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Nota prévia: sabemos bem que a abertura do Hospital Modular (HM) corresponde a um esforço muito considerável de energia e disponibilidade de muitos profissionais associados à sua construção, montagem de uma multitude de equipamentos, desenho de circuitos e fluxos de doentes e profissionais, de formação em torno de novas tecnologias, de criação de equipas de trabalho, etc. Todo um conjunto de actividades e tarefas desempenhadas com entusiasmo e afinco de muitos profissionais do HDES. Está toda esta gente de parabéns. Entregaram-se sem reservas, com esforço e profissionalismo, acreditando que destes melhoramentos substanciais resultem melhores cuidados médicos e de enfermagem, melhores condições de estadia e conforto para os doentes nas horas que serão, para muitos deles e suas famílias, de enorme aflição, mas também de esperança. Desejo a todos os que lá trabalham a melhor sorte e engenho para o sucesso no desempenho das importantes funções a que estão acometidos. Será a sorte que TODOS os nossos concidadãos doentes merecem e que o Serviço Regional de Saúde precisa na sua tão afectada autoestima. “Meter o Rossio na Rua da Betesga” (ditado popular) Mas, o “Hospital Modular”… É um enorme e dispendioso anexo sem comunicações com o edifício mãe e que, por esta razão, se desenvolveu, conceptualmente, de forma não virtuosa. Não se integra funcionalmente no corpo do hospital principal, a sua criação não foi suportada por uma decisão técnica verdadeiramente fundamentada e, pelo contrário, resulta magistralmente de um artifício. Pela leitura do relatório produzido pela Comissão de Catástrofe HDES (Junho de 2024), caucionado politicamente pela Secretária Regional da Saúde nas condições dramáticas do pós-incêndio, percebe-se nele um conjunto enviesado de raciocínios e considerações. Em menos de 3 semanas após o incêndio a decisão de adquirir e montar um HM foi tomada. Foi, claramente, uma decisão com um pendor muito mais político do que técnico. A forçada complexidade do modelo adoptado assenta na decisão de não se querer, deliberadamente e no imediato, recuperar, recondicionar, as condições de trabalho de todas as zonas mais ou menos (ou nada), afectadas pelo fogo. E porquê? Porque se decidiu começar a remodelar o hospital por aquela ala situada mais a poente do edifício, perto da zona ardida, e que congrega várias das infra-estruturas vitais ao funcionamento desta unidade de saúde diferenciada. Teve na origem a extemporaneidade do projecto 3Rs do NOVO-HDES. Curiosamente, agora que se fala de Programas Funcionais para o NOVO-HDES, trazidos por equipas de projectistas profissionais para levar a cabo uma grande obra de reconstrução e ampliação do hospital, constata-se, ao contrário, que o Modular foi desenhado com um programa funcional caseiro, ampliado ao sabor e ao toque de alarmes de riscos operacionais e funcionais futuros, adivinhados uns outros (ainda) não. Arruma de forma concentrada todo um vasto e importante sector do edifício do HDES, não por ser necessário que contivesse todas aquelas valências para funcionar como anexo, mas por razões de natureza e risco (in)operacional determinado pela escala de infraestruturas a nele meter (…o Rossio na Rua da Betesga). Tornou-se evidente que a causa deste escalar de complexidade e despesa foi politicamente motivada pela decisão de arrancar o quanto antes com “a grande e estrutural obra do NOVO HDES para os próximos 30-50 anos” (sic). Decisão precipitada e mal preparada, porque decidida no clima emocional dos dias seguintes à súbita e inesperada desgraça do incêndio, oportunisticamente tomada na ilusão do “vai haver dinheiro” (que não houve antes, em abono da verdade), para remodelar sectores vitais do hospital, como sejam, à cabeça, o Serviço de Urgência, mas também o Bloco operatório (BO), a Unidade de Cuidados Intensivos e o Bloco de partos: por arrasto, a Unidade de Neonatologia e um conjunto de enfermarias que totalizam mais de 200 camas. Começou-se por dizer, e justificar esta opção, “porque era uma obra de rápida realização” – em “Agosto a primeira fase estará concluída”: depois era em Setembro, depois era em Dezembro; até agora. Disse-se que custaria 12 milhões de euros (s/IVA) e já vai em mais de 30 milhões. Justificou-se a