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OPINIÃO
O Bulcão pariu um Neto
Felizmente resido numa das ilhas pacatas, só vos digo, graças a Deus Nosso Senhor e ao Divino Espírito Santo.
Quando vi, aterrado, a recente reportagem do “Linha da Frente” sobre a infernal ilha de Jesus, tomei de imediato duas decisões: não voltarei a pôr os pés na Terceira, aparentemente também conhecida como o Bronx no final dos anos 70; e nunca mais desprezarei uma estatística.
Atente-se: o meu vizinho do lado jantou lagosta ontem. O que significa que, em média, ambos degustámos meia rainha do marisco.
O que me deixa feliz, agora que aprendi a valorizar a ciência estatística. De barriga vazia, mas contentinho ao menos.
Pois não é que ainda me encontrava a recuperar da transmissão televisiva das Sanjoaninas (tanta marcha a desfilar só foi certamente possível graças ao consumo massivo das drogas sintéticas que os terceirenses cozinham em casa, ai gaitadaria), quando logo nova polémica estalou com o estrondo de mil foguetes.
O escritor Joel Neto acusa o chefe de gabinete da Secretária Regional da Educação e Assuntos Culturais de “ciberbullying”!
E depois digam que este país está atrasado na transição digital.
Citando o autor de “O Velho que Lia Romances de Amor”, perdão, “O Citroen que Escrevia Novelas Mexicanas”, na queixa apresentada, estereceia (sic) “Pela sua segurança e da sua família devido ao ódio que todas as mensagens enviadas evidenciam, e pelo acesso que o Chefe de Gabinete da Secretária da Educação tem a meios de agressão física”.
Ó diabo, tu queres ver que é por isso que há tamanho atraso nos apoios culturais da Região? Terão os 800 mil euros do RJAAC sido canalizados para uma força oculta de ninjas da DRAC, treinados secretamente na Mata da Serreta, e capazes de assassinar pela calada da noite nas vielas da Terra Chã?!
Sustenho a respiração enquanto Neto acrescenta: “Não se pode excluir a possibilidade de António Bulcão estar a referir-se, antes, ao uso da máquina do Estado, a que tem acesso enquanto membro de primeira linha da equipa que acompanha o Governo Regional, para me atingir.”
Ou isto é uma surrealista (e entretidíssima) combinação de ambos, afinal velhos amigos, antigos aluno e professor, um autor de livros e outro músico que tocou graciosamente nesses lançamentos, ou os criadores de “Rabo de Peixe” têm aqui muito onde se inspirar.
Joel é, isso ninguém lhe tira, um indivíduo fascinante e plural, a quem ninguém poderá jamais cercear a liberdade:
no passado próximo do PSD, hoje roedor dos seus calcanhares;
relator das supimpas maravilhas da Marca Açores, contudo e em simultâneo o Émile Zola da sua desgraçada Jénifer princesa de França;
escritor musculado com um Instagram a reluzir de fotos no ginásio todavia também macho frágil, atemorizado com as mensagens desagradáveis de um sexagenário;
capaz de encher centros culturais com centenas de pessoas, assim garantindo uma tarde refrescante aos alunos das escolas convidadas a preencher essas plateias – mas nem sequer mencionando as agremiações escolares nos seus posts alusivos à sala cheia (certamente por pudor);
ex-crítico corrosivo de televisão, contudo protagonista de “Novo Normal”, um conteúdo que semana após semana origina o seguinte padrão de comentários online:
“Olá Açores desde Ontario”, “Viva Açores, abraços de New Bedford” e “Que merda é esta?”.
Termina o multifacetado autor, na supracitada queixa, tão difundida nos meios regionais e nacionais: “É difícil aceitar que os Açores sejam a região onde um Governo pode recorrer a tais métodos de coação”. Concordo. É difícil. Talvez mesmo impossível.
Lamentavelmente, o Chefe de Gabinete demitiu-se no dia seguinte… Uma pena. Mais uns dias e, calcula-se, o “Linha da Frente” voltava a aterrar na ilha, desta vez com coletes à prova de bala.
Bem, ao menos devem ter-se vendido mais uns livritos. É esperar pelas estatísticas.
- FIGUEIRÃO DE CIPRIEDO
in, Diário Insular, 21 de Julho / 2023
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Carmen Ventura
Um texto muito bem escrito e com um humor delicioso
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