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É preciso que tudo mude p’ra que tudo fique igual.
I. Em 2019 a indústria de cruzeiros transportou cerca de 30 milhões de passageiros. Era uma indústria de 130 mil milhões de euros que empregava mais de um milhão de pessoas. Ao fim de pouco mais de meio ano, o cenário é bem diferente devido à pandemia. Os cruzeiros desapareceram lentamente dos mares.
Nas docas de Aluaga, na Turquia, as gigantescas embarcações empilham-se à espera de serem desmanteladas para sucata.
A construção destas embarcações pode custar entre 500 milhões a mil milhões e elas podem durar cerca de 40 anos. A sucata é uma alternativa pouco lucrativa. Cada navio demora cerca de seis meses a desmantelar e estima-se que pode render apenas quatro milhões.
O turismo dos navios-cruzeiro cresceu de tal forma que representava, no ano passado, uma das principais fontes de poluição. Nas contas da Federação Europeia de Transporte e Ambiente, só as embarcações do maior operador turístico poluiam 10 vezes mais do que todos os 260 milhões de automóveis da Europa.
Em entrevista sobre o assunto, o Presidente da Zero explicou que “o maior problema associado aos navios de cruzeiro e principalmente ao tráfego aéreo são as partículas ultrafinas e que sao particularmente graves em termos de impacte na saúde, dada a sua pequeníssima dimensão – que leva a que os compostos que transportam entrem muito facilmente no organismo através do sistema respiratório”
Pedro Santos, da Quercus, reiterou que o aumento das emissões associadas aos cruzeiros está relacionada com dois fatores principais: “Desde logo o grande aumento do tráfego de cruzeiros que se verificou nos últimos anos. Adicionalmente, o facto de os limites de emissões para os navios serem muito alargados torna urgente a sua revisão para limites mais apertados”. Os dois aspetos conjugados provocaram um aumento recorde da poluição proveniente dos navios de cruzeiro. E não tem dúvidas quando afirma que “é urgente a revisão dos limites de emissão para este tipo de transportes”. Acrescentou ainda que o enquadramento legal atual é extremamente permissivo, quer nos níveis de emissão quer no que diz respeito à imposição de uma transição energética nos cruzeiros e navios, pelo que “é imperioso que o transporte marítimo não se estabeleça como um reduto intocável no que diz respeito à transição energética para fontes de energia renováveis, onde, os ganhos de escala deste transporte fazem das células de hidrogénio e/ou células de amónia fontes de energia de excelência”.
Na Islândia foram tomadas medidas radicais com vista a proteger a paisagem nacional, em particular os glaciares. O governo islandês anunciou que a partir de 1 de janeiro de 2020 o uso de fuelóleo em águas territoriais vai ser proibido. A Islândia torna-se assim no primeiro país a impor este tipo de restrições ao turismo, admitindo para já a entrada de navios que tenham um sistema de purificação para reduzir a libertação de dióxido de enxofre.
De acordo com o ministro do Ambiente da Islândia, Gudmundur Ingi Gudbrandsson, as embarcações “podem usar petróleo até outras fontes de energia passarem a ser usadas”.
A partir de janeiro, o teor de enxofre dos combustíveis navais não vai poder exceder 0,1%. Atualmente está nos 3,5%.
II. Pelo menos 6,7 milhões de mortes ocorridas no mundo em 2019 decorreram da exposição de longo prazo à poluição do ar, fator que aumenta o risco de derrames, ataques cardíacos, diabetes, cancro do pulmão e outras doenças pulmonares crónicas. A poluição do ar é agora a quarta maior causa de morte em todo o mundo, logo abaixo do tabagismo e má nutrição. No conjunto, as diferentes formas de poluição atmosférica foram responsáveis por mais de uma em cada nove mortes em todo o mundo no ano passado.
O Relatório anual sobre o Estado do Ar Global
incuiu, pela primeira vez, uma análise do impacto da poluição atmosférica por partículas na saúde de recém-nascidos em todo o mundo, concluindo que este factor contribuiu para 20% das mortes de recém nascidos, ou seja, meio milhão de bebés, a maioria das quais relacionada com complicações de baixo peso à nascença e parto prematuro.
Em Portugal a poluição do ar causa cerca de seis mil mortes por ano, agrava problemas respiratórios e cardiovasculares, é responsável por dias de trabalho perdidos e contribui para elevados custos de saúde com grupos vulneráveis como crianças, asmáticos e idosos. (Relatório da Agência Portuguesa do Ambiente). Nos dados sobre a poluição das micropartículas conhecidas como PM2.5, Portugal surge com o registo de 2090 mortes no ano passado.
III. A redução da atividade económica e da mobilidade das pessoas por causa da pandemia da covid-19 reduziu de forma drástica as emissões de dióxido de azoto, que em Lisboa chegaram aos 80% e nalguns locais do Porto aos 60%.
Os cientistas defendem ainda que a pandemia da covid reforçou o valor do ar puro.
Vários estudo, publicados este ano, alertam que a poluição contribui para uma maior letalidade por covid-19.
Uma das zonas de maior interesse é a da Lombardia e Emília Romagna, onde houve mais letalidade associada à covid-19 na Europa e que também é por coincidência, ou não, uma das zonas mais poluídas da Europa. Um estudo, realizado em Itália, mostra que quando uma pessoa passa 100 dias num local com altos níveis de poluição, o risco de apresentar positivo para a covid-19 é três vezes superior. Nos Estados Unidos os investigadores também encontraram associação entre a maior poluição e a sintomatologia da covid-19. Neste caso, em termos de letalidade.
Um dos principais poluentes apontados são as PM 2.5 (matéria particulada numa escala inferior a 2.5 micrómetros). Um aumento de apenas 1 micrograma por metro cúbico, uma coisa muito ínfima na concentração geral de partículas PM 2.5 no ar, está associado a um aumento de 8% na taxa de letalidade de covid-19. Estes resultados são significativos e indicam uma associação entre poluição do ar e a covid-19.
Em entrevista ao Expresso, João Rufo, investigador do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, explica que as PM 2.5 estão associadas à irritação das vias aéreas, quer em pacientes com covid-19 mas também em indivíduos com asma que têm menos facilidade em controlar os sintomas; “por outro lado, temos o facto de estas partículas, estas poeiras, poderem ajudar a transportar aerossóis. Vemos isto com os esporos dos fungos, com as endotoxinas das bactérias e é possível, colocamos aqui a hipótese, que também possam transportar moléculas do vírus. Estas duas razões podem justificar a associação entre as PM 2.5 e o aumento na letalidade da covid-19.”
IV. Nos Açores aguarda-se o momento da retoma do turismo e da economia mas será que queremos voltar ao mesmo? Fará sentido apostar em actividades que contribuem para o aquecimento global, tal como os navios cruzeiro, ou deveremos aproveitar esta pausa para pensar uma transição ecológica que envolva todos os sectores da sociedade?
Numa região que se quer afirmar como “Sustentável” o ambiente não deverá ser negociável. Um crescimento mais lento e mais sustentado poderá significar um jackpot a longo prazo.
Fontes:
Agência Lusa
Expresso
Observador
Público
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