o admirável mundo de 1984 existe hoje e aqui (crónica de 2007)

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Inspirado na opressão dos regimes totalitários das décadas de 1930 e 1940, o livro de Orwell critica o estalinismo e o nazismo e a nivelação da sociedade, tal como pretendem fazer em Portugal depois do 25 de abril. Uma redução do indivíduo a peça para servir o estado ou o mercado através do controlo total, incluindo o pensamento e a redução do idioma. Tudo isto acontece já e só vai piorar. O Big Brother está nas nossas vidas e aceitamo-lo sem pruridos. Sabe o que fazemos através dos cartões de crédito e débito, do cartão de cidadão, da passagem pelas portagens duma autoestrada, pelo Metro e seu “Cartão Andante”, pelas câmaras nos centros comerciais e em toda a parte. Não se admirem se qualquer dia com a nossa inconformidade e individualismo pudermos ser privados da pseudoliberdade por não termos cumprido as normas de higiene e de saúde que “eles” determinaram obrigatórias. Já não há espaço para seres pensantes e questionadores. Só espero que isto não acelere demasiado para os anos de vida que ainda tenho. Não se preocupem demasiado pois sou assim e esta fobia excessiva que tenho contra as bases de dados, é um sinal evidente da minha hipocondria e da necessidade absoluta que existe de me internarem como um perigo que sou para a sociedade uniforme e cinzenta que me querem impor. Ah! Se eu ao menos tivesse cá a cicuta, repetia-se o destino.

Parecia que o mundo real lá fora estava a conspirar contra mim, e estava, mas a maior parte das pessoas nem se apercebia e vivia tranquila na morrinha da lufa diária pela sobrevivência, que a mais não podiam aspirar. … Também isto constava das previsões de George Orwell[1]. Adquiri rapidamente pés de galinha, os cabelos e pelos eriçaram-se como se tivesse visto um fantasma, isto, claro está, no caso de existirem. Comecei a olhar por sobre o ombro à cata de alguém que me espiolhe ou esquadrinhe as ideias, tão diversas do pensamento “aprovado e oficial”. Não me apetecia ser vaporizado pois tinha um legado que queria imune à ação de um qualquer ministério da verdade.

A privacidade de há 10, 20 anos ou mais, seria impensável hoje. Tudo em nome da defesa dos valores sagrados da civilização ocidental. Da luta contra o terrorismo. Doutra qualquer peleja que os líderes hão de inventar. Como as armas químicas que o velhaco genocida do Saddam Hussein afinal não tinha. O mesmo que os EUA forjaram com Bin Laden. Desde há um século que “inventam” personalidades destas para fazerem o que lhes convém, lembremo-nos do Xá da Pérsia, ou do Panamá e de mais umas centenas de golpes falhados e aqueles que fizeram ricochete…

[1] (n. Eric Arthur Blair, Bengala, 1903-1950

 

10.12. DO ENSINO AO JORNALISMO, CRIAMOS UMA MASSA CINZENTA DE CARNEIROS AMESTRADOS crónica 47 novembro 2007

É importante, e (se bem que ninguém me leia e ninguém me ouça) há muito que ando a dizer nos labirintos esconsos das minhas conversas: o ensino em Portugal (tal como a democracia) segue o rumo globalizado de privatização. No futuro, haverá acesso universal ao ensino, mas de má qualidade e sem grande futuro. A alternativa será o ensino privado, levando algumas pessoas a engrenagens de dívidas perenes e endividamento, sem hipótese de saírem desse círculo vicioso. Entretanto, as elites com poder de compra irão optar por escolas privadas, donde sairão os futuros dirigentes da nação que optem por não ir para o estrangeiro.

Ter-se-á assim um país, e o mundo, a duas velocidades. A das massas, o antigo proletariado, com melhores condições que no tempo da ditadura, ostentando títulos académicos sem que isso represente emprego ou profissão duradoura. A das elites (à semelhança dos tempos da outra senhora) terá o privilégio de nomear os eleitos para todos os níveis de chefia a partir do intermédio. Mas não se iludam, não é só cá, é em todo o mundo ocidental. Agora com a passagem de todos os alunos, vai Portugal finalmente baixar o coeficiente de iletrados, mas ao contrário do que muitos pensam, não vai deixar de os ter, o que vai ter é analfabetos com diplomas. Nada disto é à toa, nem por uma questão de birra. Já acontece nos EUA, na Austrália e no Reino Unido, onde há escolas secundárias que custam tanto ou mais que universidades privadas…

Teremos um país dos que têm e dos que não têm. Ninguém se preocupa com desempregados vitalícios que começaram a surgir (no fim da década de 80 na Austrália e agora em Portugal). Ninguém perde o sono ou o apetite, pelos sem-abrigo, que se propagam nas ruas das cidades esvaziadas de Humanidade, autênticos desertos à noite. Isto enquanto o camartelo municipal não chega para demolir as casas que irão ser “gentrificadas” para condóminos de luxo. Os subúrbios da gente do povo e classes menos abastadas passam a áreas VIP. O interior desertificado e abandonado do Portugal pequenino será a coutada de férias de ricos e poderosos.

