dos partidos políticos e o descrédito que se apoderou no eleitorado das ilhas mais atingidas por este rotundo fiasco.
Quando um parlamento e as respectivas forças políticas lá representadas não conseguem pôr de pé uma Reforma da Autonomia, como é que podemos acreditar nos partidos e na construção de uma política de coesão nesta Região?
Quando os partidos políticos se apoderam do processo autonómico como uma conquista apenas deles, ignorando os cidadãos e a participação cívica há muito reclamada, com representação nos órgãos próprios de governo da Região, como é que as populações das esquecidas “Ilhas de Coesão” hão-de acreditar neste debate?
Passados todos estes anos temos um parlamento que nem consegue construir uma proposta de reforma, em que os cidadãos independentes se sintam representados e os eleitores tenham a oportunidade de eleger directamente os seus representantes.
Esta incapacidade tem levado ao afastamento cada vez mais crescente dos cidadãos na participação dos actos eleitorais e no debate cívico, com os partidos a capturarem a Autonomia e todo o sistema representativo como se fossem donos da nossa consciência.
Esta é uma das maiores lacunas da nossa Autonomia, agravada pelo falhanço da tal coesão regional e pela falta de equilíbrio nos investimentos públicos entre as várias ilhas.
Quando a população de uma ilha não consegue ter acesso atempado a um médico especialista, como vai acreditar na coesão?
Quando uma população tem que se deslocar a outra ilha, em condições severas, para nascer um filho, é isto coesão?
Mesmo aqui ao lado, em Santa Maria, como é que as populações podem acreditar na coesão se nem transporte marítimo em condições possuem, todo o ano, para exportar os seus bens ou passageiros para a ilha mais próxima?
Não faltaram os avisos para este falhanço.
Em Junho de 2011 (mais de uma década) escrevi então: “…o modelo que desenvolvemos ao longo destes anos falhou redondamente em relação às ilhas mais pequenas. Continuamos hoje com os mesmos tiques centralistas das três capitais de distrito, ignorando as restantes ilhas. Vamos fazendo por cá o que criticamos no Terreiro do Paço. Temos assim, nos dias de hoje, três ilhas e o resto chamam-lhes “coesão”. Resultado: seis ilhas entraram em descrença quanto ao seu futuro. Não há grandes investimentos, não se aposta nas pessoas, ignora-se a produção local, dificultam-se as acessibilidades, incentiva-se a importação, promete-se betão e esquece-se a Educação. Não surpreende, pois, a desertificação”.
E os avisos continuavam: “… A tripolaridade política ganhou dimensão a partir do momento em que, até nos confins das Fajãs de S. Jorge, sentiu-se que ela iria radiar mais desenvolvimento para as ilhas mais pequenas. Só que este modelo político fechou-se demasiado nas suas capelinhas das três capitais de distrito e, hoje, o tão propalado desenvolvimento harmónico não passa de uma miragem nas “ilhas de coesão”.”
Perdemos tanto tempo para reflectir sobre isto e em vez do parlamento disponibilizar milhões para criação de assessores, secretárias e conselheiros, devia ter olhado para outras prioridades, como esta da Coesão, em que as populações vêem uns a tratarem-se bem e outros a serem tratados com desprezo e esquecimento.
Vou concluir como concluí em 2011: “Cada ilha de coesão é uma potencialidade acrescida no nosso modelo autonómico. Deixar morrer o espírito empreendedor de cada uma delas, castigadas só por ficarem longe da centralidade regional, é um crime histórico que nenhum político gostará de subscrever na caminhada autonómica da era democrática. No meio de tantos desafios, devíamos dar mais atenção a este: voltarmos a ser 9 ilhas!”.
Desconfio que já vamos tarde.
(Osvaldo Cabral – Diário dos Açores de 19.10.2022)
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