Luís Filipe Sarmento

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O mito é um conforto intelectual primitivo. As causas longínquas diabolizam, por vezes, o continente efémero do presente. Negá-las é uma prova de existência no plano futuro, o que é, a olho nu, uma contradição. O que resta depois da usurpação das vozes? Viajar no presente em contramão, ironizando passado e destino. Tudo para chegar ao minuto seguinte. E esperar que o próximo atomize a subconsciência imagética e navegue um texto imponderável, por vezes insultuoso à leitura de quem segue a continuidade do previsto. Sem qualquer intenção no seu horizonte, apenas surpreendente no seu contrassenso datado e provável exemplo detonante de um impraticável futuro aos sentidos de quem nega a imprevisibilidade do que irá suceder num potencial equilíbrio instável da dinâmica existencial. Por temor à febre a que são propensos. O desigual provoca sempre calafrios e isso não é nada aconselhável para o conforto dos netos dos proxenetas sociais que a história registou com a grandeza da insuficiência, com a conspurcação da simplicidade, com a usurpação criminosa de bens alheios. Estes accionistas do mundo, na infâmia do seu silêncio organizado, lançam para o mercado da traficância de sonhos produtos de denominador comum, enganadores, insultuosos, pornográficos a que não escapam bebés, mágicos, traficantes, pequenos heróis da inexistência, padeiros, negociantes de gás, vampes, tatuadores, pais e rapazes, bibliotecárias, gémeas e gémeos, cartas perdidas, sonatas, voluntários, carteiros, bailarinas, canções, estações terminais, fotógrafos, instrumentos musicais, plagiadores. Já ninguém mora em Auschwitz. Os que lá moraram não escaparam à destruição do crime nazi. Os seus espíritos que por lá deambulariam não escapam, hoje, ao despejo assediados pelo ditirambo narrativo de uma moda perversa que explora despudoradamente a memória horrenda do holocausto através de ficções criminais em série de gosto dúbio para gáudio de repetidores, plagiadores, transferidores, publicistas ao serviço da sinistra rede de comunicação controlada pelos accionistas do mal. O grau zero da autenticidade criativa na sua plenitude diabólica ao serviço da espoliação dos incautos à vil propaganda do proxenetismo.
Luís Filipe Sarmento

, «Rouge – Éclatant», 2020

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Isabel Nolasco
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