Decidi não mais comprar a habitual dose de livros de ficção. A realidade não para de se exceder e tornar-se mais inverosímil que a própria ficção. No pequeno jardim à beira-mar plantado, as liberdadezinhas são ameaçadas e cidadania é sinónimo de coragem. Há uma crise de instituições que ninguém ousa negar. A própria democracia do 25 de abril resvalou para a demagogia. Os representantes eleitos estão, sem ideias e sem horizontes, que não sejam os dos benefícios pessoais e dos mais próximos colaboradores. Esta teia intrincada de corrupção e nepotismo coloca em causa a democracia.

Os ataques à liberdade começaram há muito com a autocensura, imposta pelos poderes económicos que dominam os meios de comunicação. Depois, seguindo um processo, a nível mundial, centrado no politicamente correto, assiste-se à criação artificial do ser imperfeito: agora é o fumador, daqui a uns tempos serão os obesos e depois os carnívoros…. Tudo isso será tão grave como não pagar impostos. As represálias irão fazer-se sentir sobre os que exercem um mero ato de cidadania. Os jornalistas não ousam criticar ninguém a menos que “mandados”. Já não há espírito de missão nem a profissão pode ser levada a sério. Portugal nunca foi um país de “jornalismo de investigação” e agora ainda menos. A sociedade civil não se pronuncia e os jornalistas raramente o fazem. Os que querem ser esclarecidos contentam-se com o mundo “underground” dos blogues. O progresso tecnológico galopante, nas últimas décadas, permitiu a todos um acesso alargado à informação, mas as pessoas estão menos informadas. Vive-se a miragem de uma multiplicidade de jornais e de canais. Os telejornais são decalcados uns dos outros, apenas os apresentadores e a ordem das notícias muda.

Os grandes grupos económicos que dominam os meios de comunicação (e os meios livreiros nacionais) promovem um cartel monopolizador da “verdade”, onde a independência e isenção são palavras vãs que se arriscam – em qualquer momento – a serem trucidadas. Os assalariados (leia-se jornalistas) se bem que hipoteticamente livres para escreverem sobre qualquer assunto, de qualquer forma ou feitio, só serão publicados se o conteúdo for conveniente aos interesses dos donos (leia-se patrões). Este tipo de censura é a pior. Cresceu incomensuravelmente nas últimas décadas e já me preocupava em meados de 80 na Austrália. É quase invisível. Mais brutal que o velho sistema do “lápis azul” do SNI que eliminou 64 das 100 páginas do meu primeiro livro de poesia em 1972 (Crónica do Quotidiano Inútil) para ficar elegantemente reduzido a 32.

Agora, o quarto poder, a imprensa escrita e audiovisual, na sequência do célebre caso Watergate na década de 1960, deixou de funcionar em prol das liberdades e direitos dos cidadãos. Já não faz denúncias. Antes pactua e se esconde sob a ameaça velada das restritas leis que obrigam um jornalista a fornecer as fontes sob pena de ir para a cadeia ou pagar indemnizações milionárias. Os grandes grupos gabam-se de conseguirem eleger governos e presidentes e quando não o conseguem vale sempre a ajudinha duma batota. E o voto eletrónico pode ser manipulado por quem instala o software… Ninguém sabe quantas guerras e milhares de mortos por causa de tais eleições. Em simultâneo, os grupos económicos que os apoiavam aumentaram desmesuradamente a influência, poder e lucros. Nem só de petróleo vive a administração dos EUA.

