morte na Antártida

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AVENTURA FATÍDICA – “O INFERNO É UM LUGAR FRIO”
“O Inferno é um lugar frio”. A história de Henry Worsley rumo ao coração antártico. Em 2015, ao completar 55 anos, o britânico Henry Worsley iniciou uma viagem dramática, a de atravessar a pé, sozinho, a Antártida. Worsley repetia os passos de Ernest Shackleton, explorador do século XIX. David Grann relata esta aventura no livro A Escuridão Branca. Nele, o Polo Sul assume a sua configuração geográfica e psicológica.
No trenó que o levaria ao objetivo primeiro, o de atravessar sozinha a Antártida, Worsley levava inscritas palavras endereçadas pela sua mulher: “volta para mim são e salvo, meu querido”. Não voltou.
Jorge Andrade
11 Setembro 2023 – DN
No dia em que enveredou o olhar nas páginas do livro de 1909 The Heart of the Antarctic e endereçou a leitura ao continente gelado, o jovem Henry Worsley, então com 13 anos, assumiu um caminho, o de fazer da sua vida um perpétuo regresso, físico e psicológico, ao Polo Sul, território a 14 mil Km de casa, no Reino Unido. Nas quatro décadas seguintes, até 2016, o oficial do exército britânico ergueu um monumento pessoal, feito de idolatria e reverência, à existência de Ernest Shackleton, autor do livro citado, explorador polar e figura cimeira da Idade Heroica da Exploração da Antártida, no século XIX, início da centúria seguinte. Worsley almejou, no século XXI, fechar o ciclo iniciado por Shackleton perto de cem anos antes, na sua expedição Nimrod, o de alcançar o Polo Sul. Procurou fazê-lo num percurso que foi de homenagem e de provação, o de atravessar a Antártida a pé sozinho, sem equipa de apoio, aos 55 anos de idade, a arrojar um trenó carregado com 150 Kg e sob “uma bruma escarlate a colorir de neve o caminho”. A expressão verte do livro de David Grann, jornalista da revista norte-americana The New Yorker, autor de A Escuridão Branca, obra que tem no subtítulo a chave que descodifica o périplo tecido em perto de 150 páginas: No coração da Antártida. Uma história sobre coragem, obsessão e amor.
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“O Inferno é um lugar frio”. A história de Henry Worsley rumo ao coração antártico
Editado em Portugal pela Quetzal (coleção Terra Incógnita), o livro de Grann (autor, entre outros títulos, de Assassinos da Lua das Flores e A Cidade Perdida de Z) narra a dois tempos o percurso de dois homens, um dos séculos XIX/XX – Ernest Shackleton -, outro do século XX/XXI – Henry Worsley -, tomados por uma espécie de atração fatal enredada no magnetismo do Polo Sul. No trenó da viagem rumo ao seu destino final, Worsley levava inscrita a frase “Sempre um pouco mais longe” (“Always a little further: it may be”), cunhada dos versos de 1913 de The Golden Journey to Samarkand, do poeta britânico James Elroy Flecker, como nos recorda David Grann no seu livro.
Worsley, nascido na cidade de Londres em 1960 olhava para um horizonte longínquo. Filho de Richard Worsley, combatente da Segunda Guerra Mundial, Intendente-Geral do exército britânico em 1979, para Henry “o seu pai parecia muitas vezes uma força bíblica: imponente, venerado, eminente, mas ausente”, escreve Grann. Henry, franzino, encontrou consolo no desporto e nas longas caminhadas nos bosques e prados próximos ao colégio interno que frequentava, em Kent. Embora ansiasse pelas grandes extensões polares, Henry Worsley enveredou pela carreira militar. Em 1978, alistou-se no Exército. Amiúde revisitava as histórias de Shackleton: “fiquei espantado com os níveis extraordinários de sofrimento que estes homens estavam preparados para suportar”, escreveu no livro que assinou em 2011, In Shackleton”s Footsteps. Um caminho de sofrimento que Worsley levou para o comando em combate, “renunciando aos privilégios da hierarquia no Exército”. Em 1988, então como capitão, foi atraído para os Serviços Aéreos Especiais (SAS). Na recruta, sobreviveu uma semana numa selva do Brunei, enquanto eludia uma equipa de soldados prontos a “caçá-lo”. Nos anos seguintes, Henry acumulou missões no estrangeiro e conquistou a admiração dos homens que comandava, assim como os afetos de uma mulher, Joanna, que desposaria em 1993 e com quem teria dois filhos, Max e Alicia.