pressa de avançar por esta solução por causa da necessidade de dar resposta a um possível risco de aumento de pressão de procura de cuidados relacionados com a concentração de massas da época alta do Turismo e dos Festivais de música na ilha de S. Miguel. Tudo argumentos inconsequentes e dissimulados. E a afirmação mais delirante ainda foi dizer-se, no afã da assunção da estratégia 3Rs, que era este o caminho escolhido porque os peritos afirmaram que desta forma a “despesa ficará mais barata 40%” (sic) em relação aos custos da edificação de uma estrutura hospitalar nova, de raiz!! E mais rapidamente executada e finalizada (“vai ainda a procissão no adro…”). Tudo isto foi decidido fazer-se ao mesmo tempo num critério de oportunidade muitíssimo duvidoso pois podia antecipar-se, com enorme previsibilidade, os negativos impactos funcionais e assistenciais que esta opção levantava e que tem durado até agora, nove meses depois do infausto acontecimento. Desde logo sobre os doentes e os profissionais. Há aqui uma frieza de decisão técnica e política que impressiona na sua insensibilidade, embora justificada pelos seus protagonistas como de grande visão e alcance estratégico para o futuro dos cuidados de saúde da ilha e da Região. Poderia ter sido tomada – admito como oportuna decisão – a construção de uma estrutura transitória de alojamento a um Serviço de Urgência (SU) de substituição enquanto decorressem as obras de reabilitação/ redimensionamento do existente. Não no local escolhido para o HM, mas no espaço adjacente ao edifício principal e a ele ligado. Permitindo as condições logísticas, de espaço e de tempo, suficientes para as obras de renovação do SU do edifício principal, ao tempo necessitado, de facto, de uma intervenção mais profunda e estruturante. A renovação do BO poderia ter sido feita por fases, procurando diminuir o impacto sobre o défice global de salas disponíveis: ao que sabemos o hospital decresce de 9 (6+2+1) salas para 2 no “velho” BO (!!??) e mais 2, apenas, no Modular, sendo que uma destas é para estar afectada permanentemente à cirurgia de casos urgentes e emergentes. E a enfermaria do Modular só possui 62 camas de internamento médico-cirúrgico. Antes estavam disponíveis naquela ala poente cerca de 200. Todo este tempo decorrido teria sido mais que suficiente para reabilitar a totalidade das salas de BO, tão necessitadas para atacar todo o atraso de cirurgias em espera. Como vai ser possível manter a produtividade do HDES sequer ao nível prévio ao incêncio? E há ainda quem pretenda fazer-nos acreditar em “recuperação da Lista de Espera” neste contexto (“com papas e bolos se enganam os tolos”). Como outros exemplos paradigmáticos de erros de concepção deste Modular, citaremos os casos: – aquisição desnecessária de todo o equipamento de imagiologia que agora se exibe triunfalmente como “sendo de top, servido de IA, do melhor a nacional e europeu…”, apreçado em mais de 2 milhões de euros, quando existia já, suficiente e tão bom, equipamento disponível no corpo do edifício principal: aliás, estou em crer que o facto de existir esta duplicação de meios (deve ser o único hospital desta dimensão no País com 3 TACs e 2 RMs!!) vai criar ao Serviço de Imagiologia dificuldades de gestão e, muito provavelmente, de subaproveitamento dos equipamentos (“não há fome que não dê em fartura”); – a necessidade permanente de utilização de uma minifrota (6) de carrinhas alugadas ao dia para transporte de bens e serviços de diversa ordem que só existem no edifício central (material de esterilização, de farmácia, de rouparia, etc); – uma estrutura de transporte móvel de doentes, críticos e não críticos, entre o HM-Corpo do HDES, e vice-versa, com uma (duas?) ambulâncias de sofisticado equipamento, em disponibilidade permanente de 24h/365 dias ano, e respectivos recursos humanos especializados (que não vão ser poucos nem baratos). Enfim, exemplos que simbolicamente expõem, as reais debilidades desta solução do HM. É altura das Comissões de Inquérito parlamentar que se anunciam poderem responder e esclarecer este e outros conjuntos de questões. Os açorianos agradecem e o bom nome do SRS merece. *Médico e ex-Director do Serviço de Reumatologia do HDES G
Diario Açores 14/02/2025
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