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Na preguiça matinal do café local os habituais frequentadores desabafam sobre o verão que não parece verão, a primavera que mais pareceu outono; do outro lado da ilha, à saída do minimercado duas comadres cumprimentam-se e conversam sobre a carestia de vida, perguntam pela famílias e terminam com o estado do tempo que já ninguém entende. À noite, antes das notícias na televisão, a senhora da meteorologia anuncia, sem entusiasmo, as temperaturas máximas e mínimas, o estado do mar, o vento que soprará fresco de um quadrante qualquer e a água do mar que estará fria.
Alheio a tudo isto, o senhor Manuel vai trabalhando, com o seu canivete, um pedaço de madeira que no final se transformará num barquito de boca aberta para alegria do seu neto. Manuel olha o mar, sente a aragem no rosto marcado por rugas de uma vida que já viu verões quentes, invernos duros, e que agora percebe que já nada era como antes. O clima está a mudar. O senhor Manuel desconhece a razão, tal como desconhece os modelos teóricos que os cientistas desenham para tentar compreender os comportamentos e evoluções climáticas do planeta Terra; isso nada diz ao senhor Manuel que não precisa de modelos para confirmar o que os seus já quase 90 anos lhe dizem: isto já não é como antigamente. O neto do senhor Manuel irá herdar um planeta muito diferente do que o seu avô herdou. Um planeta tecnológico, um mundo global, uma população mais consumista, mais poluidora, mas também mais informada, sabedora do impacto que as suas ações têm sobre o ambiente, sobre o clima, sobre o mar. Resta saber se a geração do neto do senhor Manuel será mais responsável, consciente e ativa na defesa do único planeta que temos, por muito que o homem da Tesla nos queira levar para Marte.
Esta semana, Portugal recebe a Conferência dos Oceanos, um encontro internacional sob o lema “Salvar os oceanos, preservar o Futuro”. Deste encontro, promovido pelas Nações Unidas, sairá a “Declaração de Lisboa” que deverá definir os princípios basilares para a preservação dos oceanos.
Uma Conferência onde vão estar representantes ao mais alto nível dos 193 estados-membros da ONU e que se deseja invadida pelo bom senso e não pela gula económica de quem já tendo delapidado os recursos terrestres se vire agora para os fundos marinhos com tentáculos de aço. A linha vital do planeta está cada vez mais ténue e vai caber à geração do neto do senhor Manuel decidir se salvamos a Terra ou a condenamos a entrar num caminho de destruição sem retorno.
(Paulo Simões – Açoriano Oriental de 26.06.2022)
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