Views: 0
“Uma das características mais fortes de Rui Nabeiro é a sua generosidade”, José Luís Peixoto
O comendador Rui Nabeiro propôs-lhe a escrita das suas memórias – que acabou por ser um romance biográfico.
Como recebeu este convite?
No exato momento em que foi feito, deixou-me muito surpreendido. Posteriormente, começou a fazer-me muito sentido, por sermos os dois do Alentejo, por termos mais algumas coisas em comum, como uma grande dedicação à nossa terra. Ainda assim, vi logo o grande potencial que estava presente nessa possibilidade. Rui Nabeiro nasceu em 1931 e, como se sabe, tem uma história muitíssimo preenchida. Ter a oportunidade de conhecê-la a partir da sua própria boca, com os detalhes que a sua memória guarda foi algo que, logo nesse momento, me pareceu ser um grande privilégio e uma extraordinária oportunidade de escrita.
Como foi preparar este livro? Como e com que regularidade comunicavam? Tinham uma lista de temas definidos ou seguiam ao sabor das memórias? E a oportunidade de partilhar de um património de alguém que tem uma história que se confunde com a do país?
Comecei a preparar este livro em setembro de 2019. Numa primeira fase, li vários materiais que encontrei sobre Rui Nabeiro. Ao longo dos anos, deu muitas entrevistas longas, foram feitos múltiplos trabalhos jornalísticos. Essa matéria foi muito importante para definir algumas ideias essenciais sobre os contornos da sua vida. Depois, quando nos começámos a encontrar, tentei sempre que conversássemos sobre aqueles assuntos, cujas respostas só ele me poderia dar. Foram momentos em que viajámos nas suas lembranças, muito precisas quase sempre. Aos poucos, com a convivência, fomos ganhando confiança para entrar em temas pessoais que, em grande medida, me pareciam fundamentais para contar a história deste homem. Como se sabe, houve um período em que tivemos de interromper os encontros ao vivo, esse foi o período mais rigoroso da quarentena. Nessa época, chegámos a ter um encontro virtual, à distância, mas não era a mesma coisa. Então, interrompi o trabalho neste livro, tendo-o retomado um par de meses depois. Para mim, foi muito impactante ouvir estas memórias de Rui Nabeiro. De certa forma, transformaram-se também em memórias minhas.
“Ainda hoje, Rui Nabeiro não gosta de ser tratado por ‘rico’”. O José Luís Peixoto fala dos mitos que existem em torno do Comendador e que este livro pode ajudar a desmistificar.
Mais algum bom exemplo?
São várias as histórias que se contam. A maioria delas, mesmo que não sejam literais, têm um fundo de verdade, surgem de características que, de facto, Rui Nabeiro cultiva e que o fazem ser diferente. Ao escrever este romance, uma das minhas principais intenções era dar conta da sua dimensão humana. Nesse sentido, todo o ser humano é contrário a mitos. Por um lado, é claro que Rui Nabeiro é um rico muito diferente dos ricos mais comuns no Alentejo e, já agora, também no resto do país. Por outro, as suas histórias do contrabando, para dar apenas um exemplo, são lendárias, embora falem de um tempo bem real.
“Temos todos de pensar uns nos outros”, Comendador Rui Nabeiro. Que “lições” aprendeu (e podemos todos aprender) com este Homem de 90 anos?
Que histórias mais o surpreenderam?
Creio que o exemplo de Rui Nabeiro é muito marcante e deixa-nos a todos a refletir sobre o nosso papel na sociedade, de que forma contribuímos para o coletivo a que pertencemos. Uma das características reconhecidamente mais fortes de Rui Nabeiro é a sua generosidade. Pela minha parte, sinto que há uma imensa sabedoria nessa generosidade. Acredito que os 90 anos que cumpriu recentemente contribuem bastante para essa visão do mundo, essa clareza no discernimento que faz daquilo que é importante. Ainda assim, pelo que li e pelo que apreendi da oportunidade que tive de privar com ele, tenho a sensação de que sempre teve essas qualidades. No fundo, parece-me, esse é o grande segredo da sua vitalidade, distingue de forma muito objetiva aquilo que considera importante, e é a esses valores que se dedica completamente.
Foto: facebook José Luís Peixoto