Aqui vos deixo um alerta para a necessidade de acordarem. Todos. Mesmo os que têm a consciência escondida ou pesada pelas atoardas com que diariamente vos metralham na comunicação social. É preciso haver jornalistas. Daqueles que nunca se calam nem se vergam ao peso do que é conveniente ou não dizer, sem olhar a atenuantes ou consequências. Têm – agora, mais do que nunca – que ser arautos dos que não têm voz. Cada vez é maior o número dos desprovidos. Têm de ter uma probidade e ética inultrapassável para afrontar tudo e todos, sem encolher os ombros cómodos, tal como os antepassados fizeram. Assim surgiu o deflagrar da 2ª Grande Guerra. Hoje já não há debates, mas fachadas de pretensa discussão, veículos de propaganda governamental da democracia “guiada”. Este cinzentismo acéfalo e monocórdico da comunicação social foi enriquecido pelo aparecimento dessa droga legal chamada “imprensa cor-de-rosa”. É soporífera e causa danos irreversíveis à mente humana. Nenhum governo se atreve a legislá-la, proibi-la ou sancioná-la. Pelo contrário, encontram nela um valioso aliado na luta obscurantista em que estão empenhados, para que o povo pense que está a ser governado enquanto eles se governam. Resta o mundo dos blogues para se saber o que é deveras importante.

Quando os políticos falam não são eles, mas as agências de comunicação e os grandes grupos que os sustentam. Quer-se, teoricamente, um cidadão culto e educado, para ter a liberdade de fazer as suas opções em liberdade. Mas o que se criou foi um pateta manipulado. Pensa que vive em democracia e é livre, mas não passa de participante involuntário numa fraude democrática. Como se diz em inglês “read my lips”… O que o povo quer é ver revistas com os escândalos dum pseudojetset e da pseudonobreza sem sangue azul, só fama fácil. O que o bom povo quer é mortes, violações, abusos, desgraças, inundações, incêndios, bombas, guerras e as tragédias longínquas, dos outros. As suas não lhe interessam.

O povinho (tão bem retratado por Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, ainda hoje atuais) quer ver as vergonhas dos outros para que não vejam a sua, “é disto que o meu povo gosta” como diria Pedro Homem de Mello, embora se referisse ao folclore… Assim se explica que a maior parte dos bons jornalistas portugueses se encontre desempregada sem ser por opção ou por reforma antecipada. Não eram fabricantes de notícias sensacionalistas para abrir o telejornal, empolando banalidades em transmissões diretas do nada. Nunca o país viu aumentar tanto e em tão pouco tempo o fosso entre ricos e pobres como nas últimas décadas. As pensões e reformas são das mais baixas da Europa, mas os Executivos portugueses ganham mais do que os seus milionários congéneres norte-americanos. Ninguém escreve sobre isto? Limitam-se todos a passar secretamente essas notícias em e-mails aos amigos.

Uma idosa que roubou uma peça avaliada em menos de quatro euros foi levada a tribunal pelo supermercado, e o banqueiro x, y ou z (entre outros ladrõezinhos que existem por aí) nem sequer a tribunal vai? Claro, que o roubo de milhões é investimento falhado e o de uns cêntimos é um crime de lesa-majestade. Gosto de escrever a palavra REVOLTEM-SE, mas pode ser crime de traição ou de apelo ao terrorismo, face às novas leis, pelo que me coíbo de o fazer.

Faltou frisar que a ideia da nova educação é fazer com que os professores estejam cada vez menos preparados e criem alunos ignorantes. É a teoria do mínimo denominador comum. Não interessa a nenhum governo uma população culta, educada e lida…depois era mais difícil regê-los. Segue-se uma nova versão da máxima salazarista “quanto mais ignorantes mais felizes…” ou como o amigo Daniel de Sá lestamente me avisou, no formato original, a máxima de Salazar era: “Um povo culto é um povo infeliz.” Sejamos felizes, sejamos incultos. A razão de todas as infelicidades reside na Santa Cultura que tanta dor pariu. Depois criam-se artificialmente castas (este país sempre foi um país de castas).

Primeiro, havia a dicotomia entre professores primários, secundários e os universitários. Vasos não comunicantes e estanques. Para mim o erro foi acabar com a Escola do magistério e criar as ESE… que fabricaram diplomados com ignorância e falta de preparação …até dói. Já basta haver programas que pouco ou nada ensinam (mais curtos, inúteis e fúteis, cheios de imagens para contrabalançar a falta de conteúdo, para contrapor a asserção vigente no meu tempo de que aprendia coisas que para nada serviam). Claro que a falta de preparação dos professores aplicada numa educação de massas, caraterizada pelo mínimo denominador comum, vai perpetuar o ciclo descendente de conhecimentos, e cada vez haverá mais burros nas fileiras. Isso é altamente importante para os políticos no poder. Quanto mais iletrados os professores e alunos, melhor serão conduzidos os milhões de cordeiros do rebanho da nação. A educação é uma fábrica de analfabetos para ensinar mais analfabetos futuros. Nada mais perigoso que uma pessoa que lê e estuda. Até pode pensar por ela…

Este país tem demasiadas leis e incumprimentos a mais…para quê se ninguém as cumpre? Quando as tentam impor, é sempre de forma arbitrária, bruta e cega de aderência à letra da lei e não ao espírito, ou então limita-se a uma mera caça à multa. Uma coisa é ter regras e normas. Outra é impor leis a uma população impreparada e ignorante pela força bruta.

