O ASSOCIADO DA AICL E MEMBRO DA ABL EVANILDO BECHARA REAGE

ABL reage às críticas ao acordo

Para imortal da Academia, adiamento da obrigatoriedade da reforma ortográfica é “lamentável” e protestos, “inconsistentes”

Por Evanildo Bechara

 

 

Volta e meia aparecem críticas – quase sempre tolas ou mal argumentadas – ao acordo ortográfico de 1990. Agora que um inócuo e lamentável decreto, assinado em 27 de dezembro, prorroga até o fim de 2015 o prazo da transição de suas bases no Brasil, acreditamos que aproveitem esses críticos o intervalo para, estudando-as melhor, não lancem tantas injúrias desconexas a um texto preso a uma tradição mais que centenária.
A lei ortográfica traz a chancela do que de melhor em ciência uma legião de autoridades em filologia portuguesa nos legou de há muito. Eles dotaram nossa língua de um sistema ortográfico convencional tão perfeito quanto possível, diminuindo as dificuldades que a tarefa oferece para harmonizar a história e a pronúncia com a norma escrita.
Para muitas línguas, como inglês e francês – e, em certa medida, podemos incluir o português lusitano – lembrou Ferdinand de Saussure que a ortografia é mais um disfarce do que uma vestimenta. Esta filiação histórica do acordo devem os críticos levá-la em conta em primeiro lugar: ele não é produto isolado dos princípios formulados por uma plêiade de notáveis que, desde 1885 e, em 1904, com a Ortografia Nacional, de Aniceto dos Reis Gonçalves Viana, lançou os fundamentos de um sistema gráfico, científico e racional, que transmitiu à reforma de 1911 e aos acordos de 1943 e 1945 os fundamentos deste tão injuriado texto que agora defendemos.
Os autores desta façanha linguística e pedagógica têm sido inúmeros, entre os quais, além de Viana, Carolina Michaëlis de Vasconcelos, José Leite de Vasconcelos, Gonçalves Guimarães, Ribeiro de Vasconcelos, Rebelo Gonçalves, Sousa da Silveira, Daltro Santos, José de Sá Nunes e Antônio Houaiss, os quatro últimos brasileiros.
Ainda que o novo sistema penda mais para o lusitano de 1945 do que para o brasileiro de 1943, e por isso teremos de alterar mais que eles, o Brasil não mediu esforços em implementar as novas regras, por todas as razões pedagógicas, culturais, políticas e de prestígio internacional de que se reveste este esforço para alcançarmos, todos, a unidade essencial da língua portuguesa, nesta área.

 

Má interpretação alimenta protesto português
Leitura duvidosa de artigo do acordo estimula desconfiança lusitana com a reforma, escreve Bechara

Das críticas à 5ª edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, com o qual a ABL começou a implementar o acordo de 1990, a principal foi que o Volp aplica normas não contempladas no texto da lei. 
Essas normas, no entanto, estavam presentes ou dentro do espírito que orientou as novas normas, ou de hábitos tradicionais, correntes em Portugal ou no Brasil, existentes nos sistemas de 1943 ou 1945, vigentes na tradição ortográfica e refletidas nos melhores dicionários.
A primeira desarrazoada censura entre portugueses consiste na denúncia de que a ABL não poderia encetar esta tarefa sem que antes os sete signatários representantes de seus governos não compusessem um vocabulário ortográfico comum, previsto no artigo 2º do texto oficial.

 

“Artigo 2.º – Os Estados signatários tomarão, através das instituições e órgãos competentes, as providências necessárias com vista à elaboração, até 1.º de janeiro de 1993, de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas.”

 

Defender a tese segundo a qual não cabe levar em conta a restrição final do artigo é lançar cruelmente aos redatores a pecha de escritores bisonhos. Todo o texto traz elementos indiscutíveis de que esse entendimento não cabe.
O artigo 2º se refere a vocabulário diferente daquele preocupado com a linguagem primária, cujo acervo lexical é constituído de vocábulos plurívocos, polissêmicos e estruturáveis. Na realidade, refere-se a vocabulário comum de termos de natureza técnica e científica, cujos integrantes são unívocos e refratáveis à estruturação.
O início do artigo, por sua vez, não se refere a “técnicos” de linguagem que, pela vida fora, têm composto as bases normativas e os vocabulários acadêmicos em Portugal e no Brasil; refere-se a “instituições e órgãos competentes” de natureza técnica e científica, convocados para a tarefa de aproximar os termos técnicos e científicos correntes em tão largo espaço geográfico e cultural da língua. (E.B.)