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SEMANÁRIO “RECONQUISTA” / CATA-VENTOS – 29 jun 2023
“MISTER”: E SE FALÁSSEMOS PORTUGUÊS?
Manuel Costa Alves
“MISTER”. Não sei como os jogadores ingleses de futebol tratam o respetivo “coach”, isto é, o treinador que é, como sabemos, o mister [leia mistér] do “mister”. “Coach” designa coche, carruagem e, até, diz-me o dicionário, explicador. Registo: não chamam “coachman” (cocheiro) ao treinador; teria a sua lógica. E presumo que, no Reino Unido, não tratarão o “coach” por “mister”, como tratam qualquer Mister Brown que se apreste a indicar-nos, por exemplo, o caminho para o Museu de História Natural em Londres. Com tantas horas a chover futebol no molhado, nunca a querida televisão portuguesa interrogou os jogadores sobre esta forma de tratamento. Pelo contrário, só ouço e vejo o nosso jornalismo a dobrar a língua, reverentemente, ante a suserania anglófona.
“INFLUENCERS”. Na década de 1980 falávamos de “yuppies”: jovens, vultos engravatados, pastas pretas de executivos a luzir, átomos da classe média a chegarem-se à roda da alta. Surgiam do nevoeiro do novo liberalismo para serviços do poder e, como em todas as modas, gastaram-se. Agora, em quadro ainda mais atomizador, fala-se de “influencers” e nunca se traduzem à letra por influenciadores. Recomendam um produto ou serviço e são recompensados financeiramente quando alguém compra esse produto ou serviço utilizando a ligação digital proposta. Nem se comovem com a tão próxima identificação gráfica da origem latina de como se designam. Tratam a língua materna como uma língua menor usando a sua imagem de máscara anglófona. Enfim, mais areia sobre a areia dos olhos.
“PORTUGAL CHEESE FESTIVAL”. Era a Feira do Queijo de Alcains desde 2005. Foi promovida este ano a Festival do Queijo de Portugal. Registo que os organizadores terão resistido à tentação de mimar o Allgarve (que Deus tem) com um Allcains; seria inenarrável. Mas não resistiram à megalomania maior de transformar o certame no que não é: de Portugal? É obra! O programa anunciava conferências, expositores, gastronomia, concertos, um concurso e… “showcookings”. Não sei se foram espetáculos refogados por exibições gastronómicas, mas a provinciana manifestação de colonialidade anglófona é que não podia faltar. Convoco Alexandre O’Neill para certificar o meu lamento: “Ó Portugal, se fosses só três sílabas / de plástico, que era mais barato!”
BULLYING. É uma palavra horrível; pensada, dita, escrita e acima de tudo, praticada. Nem a um touro (“bull”) agradará. Pelo menos a um touro português. Nem à campina nem ao campino. Tourear pessoas já era dos meus tempos de faculdade em Coimbra, por conta de uma tal praxe que se multiplicou e anda por aí à solta com demónios de violentas humilhações apregoadas como sendo de receção e integração. Todo o ano com o cabelo rapado e, quando apanhado, cem vergastadas nas mãos com uma colher de pau. E livrei-me de touradas ainda mais humilhantes fazendo de morto. Em economia, dizem os dicionários, a língua inglesa também emprega “bull” para sinalizar o especulador que tenta provocar a alta dos preços. E ainda para designar disparate e, até, bula papal. E bully? Bully é para aplicar a fanfarrão, valentão, mandão, rufia e até a escaramuças no futebol. Entretanto, estas práticas tauro-humanas desceram as escadarias para, à sua maneira, se intrometerem nas escolas dos menores de idade. Dados da UNICEF asseguram que, em 2021, cerca de 46% dos jovens portugueses entre 13 e 15 anos afirmam ter sofrido ou ter estado envolvidos, de forma continuada, em situações de agressão verbal, física ou por outros meios.
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LER A MINHA CRÓNICA DE 2019 PAROLICE AÇORIANA SOBRE O MESMO TEMA..
https://blog.lusofonias.net/shuttle-ou-parolice-acoriana-em-3-atos286571-2/
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