Há ainda os lóbis fortíssimos dos médicos, farmacêuticos e advogados em quem ninguém toca e são corresponsáveis pela má saúde do país. O que é preciso é civilizar [leia-se DOMESTICAR] o povo para se poderem impor regras e normas, o resultado está à vista…vive-se numa ditadura republicana, de esgares monárquicos, disfarçada de democracia. Tal como no tempo do Hitler só quando chegar à nossa porta é que nos daremos conta do caminho por onde nos levaram… As democracias só podem funcionar com gente culta e preparada e não com quase dez milhões de analfabetos como em Portugal. Nos outros países (e na Austrália vi isso) fazem-se sacrifícios e o país avança e progride, aqui obrigam-se a sacrifícios e o país fica na mesma. Aqui só se trabalhou para a estatística europeia e não para criar riqueza. É isso que acontece com os empresários portugueses na sua maioria.

Como escrevia Mendo Henriques em agosto de 2008: “é altura de fazer uma revolução e dar o poder a quem tem cultura e não a quem tem dinheiro”.

É tudo uma questão de visão, os portugueses têm-na tipo túnel (quando a têm). Outros veem mais longe e preocupam-se com o futuro. Eu aprendi imenso com os chineses. Foi essa a lição mais importante. Nunca me esqueço também do que mais me impressionara na aprendizagem com os aborígenes australianos: como sobreviver milhares de anos com uma cultura oral, sem escrita, sem posse de terras, sem matar a não ser o que é necessário para uma alimentação frugal, para preservar o meio ambiente. Assim foram capazes de manter um segredo durante séculos (como era o crioulo de português que uma tribo manteve durante mais de quatrocentos anos e da qual se falou atrás).

O excesso de informação, desinformação e manipulação política acabam por condicionar o rebanho dócil dos que falam muito e se queixam ainda mais, mas pouco ou nada fazem. Sempre prontos a criticarem o governo e os outros sem perceberem que a verdadeira culpa radica neles. O país continua diariamente – há muitos anos – a gastar muito mais do que produz. A hipotecar-se sem construir ou criar algo de produtivo. Esta irresponsabilidade coletiva será paga pelas gerações futuras, hoje demasiado preocupadas na sua ignorância para se aperceberem de que a conta foi passada em seu nome coletivo. Mas ainda não chegámos lá.

Os portugueses habituaram-se ao goze agora e pague depois, se não morrer antes. Não se importam com os que roubam à sua volta, sejam do governo ou da privada. Até os invejam e gostariam de poder fazer o mesmo. Por outro lado, os que se aproveitam desta e doutras crises, os que beneficiam das benesses do governo, dos subsídios que a Europa paga para outros fins, e os que orbitam nessas esferas continuam a ir aos stands de automóveis de desporto comprar Ferrari, Porsche etc. Não há rutura de abastecimentos, e os supermercados continuam a oferecem milhares de artigos à escolha. A maioria dos habitantes, da Lusitânia sem alma, não quer saber de princípios. Abomina quem os tem.

Se bem que poucos existem alguns que os preservam e perseveram. Se não são mais ouvidos, quando têm tempo de antena nas rádios e televisões, é porque os programas só são transmitidos quando todos dormem e sós alcoólicos com insónia estão despertos.

De qualquer modo o que é que o homem e a mulher comuns podem fazer, além de falar no café e queixarem-se aos amigos e conhecidos? Mesmo que soubessem rabiscar umas ideias e quisessem escrever uns artigos, provavelmente não seriam publicados. Vive-se numa ditadura dissimulada em que mesmo com 200 mil pessoas em manifestações de rua nada se consegue. O poder não treme nem pestaneja, coça-se como se estivesse a ser atacado por uma ridícula e inofensiva pulga. É essa a opinião dos governantes sobre o povo que manietam. Para quê denunciar escândalos? Raro é o dia em que um ou mais são denunciados nas redes, na internet na rádio e televisão. A justiça, que sempre esteve ao lado dos poderosos, parece estar ao lado dos que mais roubam e lesam o país Viriato e Sertório foram apunhalados pelos seus conselheiros. Aprende-se mesmo pouco em Portugal. Falta agora um novo Viriato a liderar os Lusitanos contra os usurpadores da República..