o 25 de abril em 2012 era pensado assim (Chrys C)

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  1. CRÓNICA 114 VIVA O 24 DE abril QUE ESTE SIM DEVERIA SER FERIADO 24 abril 2012

Viva o 24 de abril que este sim deveria ser feriado, ainda não se lê nos jornais todos, mas ouve-se nas esquinas das ruas e nas mesas do café. Depois da censura económica, da autocensura e de todas as formas dissimuladas de censura, vão-se fazendo inquéritos, elege-se Salazar como a personalidade do século passado, mandam-se emigrar os jovens, promove-se o cinzentismo salazarista e tentam calar-se as vozes diferentes. Mais ano menos ano acaba-se com o feriado de 25 de abril que nada tem a ver já com o clima que se vive.

A revolução continua por fazer, a liberdade de expressão corre sérios riscos, agora que as outras liberdades se foram por causa da crise, o respeito pela diferença esbateu-se mais ainda, vamos tornar as massas ainda mais acinzentadas, uniformes e carneirenta por entre saudosismos (dantes era o sebastianismo, agora será o salazarismo salazarento.

Por entre uma telenovela, Fátima e futebol o povo nem dá conta de como o levam para novo redil. Há 38 anos deram a liberdade a Portugal e hoje no-la tiram. Eu continuarei (quase sozinho) um homem do 25 de abril até que me calem mas somos já muito poucos e menos ainda podem usar a voz. Hoje ainda me deixam escrever isto mas por quanto tempo mais?

Há seis anos publiquei no ChrónicAçores umas linhas em que prevenia e previa este status quo:
Sem questionar o feminismo ou outros ismos: antissionismo, antialentejanismo, antilourismo (das loiras) todas as piadas são objecionáveis por se basearem em estereótipos da sociedade, sejam eles humanos, animais ou até mesmo políticos, que não são uma nem outra coisa.
Assim, depois de todas as pessoas defensoras desses “ismos” terem colocado as suas objeções porque são a favor do Obama ou do Bush, ou do Sócrates, porque se baseiam em estereótipos de mulher, de louras e louros, de alentejanos, de políticos e políticas (mas destas ainda há poucas), de judeus (e outras religiões como o cristianismo ou islamismo por ex.), de nacionalidades ou continentes de origem como com os africanos, os pobres, os ricos, os estudantes e os professores, os animais (mesmo aqueles que estão nas malas dos carros junto com a esposa ou esposo), verão o que fica: NADA.
Acaba-se o humor.
Ao reproduzir a seguir, Maiakovski e Brecht, pretendo alertar que me sinto muito mais incomodado com a violência, gratuita ou não, com as imagens cheias de “innuendo” (insinuações) da TV, desde os telejornais às séries, pois essas são as armas de estupidificação globalizante que a todos corroem.
O humor usa a linguagem dos estereótipos que hão de ser substituídos com o tempo assim como a frase bota-de-elástico foi substituída por “cota”.
Desde a década de 1980 vi surgir a censura dissimulada em fundamentos razoáveis e aceitáveis, pretendendo sanitizar as mentes.
Já o vira acontecer na Austrália quando o politicamente correto foi introduzido – de forma obrigatória e inelutável – na linguagem em meados daquela década. Como tradutor profissional tivera de o seguir mas como ser humano, inteligente (no sentido de pensante) recusava-o tanto hoje como ontem.
Com o politicamente correto acaba-se o humor.
Esse é o cerne da questão que ninguém quer ver. Deve lutar-se contra a discriminação, em todas as suas formas, contra o assédio sexual, político e outros.
Lute-se contra as propostas novas normas europeias, lute-se contra o salário mínimo de miséria e de exploração (reminiscente do início da Revolução Industrial), contra as quotas ou falta delas nos elencos femininos do Governo, contra a falta de acesso a pessoas com deficiências de qualquer tipo. Lute-se contra isso tudo mas deixem o humor de lado, a menos que seja difamatório (mas sem ser pelas normas norte-americanas), grosseiro, imoral, amoral.
Quando me defini politicamente incorreto, foi porque o politicamente correto sempre foi a forma mais fascista de sanitizar a língua, o pensamento e a vida em geral, criando uma sociedade assética e inócua.
Todos iguais e cinzentos de acordo com a norma. Ninguém precisa de pensar nisto pois o futuro provará a sua veracidade melhor do que o Orwell alguma vez podia prever no 1984 ou outros ensaios semelhantes: a realidade já ultrapassou a ficção há muito.
Quem primeiro o antecipou foi Maiakovski – poeta russo “suicidado” após a revolução de Lenine que escreveu ainda no início do século XX:

Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu.
Como não sou judeu, não me incomodei.
No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista.
Como não sou comunista, não me incomodei.
No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico.
Como não sou católico, não me incomodei.
No quarto dia, vieram e me levaram;
Já não havia mais ninguém para reclamar…”

Martin Niemöller, 1933, símbolo da resistência aos nazistas.

Parodiando o pastor protestante Martin Niemöller, símbolo da resistência nazi:

Primeiro eles roubaram nos sinais, mas não fui eu a vítima,
Depois incendiaram os ônibus, mas eu não estava neles;
Depois fecharam ruas, onde não moro;
Fecharam então o portão da favela, que não habito;
Em seguida arrastaram até a morte uma criança,
Que não era meu filho…

Cláudio Humberto, 09 Fev. 2007

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.
É PRECISO AGIR
Bertold Brecht (1898-1956)

Um passeio com Maiakovski
Na primeira noite
eles se aproximam
e colhem uma flor
de nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite,
já não se escondem :
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles,
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a lua, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz
da garganta.
E porque não dissemos nada,
já não podemos dizer nada.

Tudo que os outros disseram fizeram-no depois de ler Maiakovski.

Incrível é que após mais de cem anos dessa lição, ainda nos encontremos tão desamparados, inermes e submetidos aos caprichos da ruína moral dos poderes governantes, que vampirizam o erário, aniquilam as instituições, e deixam aos cidadãos os ossos roídos e o direito ao silêncio: porque a palavra, há muito se tornou inútil!

Agora, o politicamente correto ameaça o humor.


A crise fará o resto e aí – sim – estarei definitivamente calado se não morrer antes.

Só tivemos 38 anos de liberdade comparados com 48 de ditadura obscurantista mas pouco temos a celebrar neste ano de 2012 em que nos querem fazer recuar aos anos 50 ou 60 do século passado, a História em marcha à ré.

Este ano vou gritar que o 25 de abril devolveu um direito fundamental: o direito à livre expressão e esse é o último que ainda posso celebrar nesta data.