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Do Jorge Buescu
Vale sempre a pena ler.
“NÚMEROS BONS, PICO LONGE, RISCO DE CONTÁGIO CADA VEZ MAIOR
Os números de hoje continuaram a surpreender pela positiva. O número de doentes internados baixou, de 1211 para 1173; o número de doentes UCI baixou de 245 para 241. Os óbitos continuam a subir, de 380 para 409, embora este crescimento seja agora linear. Fizemos o dobro dos testes em relação ao dia anterior (pela primeira vez mais de 10.000!) e, como seria de esperar, a detecção de novos casos aumentou. Como já expliquei diversas vezes, mais casos novos nestas condições não é um mau sinal. De facto, detectámos menos casos novos proporcionalmente aos testes efectuados.
Destes três indicadores, o menos fiável é o dos internamentos: com efeito, ele já sofreu duas quedas abruptas (a 17 de Março, de 206 para 89 e a 24 de Março, de 276 para 191), devidas a redefinição dos critérios de internamento. Esta flexibilidade de critérios significa que este número é pouco fiável para comparações ao longo do tempo. Essa flexibilidade já não existe nos UCIs nem nos óbitos. Um estudo do Imperial College recomenda que, nesta fase, se utilizem apenas os números dos óbitos pois são os mais fiáveis. Provavelmente, deixarei de considerar os internamentos simples nestas análises.
O tema de ontem foi o “pico”. Continuará a ser o tema dos próximos dias. Começaram a aparecer insistentes notícias sobre um “pico que poderia ter já ocorrido”. Ora qualquer pessoa que frequente este espaço sabe que o pico dos infectados activos, que é aquele que tem maior relevância epidemiológica, ainda não ocorreu e será provavelmente na segunda quinzena de Abril, talvez mais para o fim. Para quem ainda tem dúvidas, publico o gráfico dos casos activos retirado do Worldometers, onde o leitor tem tudo actualizado diariamente. Ontem mostrei como fazer os cálculos, mas nem precisa de ter esse trabalho: basta acompanhar diariamente a curva “active cases” no site [https://www.worldometers.info/coronavirus/#countries](https://www.worldometers.info/coronavirus/#countries)
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A Profª Gabriela Gomes, que conheço há 30 anos e com quem partilhei o orientador de PhD no Reino Unido e a área científica de especialização, é hoje incontestavelmente a grande especialista portuguesa em Epidemiologia matemática. Ontem o Público trouxe uma entrevista com ela, onde ela descrevia um pico que “até já podia ter ocorrido”. Ofereci neste grupo a minha conjectura, aliás partilhada por muitos leitores: o pico referido pela Gabriela não podia ser dos infectados activos, que ainda está no futuro; deveria ser da curva dos novos casos.
Isto faz toda a diferença. Os casos activos, I(t), são a variável mais relevante termos epidemiológicos. São a variável de saída dos modelos SIR (o “I” nestes modelos são os infectados activos). E são o que de facto interessa às pessoas: os infectados activos I(t) são, em cada momento t, os contagiosos. O pico dos infectados activos é o momento em que o risco de contágio é maior. Os novos casos são uma curva interessante mas traz outra informação diferente. Matematicamente, são a derivada I’(t) de dos casos activos. O pico dos novos casos NÃO É o momento de maior risco: é o ponto de inflexão, em que o crescimento dos novos casos deixa de ser exponencial para passar a sigmóide. Assinala o momento, como já aqui referi muitas vezes, em que finalmente conseguimos vislumbrar a existência de um pico, ao longe, e em que sabemos que o crescimento não vai continuar descontroladamente. Pelos nossos cálculos esse ponto ocorreu, como aqui foi devidamente informado, entre 31 de Março e 1 de Abril.
Falei hoje mesmo com a Gabriela Gomes e confirmei que esta nossa interpretação está correcta: ela estava a falar dos novos casos, ou seja, da derivada I’(t) dos casos activos, I(t). O pico da curva dela corresponde ao ponto de inflexão da curva dos infectados activos, não ao pico dos activos. Esse ainda está no futuro, como afirmamos. O artigo de jornal não realiza essa distinção essencial entre função e 1ª derivada.
Cabe aqui esclarecer uma outra questão: estas curvas não são carris preexistentes sobre os quais o nosso comboio esteja a andar. Pelo contrário: as curvas mudam ligeiramente todos os dias em função dos novos dados que surgem. São construídas por nós. Ainda bem que assim é: os nossos comportamentos influenciam a curva, e está nas nossas mãos mudá-las. Foi assim, com as medidas de contenção, que conseguimos sair do crescimento a 40% por dia de meados de Março, saindo a 1 de Abril do cenário exponencial.
Por outro lado, este facto implica que a data do pico dos infectados activos não está determinada. Podemos estimá-la, mas essas estimativas serão sempre função do que for acontecendo, tendo de ser revistas todos os dias. Por exemplo, num cenário em que houvesse uma desmobilização geral, ou mesmo parcial (estes efeitos são não-lineares) da quarentena domiciliária durante alguns dias, correríamos o sério risco de reentrar na fase exponencial, desta vez com consequências muito graves. Fez assim muito bem o Governo em proibir as deslocações em período de Páscoa. Até aplaudi quando soube!
Por que é que os momentos em torno do pico da curva I(t) dos infectados activos são os mais perigosos de todo o processo epidémico? É muito simples de perceber. Os infectados activos são exactamente os contagiosos. O pico dos infectados activos é o momento em que existem mais contagiosos na população. Ou seja, se eu contactar com pessoas ao acaso, é quando tenho maior probabilidade de me cruzar com um contagioso. E de ficar infectado.
Portanto, como estamos a subir para o pico dos infectados activos, o risco que cada um de nós corre quando sai à rua é cada vez MAIOR – e não menor, ao contrário do que muito perigosamente está a começar a circular nalguma vox populi.
Para dar uma imagem muito simplista: todos sabemos que o período de maior perigo de exposição solar na praia é quando o Sol está no seu pico, entre as 13 e as 15h. É por isso que devemos evitar estar na praia nesse período. Com o vírus passa-se exactamente o mesmo: o período de maior risco de contágio é em torno do pico dos infectados activos. O risco de contágio está a aumentar de dia para dia, à medida que nos aproximamos do pico.
Para ajudar os leitores, eu e o José Carlos Pereira decidimos construir um contador a que chamámos PICÓMETRO. Ele mede, todos os dias desde que começámos a vislumbrar o pico, a distância a que estamos dele. Como expliquei acima, esta distância não é fixa: o pico não tem data fixa. Aquilo que calculamos é o número de novos activos (NC – (NR+NO)) de cada dia. Esse número hoje é positivo, com o valor +777. Quanto mais afastado de zero o valor, mais longe está o pico. Quando o seu valor passar de positivo a negativo é sinal de que atingimos o pico: surgem menos infectados do que aqueles que saem. O mais natural é que por essa altura este valor oscile um pouco, tremelicando uns dias entre positivo a negativo: será o famoso “planalto” de que há tempos fala a DGS.
Assim podemos todos monitorizar em tempo real quando se atinge o pico de infectados activos, momento mais perigoso da epidemia.
Jorge Buescu
9/4/20202″
