Miranda do Douro e escatologia

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Se algum dos Amigos já foi a Miranda do Douro, algum natural da terra lhe deve ter apontado esta curiosidade, como direi?, semi-escatológica. Fica na Rua da Costanilha, a mais típica dessa espantosa cidade histórica que é Miranda do Douro, numa casa do séc. XIV com janelas geminadas no rés-do-chão e no piso superior. Trata-se certamente de uma mísula, ou seja, um suporte para vasos de flores. Mas um suporte para vasos pode ser simultaneamente uma provocação. Neste caso, uma provocação a Castela — o nosso arqui-inimigo de estimação desde o séc. XII, pelo menos —, sob a forma de um traseiro que lhe está apontado. Humor popular um tanto chocarreiro, convenhamos…
José Saramago, que viajou com vagar por esse Portugal fora, também esteve em Miranda do Douro, onde, cusco como era, esta singular mísula não lhe podia escapar. Escreve ele, na “Viagem a Portugal”: «Torna a subir a Costanilha, diverge para outras caladas e variadíssimas ruas, ninguém às janelas, e por falar em janelas, descobre sinais de velhos rancores voltados para Espanha, mísulas obscenas talhadas na boa pedra quatrocentista. Dá vontade de sorrir esta saudável escatologia que não teme ofender os olhos das crianças nem os aborrecidos defensores da moral.»
Se e quando algum dos Amigos visitar Miranda do Douro — e acreditem que vale a pena —, não se esqueça de ver ‘in loco’ este testemunho dos tais «velhos rancores de que fala Saramago.
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  • Cá pelas minhas bandas, ainda se ouve dizer que determinada pessoa «tem cara de cu». Já agora, também esta: «Olha, compra um cu e fala com ele!». Expressões mais ou menos fixas, através das quais um locutor manifesta desagrado e/ou desconsideração por …

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