Natal de Esperança osvaldo cabral

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Natal de Esperança
Já imaginou uma pandemia nos Açores que matasse 151 açorianos numa primeira vaga e mais 102 numa segunda?
E se a pandemia se prolongasse por duas décadas, com um registo de 732 mortes, correspondendo a uma média de 37 óbitos por ano?
Não é exagero nem ficção.
Este cenário existiu nos Açores entre 1930 e 1939 com a peste bubónica.
O Natal de então foi muito mais negro do que o que estamos a viver hoje.
Os jornais da altura, como o Diário dos Açores (ver foto), abriam as manchetes de primeira página com relatos cruéis da doença e dando instruções, todos os dias, sobre como deveriam reagir os cidadãos perante a pandemia da chamada “peste negra”.
Curiosamente, a pandemia também teve origem na Ásia e a infecção era transmitida pelas pulgas dos roedores.
Não houve corrida às vacinas, não havia Autoridade de Saúde a coordenar o combate à pandemia e desconhecia-se a dimensão da pandemia à escala planetária, porque também não havia a bateria de cadeias de televisão que há hoje para transmitir a toda a hora o ponto da situação pandémico.
Os jornais locais socorriam-se de correspondentes nas freguesias da ilha para relatarem as mortes e os focos da infecção nas respectivas localidades.
Para o combate à doença, segundo rezam as crónicas, eram as Câmaras Municipais que convocavam reuniões abertas às autoridades de saúde do concelho “com vista a tomar medidas, como a aquisição de desinfetantes para desinfecções tanto públicas como particulares, soro e vacina anti-pestosa”.
Escrevem ainda os cronistas que “a Igreja, outrora um dos meios mais importantes para divulgação de informações, também não ficou alheia”.
Com efeito, os párocos, durante as missas, faziam “a leitura das prescrições médicas aconselhadas pela autoridade sanitária, acompanhando essa leitura de avisos salutares para que todos se compenetrem da gravidade da doença”.
Estamos todos, 90 anos depois, preocupados com o terramoto que levou as nossas vidas com esta pandemia da Covid-19, mas nada é comparado com as que enfrentaram os nossos antepassados.
A História das nossas ilhas é pródiga em tragédias pandémicas, todas importadas, como por exemplo há 490 anos, em que uma grande epidemia de peste causou em S. Miguel milhares de mortos e obrigou ao isolamento desta ilha durante vários anos.
Foi nessa altura que se enraizou o culto do Divino Espírito Santo, segundo ainda os historiadores.
Hoje estamos focados em duas pandemias: a da saúde pública e a da economia.
Sobre a primeira, dobramos este Natal com a esperança de que a vacina mais histórica das últimas décadas possa travar a crise sanitária.
Já na economia será mais difícil encontrar um antídoto para a enorme crise que se vai instalar nas empresas e famílias.
Ainda recentemente, uma análise sobre o projecto de investigação intitulado “An analysis of inequality and poverty in Portugal”, onde é descrita a situação actual da desigualdade e da pobreza em Portugal, comparada com outros países europeus, se confirmava que, geograficamente, os Açores são a região de Portugal com o maior índice de pobreza e as maiores desigualdades.
“Os grupos etários mais afectados pela pobreza são as crianças e os idosos, as famílias monoparentais e as famílias com mais de dois filhos são as mais susceptíveis e, no que diz respeito ao estatuto profissional, os desempregados representam o grupo com a taxa de pobreza mais elevada”, de acordo com a referida análise.
Nada que nos surpreenda.
Se o combate contra a pobreza era uma prioridade absoluta, em
forma de plano estratégico para uma década, torna-se agora ainda mais crucial e urgente perante a gravidade do cenário que se avizinha já no Ano Novo.
O turismo, que estava a alavancar a economia regional, não vai regressar em força por muito tempo e as actividades conexas, como a restauração, vão sofrer muito com isso.
Ou seja, mesmo com a vacina os especialistas não prevêem a cura para muitos sectores da economia nos próximos tempos.
E como a nossa economia, à semelhança do resto do país, depende muito do emprego em actividades com baixo valor acrescentado, vamos ter muito desemprego, pelo que é para aí que deverá estar o foco nas ajudas sociais nos próximos tempos.
O estímulo às empresas é essencial e, incompreensivelmente, o Plano de Recuperação e resiliência desenhado para os Açores não está muito virado para aí.
Nos últimos sete anos a economia portuguesa criou mais de meio milhão de novos empregos, pelo que vamos todos precisar, mais uma vez, desta dinâmica do sector produtivo para não deixar cair tantos postos de trabalho e criar outros com base nos apoios disponíveis.
As medidas criadas durante o choque económico na primeira vaga da pandemia tiveram um alcance positivo e resultaram nalguma resiliência entre Março e Julho.
É preciso prosseguir com os bons exemplos.
Como foi divulgado há poucos dias, quem tenha nascido há 40 anos já enfrentou cinco crises económicas e agora volta a apanhar mais esta, resultante da pandemia.
Oito economistas portugueses fizeram um estudo, coordenado por Ricardo Reis, professor na London School of Economics, onde se conclui que, em média, de oito em oito anos, cada um de nós apanhou uma crise que cortou no PIB por habitante um mínimo de 1% nas crises de 1992/93 e de 2002/2003, e quase 7% na crise mais demorada de 2010/2013, em que interveio a troika.
Isto significa empobrecimento e mais desigualdades, com uma economia aos solavancos, sobretudo se atendermos à fragilidade das nossas ilhas.
Apesar de tudo há sempre uma esperança, porque sempre soubemos nos reerguer.
A vacina é uma boa notícia, a bazuca europeia também e a resiliência das nossas empresas e trabalhadores é mais do que suficiente para pensarmos que sairemos, mais uma vez, dos escombros.
Os nossos antepassados, como se viu nas pandemias da “peste negra” em vários séculos, souberam superar as crises e trouxeram-nos até aqui.
Saberemos honrar o passado, enfrentaremos com audácia o presente e não desistiremos, nunca, de um futuro promissor.
É por tudo isto que este Natal é de Esperança. Feliz Natal, com segurança!
(

Osvaldo Cabral

– Diário dos Açores de 24/12/2020) — with

Osvaldo José Vieira Cabral

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