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ANDA BATER, TU BATES BEM
Olhei para o prato e, desiludido, chamei a menina para lhe dizer que na ementa estava escrito “peixe grelhado”.
Ora o peixe tem cabeça, rabo, olhos, umas curvas acentuadas. É um bicho que dignifica o empratamento e o eleva a arte.
Já aquela posta mísera, quase perdida na salada sem tempero, era apenas um embaraço para a gastronomia portuguesa. Ela pediu desculpa pela hipérbole da ementa e eu segui o meu caminho. Com fome.
Algumas horas passadas, devidamente consolado pelas ponchas e depois de passar na praça CR7, ao lado do Pestana CR7, colado ao museu CR7, em frente à estátua CR7, a poucos quilómetros do aeroporto CR7, pensei: “julgo que esta iha devia homenagear o Ronaldo de alguma forma…”
Alagado em suor aportei numa esplanada com produção de cerveja e de arroz de lagosta. Puxaram-me para uma mesa onde o mar dividia o cenário com um ecrã gigante. Lá dentro, do ecrã, jogava o benfica sem tarabt, seferovic ou gabriel. A lágrima tocou no olho e a doença disse presente. Desisti do romance ao fim de 5 minutos e desviei a atenção para a mesa do lado. O silêncio chamou-me.
6 jovens, a caminho da maioridade, calados e rodeados pelo mar, não levantaram a cabeça dos telemóveis durante todo o jantar. O meu.
Em silêncio, os seis, levavam as bebidas à boca sem perderem o fio ao que cada telefone lhes ditava.
Detesto silêncio. E fico angustiado quando vejo mesas recheadas de pessoas que não falam. Tenho sempre a tentação de lá ir para quebrar o gelo e dar início ao tema. Um qualquer. Encho chouriços como poucos e nem vou ao “diz que vai chover”.
Ao lado destes miúdos estavam uns velhotes, 7 ou 8, que falavam tão alto que todos acabamos a viver aquelas histórias. E riam. Abraçavam-se. Eram da geração que não nos atende o telemóvel quando ligamos com a justificação de que “aquilo não tocou”.
E fazem muito bem.
Generalizar é camisola que não me assenta mas tenho a sensação que a “geração ecrã” se vai tornando extraordinariamente desinteressante. Putos que já não sabiam conviver em 2019 e que, no fim destes confinamentos, parecem entrar num zoológico de cada vez que iniciam uma conversa.
E sabem pouco, sabem tão pouco. Com a cabeça enfiada nos telefones, nem aí aproveitam para abrir o Google e aprender qualquer coisa na imensidão do silêncio.
Mas posso estar enganado.
Levantaram-se e seguiram, calados, para outro sítio qualquer. Fiquei aliviado. O mar voltou a fazer barulho e a vergonha alheia desapareceu.
Como é que se pode ter o mundo no bolso e ser tão desinteressante e desinteressado? Coisas que não percebo mas que atrapalham a digestão do arroz a quem, acrescente-se, algum sal e coentro, não teriam magoado.
Volto a bater as pernas na tentativa de libertar alguma da poncha. E do arroz. Ainda nem tinha aquecido as juntas quando passo na esplanada do pizza hut. Vejo, o exacto momento em que os meus 6 novos amigos colocam a mão no bolso e, numa precisão olímpica e ritmada, arrumam os telefones.
Estavam as pizzas a chegar e a sofreguidão fez-me perceber o seguinte: o ecrã dá fome e, apesar de serem antisociais, os putos comem pizza de garfo e faca.
Paula Bobone aprovou. Marco Bellini não.
Eu fiquei apenas curioso para saber de que falariam e quantos tinham escolhido ananás.
![May be an image of outdoors and monument](https://scontent.fpdl1-1.fna.fbcdn.net/v/t1.6435-9/218498020_10159311865942836_6529667445883449094_n.jpg?_nc_cat=110&ccb=1-3&_nc_sid=8bfeb9&_nc_ohc=dXJ73LOpJRkAX-aA57D&_nc_ht=scontent.fpdl1-1.fna&oh=d66c72566d0ebf3fe0df2fc7791a204a&oe=6120DB2E)
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- Ricardo SoaresJá agora, e porque estás na Madeira, experimenta o Restaurante Pipa. Fica no Porto da Cruz. Tens peixe, mariscos, poncha, hospitalidade, praia de areia, piscina natural, paisagem deslumbrante e zona de surf à distância de 50 metros.