LIBERALISMO E NEOLIBERALISMO. ESCLARECENDO A RELAÇÃO ENTRE ELES Alexandre Banhos.

LIBERALISMO E NEOLIBERALISMO.

ESCLARECENDO A RELAÇÃO ENTRE ELES

 

Alexandre Banhos.

 

Como apurado exemplo explicativo, dizer, que o liberalismo é ao neoliberalismo, como o conservadorismo e ao fascismo, como a seguir direi.

 

 

Que é o liberalismoi.-

 

O liberalismo é uma doutrina filosófica, social e política, que tem as suas raízes num acúmulo de fatos e posicionamentos que se produzem ao longo do tempo.

O liberalismo alimentou-se em primeiro lugar, da reforma protestante, que colocou a semente para o livre pensamento, sem este ser dirigido.

Em segundo lugar da revolução filosófica, que se desenvolveu nos séculos XVII e XVIII e que encetou um Espinosa (cuja língua familiar era a nossa), e um Hobbes, Locke, Descartes, Kant, Rousseau e Voltaire.

Podemos dizer que as suas primeiras raízes políticas têm lugar na Gloriosa Revolução britânica de 1688, e eclosionaram logo na revolução francesa de 1789.

 

Ainda que a expressão e afirmação liberal com toda a sua força de ação social e política não se produz e consagra até o século XIX.

 

Do liberalismo nasce tudo. Os posicionamentos socialistas e comunistas nasceram como uma radicalização do pensamento liberal.

 

O liberalismo era contrastivo frente ao pensamento conservador, ele também legítimo. Eram as posições de esquerda frente às de direita numa simplificação. Nos países anglosaxónicos, as pessoas de esquerda seguem a ser chamadas de liberais.

 

 

Que carateriza ao liberalismo.-

 

O Liberalismo vem de liberdade. Liberal é o que defende a liberdade, a começar pola liberdade de pensamento frente o direito divino do monarca; a secularização frente ao estado confessional; a igualdade frente aos privilégios hereditários etc;

Frente a economia estamental pré-capitalista, o liberalismo defende a liberdade económica, a iniciativa, o livre mercado e o livre comércio. O liberalismo adotou-se como uma maravilhosa luva ao nascente capitalismo, mas também tinha a semente para que as críticas mais potentes contra este, nascessem dentro do movimento liberal.

 

O liberalismo é o leito no que se geraram a democracia e as liberdades civis, o sistema parlamentar, as liberdade do indivíduo etc. Em muitos países o liberalismo identifica-se com o estado de políticas de bem-estar, verbi gratia o Japão. Não existiria democracia no mundo se não existir o pensamento liberal.

 

O liberalismo é muito plural mas há uma série de questões que são gerais: Direitos individuais, é dizer os direitos civis (liberdade de imprensa, e de expressão) e os modernos direitos humanos, e direitos linguísticos, secularismo do estado e liberdade religiosa (de pensamento) dos indivíduos; liberdade económica, e dizer liberdade de iniciativa e de empresa.

 

E uma visão do estado como um fator poderoso, mas que pode ser uma ameaça, e que de facto o é em muitos casos; e pois logo, o liberalismo concebe o estado como elemento a ser limitado e controlado, e onde o bom equilíbrio entre os três poderes, legislativo, executivo e judiciário, garantem um bom funcionamento, e um travamento eficaz, para que nenhum dos poderes se possa sobrepor aos outros.

 

Na última década do século XIX e começo do século XX o liberalismo divide-se de forma clara entre liberais e liberais radicais ou socialistas.

 

Os liberais radicais, são aqueles para os que as liberdade individuais, tem que estar num quadro de fraternidade e de igualdade consequente.

 

E os liberais clássicos aqueles para os que a iniciativa individual e a liberdade da pessoa em todos os campos é o elemento principal, e isso está por cima das diferenças que a ”livre escolha” da lugar entre os indivíduos. E a intervenção corretora nunca pode pôr em questão as liberdades.

 

Os liberais radicais acabaram modificando a visão do estado, que passa a ser o único elemento fulcral para que a igualdade e a fraternidade possa ser levada de jeito efetivo à prática, dando lugar ao nascimento dos movimentos socialista e comunista, nas suas mais diversas gradações.

 

 

Que é o neoliberalismo.

 

Ainda que o termo neoliberal tenha sido usado várias vezes na história, o seu significado naqueles momentos, nada tinha a ver com o uso que modernamente o consagrou.

 

Podemos dizer que o moderno neoliberalismo nasce na poderosa escola de Chicago sob a direção do professor Milton Friedman, nos anos sessenta.

