Macau, quinze anos depois

Macau, quinze anos depois
30 Dec, 2014

João Figueira

João Figueira *

Poucos locais no mundo mudaram tanto em tão pouco tempo, como Macau. Em Dezembro de 1999, fez há pouco mais de uma semana 15 anos, tive o privilégio de aqui estar para fazer a reportagem da transferência do Território para a RPC. Foram 10 dias de intenso trabalho, alguns reencontros agradáveis, mas também alguns abraços que ficaram por dar, devido à apertada agenda e sobrecarregado caderno de encargos jornalísticos que havia que cumprir. No meu (ainda que fugaz) regresso a uma cidade que conhecia bem e onde fora feliz tinha diariamente que escrever para o Diário de Notícias – que aqui me tinha enviado, para depois seguir com o então Presidente Sampaio para Banguecoque e Timor – várias peças sobre o pulsar de Macau, das suas gentes e dos formalismos e atos públicos que constituiriam os momentos-chave dessa transição. Reportagens que muito beneficiaram do olhar atento de Leonardo Negrão, um dos melhores foto-jornalistas com que trabalhei.

Na manhã a seguir à minha chegada nocturna da véspera, liguei a um velho amigo e camarada da RTP, Carlos Daniel, para ver se daria para nos encontrarmos. Por uma coincidência de agendas, ambos tínhamos, ainda, disponível, a hora de almoço. Eu estava na zona da TDM (Rádio) e ele próximo do Forum, mas com dificuldades de orientação na cidade. Sugeri o restaurante do Mandarim, que ficaria a igual distância dos dois e com a vantagem de ser perto. Era assim, em 1992, quando saí de Macau…

Sete anos depois perdi-me no trajecto entre a TDM e o local que a minha memória guardava sobre a localização do Mandarim. Onde antes as paredes do hotel estavam junto à água do rio das Pérolas, havia agora um imenso quarteirão de novos prédios e ruas – uma cidade inteira desconhecida, completamente nova, um milagre da engenharia e do tempo.

Nunca mais esqueci este episódio e, quando alguém que nunca esteve em Macau me pergunta como é, eu nunca deixo de o contar. Em sete anos uma cidade mudar assim de fisionomia é um caso raro, único, um case study. Depois de 1999 continuei a visitar regularmente o Território e a perceber-lhe as mudanças. Mas jamais elas foram – ou serão, arrisco dizer – tão profundas como naquele curto período entre 1992-1999. Daí nunca mais me ter perdido na cidade, não obstante reconhecer que também a Taipa viu a sua fisionomia profundamente alterada.

Retenho ainda desse Dezembro de 1999 as frases escritas em cantonense (“Ou Mun seng wui”) a dizerem-nos que “Macau está em festa”, apesar das reticências que também fui ouvindo aos muitos cidadãos, sobretudo chineses – porque eram esses que mais me interessava escutar, mesmo que através da inestimável ajuda da minha incansável amiga Loli Machado que, na Areia Preta ou em sítios mais finos, traduzia perguntas e respostas, quando o cantonense era a única hipótese de comunicação.

Quinze anos depois, reparo que no meio de tanta dinâmica e néon há duas coisas que não mudaram: as dificuldades de comunicação e a dependência de Macau face a essa monocultura chamada jogo. Um dia, quando acompanhava um amigo que estava de passagem por Macau vejo-o fixar atentamente as ruínas de São Paulo e, pouco depois, dizer-me algo que também nunca mais esqueci: – “eis a melhor metáfora sobre Macau. É só fachada”.

Tantos anos passados e tantos milhares de milhões de dólares angariados pelo jogo (que agora vive dias de menor entusiasmo) aquilo que os néons, as lojas de luxo dos hotéis e casinos, a inflação galopante no imobiliário, os taxistas que se recusam a transportar passageiros e as aparências que sobressaem do vistoso skyline de Macau, não serão muito mais que numa enorme e enganosa fachada.

Assim sendo, há que emendar a frase inicial desta crónica: Talvez nenhuma cidade tenha crescido tanto em tão pouco tempo, sem que tenha mudado tão pouco.

  • Professor de Jornalismo na Universidade de Coimbra e ex-residente em Macau.
    31 Dec 2014
    http://jtm.com.mo/opiniao/macau-quinze-anos-depois/
    Edição de papel actualizada às 16H de Macau
    17 Nov 2014
    SUPLEMENTO
    17 Nov 2014

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