memórias de timor por rui telo

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(continuando)

São Navio

O porto de Dili fervilhava de actividade. O Índia acabara de aportar e procedia-se à tarefa de amarração. Dezenas de Timorenses, timores, como lá era costume dizer-se, sempre cantando, puxavam o cabo de aço que por sua vez traria o forte cabo (corda) que amarraria o navio à grande árvore. Ele e outros oficiais, fardadinhos de branco, mal podiam esperar pelo fim das “manobras” para entrarem a bordo. De 6 em 6 meses, a chegada do navio vindo da Metrópole, era como que um cheiro das suas casas, que lhes chegava. Aproveitava-se para levar a jantar a bordo as pessoas com quem compartilhavam os tempos de “exílio forçado”. Elas e eles vestiam o que de melhor tinham e aproveitavam tudo até ao último pormenor. Além dos militares, de branco, também os civis vestiam os seus “smokings” ultramarinos de uma brancura alva. O Barco, para os seus companheiros, era uma visão antecipada do futuro que almejavam. Era dia de “São Navio”. O jantar corria como uma grande festa. A sala de refeições da 1.ª classe estava repleta. As mesas, bem ornamentadas, resplandeciam de etiqueta. Só o faqueiro, deixava estarrecidos os seus amigos que, normalmente, espreitavam pelo canto do olho qual o talher que deviam utilizar não fossem meter a pata na poça e cometerem erros que dessem a conhecer a sua ignorância da etiqueta. Ao fim do 1.º prato e alguns copos do belo vinho de Portugal, as línguas tornavam-se mais soltas e os constrangimentos passavam. A noite era sempre um sucesso. A volta para casa era alegre, mas ao mesmo tempo nostálgica. Seis meses teriam de se passar para repetir. No porão, os deportados, não estariam certamente com os mesmos problemas… muito mais de seis meses teriam de esperar para regressar…
No dia seguinte, Timor voltava à sua calma, pacatez e modo lento de vida. Nada naquela terra era inovador, nada mudava, nada se fazia pelas gentes, por ninguém… Mas a terra era linda e os amigos afáveis e carinhosos.