 

Os regimes liberais sofreram um grande golpe com a depressão nascida após a grande crise económica de 1929. O estado liberal deixou de facto de funcionar. E frente a crise apareceram os estados totalitários, fascistas, nazistas etc, e por outro lado a proposta americana de welfare state. Franklin Roosevelt chegou à presidência em 1934, e em 1935 lançou a lei de Social Security Act, onde se colocam os alicerces do estado de bem-estar. Mas a recuperação nos USA não se produziu de jeito total até que a segunda guerra mundial e a mobilização de recursos, a colocaram de novo nos trilhos.

 

Milton Friedman dedicou toda a sua vida professoral à pesquisa sobre a depressão económica de 1929, e da análise da mesma, tirou os alicerces para a construção da sua peculiar teoria económica (neoliberal).

Ele desenvolveu uma potentíssima teoria económica. Começou como mais um economista liberal, porém a sua teoria económica é muito potente[i][ii].

Ele escreveu muitíssimo e teve inúmeros discípulos, ele como professor não ensinava economia, ensinava uma nova teoria da “liberdade económica”, O que Bourdieu chama de mito Walrasiano: “Esta teoria tutelar é uma obra de pura ficção matemática, fundada, desde o princípio, numa formidável abstração: essa que, em nome de uma conceção tão estreita como estrita da racionalidade identificada à racionalidade individual, consiste em pôr entre parêntesis as condições

económicas e sociais das disposições racionais e das estruturas económicas e sociais que são a condição de seu exercício.

Para compreender o tamanho desta omissão, basta pensar no sistema de ensino, que nunca é considerado enquanto tal num momento em que possui um papel determinante na produção de bens e serviços, assim como na produção dos produtores. Deste pecado original, inscrito no mito

walrasiano[i] da “teoria pura”, brotam todas as falhas e deficiências da disciplina económica, e a fatal obstinação com a qual ela se apega à oposição arbitrária, que ela mesma faz existir, por sua própria existência, entre a lógica propriamente económica, fundada na concorrência e portadora da eficiência, e a lógica social, submetida à regra da igualdade”.

 

É um pouco como a teoria marxista desenvolvida por Karl Marx, que os seus epígonos apresentaram como um determinismo económico; e das suas análises tirava-se a construção de um mito, a sociedade comunista, que como toda teoria “pura”quando ele se leva a prática, parece funcionar só se existir uma enorme força coativa e compulsória sobre as pessoas.

 

No mito neoliberal passa-se o mesmo, tem tanta força a teoria, que ao perceber tudo como entraves a teoria, só pode funcionar sob condições fortemente autoritárias e coativas. É ao ser profundamente arrasadora “do social” com tudo o que o acompanha, faz que seja abraçada por neo-evangelistas pentecostalistas, católicos reacionários como a liderança de Vox, 13 tv e por todo aquele, que quer destruir todo rascunho de liberdade, é dizer o novo neofascismo[iii].

 

O primeiro estado do mundo onde a ideologia neoliberal triunfou, foi no Chile da ditadura do general Pinochet, que adotou essa ideologia política após a violenta carnificina do golpe militar de 11 de setembro de 1973. No mundo ocidental começou a botar raízes a fins dos anos 70 do século passado, e consagrou-se com os governos de R. Reagan e M.Thatcher nos Estados Unidos de América e no Reino Unido, respetivamente. A sua penetração foi muito forte no mundo ocidental, sobretudo nos Estados Unidosii, e no latinoamericano; e muito fraca no mundo asiático. Os resultados estão à vista, Ásia liderará o planeta do futuro.

 

Que carateriza ao neoliberalismo.

 

O liberalismo era um canto à liberdade…em todos os campos. O neoliberalismo, é pura teoria económica, produzindo de vez uma rutura entre a economia e as realidades sociaisiii. Toda ação humana é percebida como um problema para a lógica do mercado puro, as liberdades interferem com o mercado. Pierre Bourdieu definiu o neoliberalismo como um programa de destruição metódica do coletivo.

 

Nos anos 60-70 do século passado apareceu nos USA o movimento neoconservador, um movimento que queria enfrentar a modernidade, e até se diria que em matéria social e ética, estava muito além do que estavam os movimentos conservadores, diria-se que eles em realidade sonhavam, com uma sociedade cristã como a norte América do século XIX, que percebiam idílica, e uns USA militarmente senhores intocáveis do mundo.

 

O movimento neoconservador em seguida percebeu que o neoliberalismo era a melhor alavanca destruidora da modernidade, e de todo tipo de pensamento e liberdade, que eles percebiam tudo como criação do marxismo cultural, -essa palavra de ordem inventada por Goebbels nos anos 30 do século passado-. Para eles tudo era marxismo cultural: Feminismo= marxismo cultural. Políticas LGTB =marxismo cultural. Livre pensamento=marxismo cultural. Liberdade de cátedra=marxismo cultural, etc etc, governo não neoliberal=marxismo de todo tipo..

