o ABADE DE FARIA e a hipnose

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UM CIENTISTA IGNORADO
NA BASE DA HIPNOSE CLÍNICA
O texto que se segue prenuncia o que poderá vir a ser em breve um romance histórico-biográfico – O Homem Magnético – sobre a vida e obra fulgurante e aventurosa do cientista ´goês/brâmane/português José Custódio de Faria
( n. Candolim de Bardez, Goa, 1746 – m. Paris, 1819)
Mais conhecido por Abade de Faria, este cientista luso-goês, imortalizado por Alexandre Dumas no romance O Conde de Monte Cristo, era filho de Caetano Vitorino de Faria, um futuro padre com ambições políticas, que desempenhou um papel destacado na chamada “Conspiração dos Pintos”, em 1787, que ousou atentar contra a soberania portuguesa naquela distante colónia asiática, em 1787, mas que foi condenada ao fracasso. Quando os pais se separaram, o marido tornou-se padre e a esposa freira, justificando-se, assim, o facto de José Custódio ser considerado filho de um padre, ainda que, na realidade, nunca tenha sido abade.
Estudou em Lisboa e em Roma desde 1771 e permaneceu na capital italiana até 1780, tendo-se formado em Teologia. Implicado na citada conspiração em Goa, transferiu-se para França em 1788. Nas vésperas da época conturbada da Revolução Francesa o padre Faria chegou a Paris e tornou-se um ardente defensor das causas revolucionárias chagando a comandar um dos grupos que, em 1789, atacaram a Convenção. Depois, foi professor de Filosofia nos liceus de Marselha e Nîmes e, durante a sua estada, interessou-se pelos princípios defendidos pelos pioneiros do “magnetismo animal”, como o austríaco Franz Anton Mesmer. Este médico, nascido em 1733, defendia que em todo o organismo vivo existia um fluido magnético, uma força especial, que se podia transmitir e fazer revigorar os corpos debilitados. As pessoas dotadas de grande vitalidade poderiam transmitir essa energia para os outros, desde que a soubessem dirigir, através do uso das mãos.
A vida agitada do sacerdote português foi bastante diferente da que o autor de “Os três Mosqueteiros” nos apresentou. Aliás, Faria é descrito como um homem erudito, mas os seus antecedentes históricos e a sua verdadeira nacionalidade são omitidos.
De acordo com os seus biógrafos, José Custódio de Faria descendia de uma família de brâmanes hindus, convertida ao cristianismo no século XVI. Em Paris, em plena Revolução, o jovem padre português conheceu o marquês de Puységur com quem se iniciou na prática do magnetismo. Estimulado por aquele aristocrata, Faria aplicou-se devotadamente à prática de uma técnica de que conhecera alguns princípios básicos ainda na sua terra natal. Em 1813, o padre Faria abriu em Paris uma escola de magnetismo, depois que a polícia lhe proibira as experiências de hipnotismo, o que lhe angariou uma vasta clientela, mas também reacções de descrédito e acusações de “maníaco e bruxo”. Procede aí a um curso público de “sono lúcido”, demonstrando ser possível fazer adormecer pessoas desde que sua atenção fosse concentrada num olhar ou mesmo num objecto. Proclamava, assim, pela primeira vez, a natureza subjectiva dos “fenómenos magnéticos”, afirmando que o sono poderia ser obtido mesmo sem a presença do suposto magnetizador e arriscando a hipótese psicológica para o fenómeno hipnótico.
De facto, José Custódio de Faria recorreu às técnicas de Mesmer para aplicações de anestesia cirúrgica e foi o primeiro a afirmar que a causa do transe reside no próprio paciente e não deriva de qualquer influência magnética do operador. Sustenta, por isso, que o doente era conduzido aquilo que se designa por “sonho lúcido”, graças à sua própria vontade e apenas pelo poder da sugestão induzida pelo magnetizador. Foi o primeiro a descrever com precisão os métodos e os efeitos da hipnose e a antecipar as possibilidades da sugestão hipnótica no tratamento das doenças nervosas. Nessa medida, Faria revelou-se um espírito com rara intuição científica, desmistificando toda a ingerência mística ou sobrenatural que à época o “mesmerismo” deixava antever, insinuando a existência de fluídos ou forças invisíveis. Afinal, tudo se reduziria a uma questão de sugestão, psicologia ou pouco mais.
Como outros pioneiros na história do hipnotismo, Faria fez demonstrações públicas que provocaram reacções contraditórias na audiência. Em resultado, o magnetizador foi alvo de caricaturas nos jornais satíricos parisienses e ridicularizado num teatro de “vaudeville”, factos que o levaram a retirar-se prematuramente das experiências hipnóticas e a publicar um livro onde tentou explicar as suas teses e os resultados práticos associados.
Não obstante a sua objectividade científica, o padre Faria não eliminou a componente um tanto teatral da sua personalidade, pelo aparato e e extravagância do seu vestuário, afinal, também ainda integrante da demonstração pública do processo hipnótico na actualidade. Em Paris, o sacerdote alcançou níveis elevados de popularidade semdo presença habitual nos encontros da alta sociedade parisiense. Foi oferecida a cadeira de Filosofia na Academia de Marselha, e proclamado membro da Ordem dos Médicos sem nunca ter estudado medicina.
É hoje admitida a importância destas primeiras experiências para o aparecimento da psicanálise, sobretudo pelos efeitos da hipnose registados em doentes histéricos que Freud estudou em Viena e em Paris. Se assim for, podemos considerar o Abade Faria, pioneiro do hipnotismo em França, como um dos investigadores cujos princípios teóricos e práticos, precoces para a época, participaram na génese e no desenvolvimento da psicoterapia e da psicanálise.
Situando-se entre os defensores destas novas abordagens terapêuticas, o sacerdote luso-goês foi o primeiro a corrigir interpretações estabelecidas sobre o fenómeno hipnótico, definidas pelos mestres: a teoria do fluído magnético, defendida por Mesmer, e a da vontade do hipnotizador, defendida por Pusységur. José Custódio de Faria propunha que o magnetismo correspondia a um fenómeno natural, desencadeado por predisposições do foro emocional, provocado por factos esporádicos fortuitas, como a eliminação de estímulos externos ou ainda por causas imediatas – ordem de “dormir”. Todas esta teorias são apresentadas no seu livro De la cause du sommeil lúcide, e obtiveram eco noutros autores e especialistas, o que levou a que o seu nome apareça citado na bibliografia sobre a história do hipnotismo.
Segundo uma obra publicada, há mais de um século, por um antigo funcionário de polícia parisiense, o sacerdote e hipnotizador teria morrido numa prisão de Esterel, onde havia sido detido por motivos políticos, deixando toda a sua fortuna a um dos seus companheiros de prisão. Como cientista, o padre Faria, herói de Monte Cristo, não deixaria de se reconhecido pela posteridade, como o fizeram Egas Moniz, Prémio Nobel de Medicina e outras autoridades da psiquiatria contemporânea, que reconheceram a importância do seu contributo para a doutrina da sugestão.
Pode ser uma imagem de monumento
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