Na sua vida civil, Henry Worsley passava horas em antiquários e leiloeiras. A sua “Schackletonia”, como se lhe referia, levava-o à aquisição de livros e fotografias autografadas do seu herói, diários, correspondência e toda a memorabília ao seu alcance. A vida de Worsley conjurava para o caminho antártico que tomaria a partir do início do século XXI. Em 2003, visitou com a mulher o túmulo de Ernest Shackleton na paisagem desolada da setentrional ilha Geórgia do Sul. Em 2004, uma chamada telefónica alterou definitivamente a condição de Worsley, de oficial do exército para a de explorador antártico. Alexandra Shackleton, neta do explorador do século XIX, contactou Henry e pô-lo em contacto com Will Gow, sobrinho-neto do herói britânico. Nos anos seguintes, tal como nos narra David Grann, um trio de sonhadores composto por Worsley, Gow e Henry Adams, bisneto de Jameson Boyd Adams, comandante da expedição Nimrod, acalentou um projeto: completar a 9 de janeiro de 2009 o propósito não concretizado cem anos antes por Shackleton, o de alcançar o Polo Sul a pé. Empresa detalhada por David Grann em A Escuridão Branca.
Três anos volvidos, em 2012, Worsley, “um autêntico líder nato do caraças”, como era visto pelos seus companheiros de expedição, regressou à “casa” de Shackleton, a Antártida. Comandava uma equipa de seis soldados numa corrida ao longo das rotas originais de 1912 traçadas pelo capitão Scott e Roald Amundsen, ambos com um objetivo: alcançar o Polo Sul. Após 1400 Km de exaustão, Henry tornava-se a primeira pessoa a realizar com sucesso as rotas de Shackleton, Robert Falcon Scott e Amundsen.
David Grann faz dos últimos capítulos do seu livro, um percurso rumo ao desfecho conhecido da história de vida de Henry Worsley. Em 2015, o homem de “olhos azuis desconcertantemente firmes”, partia para a sua derradeira prova. Com o apoio do príncipe William, duque de Cambridge, e com a intensão de angariar fundos para a Endeavor Foundation, instituição de caridade para soldados feridos, Henry, então já reformado, apontou os seus passos para a travessia antártica em 80 dias.
Ao longo de semanas e a partir da sua tenda, o explorador transmitiu curtas mensagens de rádio para o Reino Unido. “Neste momento, sinto-me feliz por poder seguir em linha reta, mesmo ao longo de mais um dia de escuridão branca”, relatava Worsley então com duas semanas de viagem, como nos recorda David Grann. Tal como Ernest Shackleton, cem anos antes, Henry Worsley soçobraria ao esgotamento imposto pelo território antártico. O “Inferno é um lugar frio” escreve David Grann num dos capítulos do seu livro. Após 71 dias, 1469 Km de caminho cumpridos, acometido por exaustão e desidratação severas, o explorador pediu ajuda pelo rádio. Transportado de avião para Punta Arenas, no Chile, foi diagnosticado com peritonite bacteriana. Morreu a 24 de janeiro de 2016. No trenó que o levaria ao objetivo primeiro, o de atravessar sozinha a Antártida, Worsley levava inscritas palavras endereçadas pela sua mulher: “volta para mim são e salvo, meu querido”. Em dezembro de 2017, a sua família voou até à Ilha Geórgia do Sul para, aí, enterrar as cinzas de Henry.
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Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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