 

O neoliberalismo para poder empolgar o seu programa necessita imperiosamente de grandes doses de autoritarismo e violência, para conseguir esse espaço de pureza económica, há que usar muita coação, autoritarismo social e violência descarnada.

 

Para a pureza económica e a luta contra a inflação, o neoliberalismo põe no centro do sistema o mundo financeiro, como um jeito de se recuperar a taxa de ganho decrescente do capital.

O neoliberalismo modificou a ideia de Montesquieu dos três poderes que se equilibram e acrescentou um novo, o Banco Central independente, que passa a ser a verdadeira máquina da política económica, pero como o mundo financeiro se coloca no plano principal, os bancos centrais deixam de ter o seu role principal, que sempre fora o do financiamento barato das políticas públicas. É bem certo que quando isso se faz descontroladamente a inflação é brutal, e o dinheiro torna-se nada. O grande economista liberal John Kenneth Galbraith, explica essas funções e seus problemas num seu livro clássico Money, ele que foi o gestor da emissão de dinheiro nos Estados Unidos durante a segunda guerra mundial.

 

E claro, após os estados perderem esse jeito de se financiarem, bem barato, para os seus investimentos de capital, o estado passa a ter que pedir em qualquer caso o dinheiro, não ao banco central, e sim ao sistema financeiro. Isto levou a verdadeiras aberrações[iv].

 

No século XIX um ativista católico publicou um livrinho de grande sucesso El Liberalismo es Pecado. Nele fica bem retratado o liberalismo frente ao pensamento conservador. Para Salvany o Liberalismo era demolidor do dogma e da religião. Atualmente todos os movimentos ultraconservadores e neofascistas cristãos são radicalmente neoliberais, porque esse neoliberalismo é a alavanca de destruição do social, entendendo o social como todo aquilo que viveu e se desenvolveu graças ao liberalismo. Isto é como a prova do algodão, pois se o neoliberalismo fosse liberal, garante das liberdades todas, toda essa mada reacionária não teria acolhida nessa toca do neoliberalismo.

 

Apontamento final.-

 

Na esquerda é onde o neoliberalismo produziu mais confusão, ao não saberem entender que o neoliberalismo não é liberalismo, deixando que desse jeito se apoderarem do campo liberal as personagens mais tétricas, truculentas, reacionárias e o novo neofascismo.

 

Teve algo de positivo o neoliberalismo?

 

O programa económico neoliberal, teve um efeito não procurado, de diminuição das disparidades económicas mundiais, como esclareço eu neste[v] artigo. Logicamente progrediram os que não adotaram o programa neoliberal, e potenciam a produção.

 

O programa de pura teoria económica neoliberal, teve a sua importância positiva nos desenhos das modernas políticas monetárias dos bancos centrais, ligadas às profundas crises económicas vividas, e que estão muito marcados polas pesquisas de M. Friedman sobre a crise de 1929iv.

 

 

iLiberal é uma palavra bem anterior no tempo, a palavra liberalismo, mas o seu significado não tinha a carga que adquiriu como ideologia política e social

 

iiP. Bourdieu afirmou que o neoliberalismo destruiria os Estados Unidos, e há que reconhecer que o está logrando, destruiu lá o estado de bem estar e por pôr um exemplo, em muitos campos o seu nível já é o dos estados latinoamericanos pobres, por exemplo na esperança de vida, que leva 30 anos de retrocessos.

 

iiiSindicatos, agitação social, salários, localização do trabalho…tudo eram entraves para a teoria económica pura.

 

ivE bem interessante que estados como o Brasil, ao que lhe foi imposta uma regressão neoliberal, não se aplicaram essas ensinanças do Friedman sobre a gestão económica das crises, e não se fez porque o objetivo de destruição neoliberal é muito mais importante, que o combate à crise.

 

 

[i]

[ii] A teria neoliberal de M. Friedman está ela plena nos seguintes dos seus livros:

Capitalismo e Liberdade, onde a liberdade é pura e simplesmente a liberdade do desenvolvimento da sua teoria. Liberdade para Escolher, refere-se a pura liberdade económica ajeitada a sua teoria. Este livro foi desenvolvido em programas de tv, em youtube estão os vários capítulos. A Grande Contração, e sobre a crise do 29 e as suas propostas para enfrentar a crise, mas a vez vai muita mais cousa, explicativa da sua teoria. A Tirania do Statu Quo, o os problemas e entraves que estão estabelecidos por todo o lado e que dificultam a plena liberdade da sua teoria, pois a liberdade em Friedman é sempre a da execução pura da sua teoria.

