O “BATALHÃO SILENCIOSO”

O “BATALHÃO SILENCIOSO”
Andamos todos preocupados com a inflação e as crises políticas, que nem damos conta da onda gigantesca do consumo de drogas que está assolar a nossa sociedade.
Quem está longe deste drama, felizmente, não faz a mínima ideia da quantidade de famílias destroçadas que estão a enfrentar, no silêncio, a luta pela vida de filhos e netos.
Um padre amigo, que lida todos os dias com este drama, apoiando dezenas de famílias na sua paróquia, chama de “batalhão silencioso” os milhares de pais e mães que têm vergonha, compreensivelmente, de expor publicamente o calvário por que estão a passar.
A impotência de tantas famílias para travar esta dor é de tal ordem que muitas vão desistindo, preferindo enfrentar uma vida arruinada com toda a miséria social que isto envolve.
As drogas sintéticas, muitas não criminalizadas, andam de mão em mão, ao desbarato, nas nossas ilhas, provocando uma dependência e doenças associadas, muitas irrecuperáveis.
Quem lida com a análise laboratorial destas novas substâncias afirma que até já encontrou veneno de insectos misturado no produto para consumo.
É difícil compreender como é que numa terra tão pequena como a nossa, onde toda a gente se conhece, o tráfico e o consumo estejam numa espécie de descontrolo, mesmo por baixo do nosso nariz.
Já não bastava varrermos para debaixo do tapete o flagelo da pobreza, julgando que, escondendo o fenómeno, ele desaparece. Agora, convivemos com mais este sofrimento olhando para o lado, como se não fosse nada connosco, até um dia bater à porta.
É de um profundo egoísmo assistirmos à desgraça dos nossos vizinhos e não fazer nada para ajudar a atenuar a profunda dor que vai em tanta gente.
Nem que seja pressionando os responsáveis políticos para arregimentar mais recursos e melhor organização nos programas de combate e prevenção contra este tormento.
Os dados do SICAD colocam os Açores acima da média do país, tanto no consumo ao longo da vida (17,3% contra 15% a nível nacional), como no consumo nos últimos 12 meses (15,2% contra 13,5% a nível nacional), pelo que as campainhas de alarme social em todos os gabinetes do Poder já deviam estar a disparar há muito tempo para esta prioridade.
É preciso criar um programa robusto para enfrentar esta onda imparável, mobilizar todos os meios que tivermos ao nosso alcance e ajudar os milhares de jovens e o “batalhão silencioso” que anda à nossa volta.
Ultimamente temos recebido na nossa caixa de correio inúmeros apelos de pais desesperados, perante a impotência contra o assalto devastador que os traficantes estão a fazer nas nossas ilhas.
Transcrevo a seguir, sem mais palavras, apenas uma das muitas cartas de um destes pais do “batalhão silencioso”:
“Escrevo-lhe (…) porque me preocupa tanto quanto a qualquer cidadão de bem, o ritmo desenfreado a que a oferta de estupefacientes avança (nomeadamente nas escolas, onde tenho dois filhos que, como 90% do universo escolar, consome drogas, esperando eu que apenas leves), gostava que acedesse ao meu repto e investisse um quarto de hora do seu tempo a ver uma reportagem sobre uma droga chamada Fentanil, que nos Estados Unidos já destrói tudo e todos, e que tal como qualquer movimento de rotação pandémico, estará mais dia menos dia a bater-nos à porta. Sabemos que a apetência dos ilhéus para o consumo de drogas é um fenómeno à escala mundial, sabemos que as drogas sintéticas nos assaltaram sem complacência, apanhando todos desprevenidos, e sabemos que as autoridades não têm demonstrado eficácia a antecipar cenários catastróficos, apenas e quando muito a fazer (mal!) gestão dos seus danos. Pelo consumo e delinquência de uma parte, todos sofrem as avassaladoras consequências, como bem sabemos. Talvez concordando alertar por via do Diário dos Açores para o que está a caminho, possamos criar condições para uma abordagem preventiva, ao invés de paliativa, colocando todos em sentido para uma ameaça que é real.
Peço-lho pelos meus, mas, e sobretudo, por toda uma nova geração que vejo cada vez mais à deriva.
(A nova substância chama-se Fentanil, o assassino silencioso na América do Norte).”
Osvaldo Cabral
Março 2023
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