NINGUÉM QUER SABER DA VERDADE, APENAS DE QUE LADO ESTÁS, CRÓNICA 299, NOV.º 2019

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NINGUÉM QUER SABER DA VERDADE, APENAS DE QUE LADO ESTÁS, CRÓNICA 299, NOV.º 2019

 

Há dores insuportáveis e o único analgésico é o tempo, cura não existe…a sociedade ocidental carece da visão orientalista sobre a inevitabilidade do estado pós-vida e isso causa mais dor ainda…assim descrevo o fim das pessoas que cresceram connosco na música, nas letras, no teatro, na vida, e nos deixam. Há quem diga que morreram. Como escrevia à data Mil Ghent · “A velocidade dos acontecimentos ultrapassa-nos. Caímos no engodo. Distraímo-nos. Envolvemo-nos em assuntos prioritários. Compras e coisas assim. Família para sustentar, prole para educar. Um sem fim de compromissos. Empregos para garantir, imediatismo frenético, alta criatividade para consumo. E o pensamento vai mirrando, estiolando. Ninguém quer saber. Não tilinta no bolso, não tem futuro. Enquanto isso, a realidade acelera. E nós na fartazana, na loucura dos dias. Queremos é que nos não chateiem! Que nos não venham com tretas! O mundo vai estoirar? Depois vemos isso…”

 

E, assim, impávidos e serenos, quase como no Estado Novo em que íamos “cantando e rindo,” nos deixamos enlevar por este torpor, este amolecimento da capacidade críticas de pensamento e de discernimento…aceitámos que o mundo ande louco com mais xenofobia, racismo, ódio, nazismo, mas nem queremos saber por ser lá longe. É o Trump nos EUA, o Bolsonaro no Brasil, o Orban na Hungria, o Netanyahu em Israel, a loucura de Boris Johnson e do Brexit no Reino desunido, o descarado genocídio e roubo de terras palestinianas, o genocídio Rohingya na Birmânia (Myanmar), a infinda guerra no Iémen e tantos outros de que mal ouvimos falar, a guerra silenciosa no Sudão, os milhares de naufragados no Mediterrâneo pagos a preço de ouro às máfias de traficantes, os mercados de venda de escravos na Líbia e no Google onde os árabes os escolhem a dedo, o trabalho infantil que mata milhares na República Democrática do Congo (onde há genocídio mas ninguém diz), a fome oculta dos sem-abrigo que enchem as ruas das cidades norte-americanas (e quantos deles são dejetos humanos das guerras que os EUA fomentam e alimentam por todo o mundo? Dantes ainda lhes chamavam veteranos de guerra, agora são meramente ”homeless people”). Depois, há as intervenções ocultas, descaradas ou assim-assim dos EUA, nas quatro partidas do mundo, sendo notórias na América do Sul (inúmeros falhanços na Venezuela) mas a mais dolorosa é a do Chile onde as forças assassinas do regime deliberadamente cegaram a tiro centenas de pessoas que se manifestavam… para mim, que sou contra as guerras da humanidade, o Chile representa, de novo, brutais, inexplicadas e incompreensíveis formas de tortura.

 

Já não há operários nem proletariado mas abundam os vendedores de banha da cobra, e como disse o cineasta finlandês Aki Kaurismäki “Este planeta nunca teve tantos sociopatas e idiotas no poder”. De facto, para qualquer lado que me volte há um. “Já ninguém quer saber da verdade, apenas de que lado estás” e as sociedades dividem-se irracionalmente entre “nós” e “eles,” inimigos a abater sem lógica nem razão, pela cegueira das convicções, matamos consoante a fúria dos que nos rodeiam quando dantes, a amigos e vizinhos se dava um pão e um copo de tinto. Dantes ainda havia a má tradição dos ianques matarem os presidentes bons. Deixou de haver felicidade em dar, todos querem receber sem dar. “In dogs we trust”, parafraseando o lema estadunidense e mudando God por dogs (cito, de novo, Aki Kaurismäki). Continuarei, solitariamente, a buscar a verdade que os meus vizinhos aqui na Terra pretendem ignorar.