[iii] Em 1973 na famosa sentença do Supremo Tribunal dos Estados Unidos Roe versus Wade, se estabeleceu o direito condicional a uma mulher poder interromper a sua gravidez. Foi uma interpretação de um Supremo bem liberal.

https://www.law.cornell.edu/supremecourt/text/410/113%26amp

 

Há uns dias esse mesmo Tribunal Supremo, numa resolução sem assinar, vem de dar por boa a lei texana conhecida como SB8, lei anti-jurídica, por razões que resumidamente se reduzem, a que quem actua, são os particulares, e a afectada/o não pode pedir o amparo das autoridades públicas. Este ano 2022 provavelmente o direito aborto seja muito limitado e/ou proibido nos Estados Unidos… e seguindo o seu ronsel em muitos outros lugares num retrocesso de liberdades que só apoia o 8% por cento dos norteamericanos, mas que o neoliberalismo e a sua aliança com as visões mais chatas religiosas, -o ideólogo do retrocesso e Brett Kavanaugh-, um dos juízes subidos ao Supremo por Trump e que está nas ondas do Opus Dei.

O neoliberalismo é a onda que ameaça com barrer muitas das liberdades, como um entrave ao funcionamento duma ideia teórica do mercado, que abraçam os neopentecortalistas brasileiros, Vox, 13 Tv… e tuda caterva do nove neofascismo.

Há quem acredita que há uma série de liberdades e conquistas que estão bem consolidadas, mas é bom lembrar que em 1930, Alemanha tinha a constituição mais democrática da Europa e imensas liberdades, e em apenas 8 meses após se fazer com o porder o nazismo, tudo se evaporara.

 

[iv] Na União Europeia não se está aplicando com a radicalidade que exigia a pura teoria económica neoliberal.

[v] https://www.nosdiario.gal/opinion/author/carta-aberta-a-margaret-thatcher/20130620200625016323.html

 

[1]

[1] A teria neoliberal de M. Friedman está ela plena nos seguintes dos seus livros:

Capitalismo e Liberdade, onde a liberdade é pura e simplesmente a liberdade do desenvolvimento da sua teoria. Liberdade para Escolher, refere-se a pura liberdade económica ajeitada a sua teoria. Este livro foi desenvolvido em programas de tv, em youtube estão os vários capítulos. A Grande Contração, e sobre a crise do 29 e as suas propostas para enfrentar a crise, mas a vez vai muita mais cousa, explicativa da sua teoria. A Tirania do Statu Quo, o os problemas e entraves que estão estabelecidos por todo o lado e que dificultam a plena liberdade da sua teoria, pois a liberdade em Friedman é sempre a da execução pura da sua teoria.

[1] Em 1973 na famosa sentença do Supremo Tribunal dos Estados Unidos Roe versus Wade, se estabeleceu o direito condicional a uma mulher poder interromper a sua gravidez. Foi uma interpretação de um Supremo bem liberal.

https://www.law.cornell.edu/supremecourt/text/410/113%26amp

 

Há uns dias esse mesmo Tribunal Supremo, numa resolução sem assinar, vem de dar por boa a lei texana conhecida como SB8, lei anti-jurídica, por razões que resumidamente se reduzem, a que quem actua, são os particulares, e a afectada/o não pode pedir o amparo das autoridades públicas. Este ano 2022 provavelmente o direito aborto seja muito limitado e/ou proibido nos Estados Unidos… e seguindo o seu ronsel em muitos outros lugares num retrocesso de liberdades que só apoia o 8% por cento dos norteamericanos, mas que o neoliberalismo e a sua aliança com as visões mais chatas religiosas, -o ideólogo do retrocesso e Brett Kavanaugh-, um dos juízes subidos ao Supremo por Trump e que está nas ondas do Opus Dei.

O neoliberalismo é a onda que ameaça com barrer muitas das liberdades, como um entrave ao funcionamento duma ideia teórica do mercado, que abraçam os neopentecortalistas brasileiros, Vox, 13 Tv… e tuda caterva do nove neofascismo.

Há quem acredita que há uma série de liberdades e conquistas que estão bem consolidadas, mas é bom lembrar que em 1930, Alemanha tinha a constituição mais democrática da Europa e imensas liberdades, e em apenas 8 meses após se fazer com o porder o nazismo, tudo se evaporara.

 

[1] Na União Europeia não se está aplicando com a radicalidade que exigia a pura teoria económica neoliberal.

[1] https://www.nosdiario.gal/opinion/author/carta-aberta-a-margaret-thatcher/20130620200625016323.html