MARTINS GOULART OS VARADOUROS DO PICO

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DESRESPEITO PELA HISTÓRIA E PELA CULTURA DE UM POVO
Não conheço o projecto da “obra” em curso no porto do Calhau, mas, pelo andar da carroça, temo que o último varadouro da fronteira do Pico tenha o mesmo destino dos destruídos ancestrais varadouros que durante séculos existiram tanto na vila da Madalena como na Areia Larga. Ou seja, a sua iminente inutilização.
Há poucos anos, perante uma obra mal concebida e pior executada, o povo do Monte uniu-se, organizou-se, lançou um “SOS” e, contra ventos e marés, conseguiu evitar o pior, “salvando”, na medida do ainda possível, a zona balnear do Pocinho.
Hoje, procuro e não encontro provas do poder protestativo do povo do Monte, agora que gente sem tino decidiu destruir o histórico varadouro do porto do Calhau, entulhando-o e construindo um pontão de betão completamente desalinhado relativamente àquele que outrora permitira a manobra de varagem segura dos “Barcos do Pico” e de dezenas de barcos de pesca, para além de servir de quebra-mar da zona interior do velho porto.
Procuro e nada encontro. Nem ouço uma única voz de protesto!
Qual a razão de tão ruidoso silêncio?
Não me importo de ser único a protestar.
Todavia, o meu isolado protesto levanta uma questão que me toca muito de perto:
Valerá a pena embarcar na aventura de reconstruir o “Santo António do Monte”, para dar alma àquele que foi o segundo porto mais importante da fronteira do Pico?
Este povo honrado que conheci como sendo destemido, descendente dos “lobos do mar” que tripularam o “Boa Fé”, o “Capricho”, o “Caridade” e o “Santo António”, contenta-se com a tosca e mal pensada construção de mais uma zona balnear, armada em betão, apenas para uso sazonal e praticamente exclusivo dos utentes de um complexo privado ainda em fase de construção, feita à custa da destruição de um importante marco histórico? Esse investimento público não deveria ter sido aplicado para garantir melhores condições de operacionalidade da infraestrutura portuária que preferiram inutilizar?
Será que a geração mais jovem do lugar do Monte, ela também descendente dessa gente corajosa que enfrentou e venceu ciclones e mares revoltos, está-se “nas tintas” se forem expulsos da “plataforma do bronze” aqueles que continuariam a fazer o uso normal do porto, nomeadamente os pescadores de pesca lúdica que, devido à excelente localização do porto, continuaria a desempenhar a importante função de apoio a largas dezenas embarcações de toda a fronteira do Pico?
Perante tamanho desinteresse, a par de um inqualificável desrespeito pela cultura e a história de um Povo, heroicamente enraizada no mar – e do qual me orgulho de ser descendente – sinto-me profundamente humilhado e ofendido.
A indiferença dos que há muito deveriam ter reclamado contra mais um atentado perpetrado deste lado do Canal, alicerçado na força dos habituais argumentos do betão, convida a gentinha inculta e incompetente que, sem oposição, garante continuidade ao desgoverno regional que nos oprime há mais de duas décadas, a prosseguir a política de desinvestimento na conservação e na recuperação do nosso degradado património cultural construído.
Lamentavelmente, a atual “casta” de políticos mal formados – ressalvando raríssimas exceções – já há muito percebeu que o nosso Zé Povinho se contenta com subsídios, ofertas de sacos de cimento e de areia mal lavada, celebradas em folguedos estivais banhados de cervejolas. Feito esse pequeno investimento circense, e, sem qualquer pejo, são peritos em violar a torto e direito a nobre regra do primado da defesa do interesse público, porque sabem que podem continuar a satisfazer os interesses da sua principal clientela privada, com total impunidade, que goza com isto tudo porque nada a impede de continuar a acumular gordos lucros à custa do erário público.
Há poucos dias, na cerimónia inaugural do 189º aniversário da elevação da Vila da Horta a cidade, alguém perguntou ao Dr. Jaime Gama como avaliava o impacto do atual modelo de desenvolvimento turístico dos Açores. Assumo a responsabilidade de resumir, numa simples frase, a sábia resposta do amigo de longa data e um apaixonado pela sua terra natal: não permitam que estraguem as nossas ilhas!
A prova está à vista de que o apelo feito cairá, uma vez mais, em ouvidos mocos.
Pode ser uma imagem de ao ar livre
Humberto Victor Moura and 49 others
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