VAMOS TER DE MUDAR DE VIDA.
(Post longo. Onde explico porque é que se o crescimento atual for linear vamos bater num muro, mas se não for, e explico como, temos hipótese.)
Hoje não tivemos um salto tão grande como ontem, mas o contrário é que seria surpreendente: temos sabido de umas asneiras aqui e ali, mas não alterações transversais grandes que provocassem saltos grandes ao longo de dias sucessivos. Vamos tendo oscilações naturais de uns dias para os outros, reflexo quer de atitudes sociais (aquelas enchentes nas marginais, o recolhimento antes mesmo de se fecharem as escolas, etc.) quer de alterações nos perfis de testes (menos testes nalgum momento do fim-de-semana, ou variações de registo, mais concentração geográfica ou etária nuns dias ou noutros).
Contudo, estas variações de dia para dia só se refletem ou como desvios a uma tendência a que se retorna, ou como solavancos (que revelam alterações súbitas) após os quais se revela novamente o padrão. (Por exemplo, se num dia houver muitos mais testes a pessoas sem sintomas, é natural que nesse dia haja mais casos; mas se no dia seguinte se mantiver a proporção de testes a pessoas sem sintomas, o padrão volta revelar-se após o solavanco.)
Mas nos últimos três dias vi que a tendência de casos não estava em salto: estava não apenas a desviar-se muito do padrão, como a desviar-se cada vez mais. Foi como se além de ver um carro a afastar-se ouvisse o motor a ganhar rotação.
Com os resultados de hoje, vi que desde o 24.º dia (24 de março) que na verdade a evolução é praticamente linear, ou seja, praticamente o mesmo ritmo de dia para dia, após aplainar os desvios. Mas um contágio linear não faz sentido: as pessoas não estão a jogar um jogo certinho em que cada uma rigorosamente contagie o mesmo número de pessoas, nem têm comportamentos tão semelhantes que gerem uma média linear (o que iria dar ao mesmo).
Inspirado por um post do Ludwig Krippahl (e por um comentário do @Rui Ribeiro) apercebi-me do erro: de facto, estávamos (ao analisar com uma curva sigmóide logística simétrica) a ponderar que iríamos em breve chegar a um patamar onde quase deixaria de haver novos casos. E que isso ocorreria de forma tão rápida como o crescimento. Mas em retrospetiva, isso foi uma ingenuidade, como o Ludwig apontou: não há nenhum motivo para o contágio parar, porque não estamos todos em casa nem podemos estar: temos de sair para comprar comida, para manter serviços essenciais a funcionar, etc. Como o vírus é de um contágio extremamente fácil, quer pelo ar (porque não anda quase ninguém com máscara) quer pelas superfícies (onde pode ficar vários dias), o contágio manter-se-á (a menos que ficasse mesmo toda a gente em casa) e só estagnará quando a grande maioria da população já lhe for imune. O que estamos a fazer, ficando em casa (E POR FAVOR SE PUDER, CONTINUE EM CASA) e limitando as interações sociais quando saímos (POR FAVOR NÃO ANDE TÃO PERTO DE OUTRAS PESSOAS), LAVANDO AS MÃOS e em breve, tudo o indica, USANDO MÁSCARAS…
…tudo isto abranda o ritmo de contágio. E à medida que mais e mais pessoas se vão infetando e curando (a maioria sem ter sintomas) há menos pessoas para infetar e menos oportunidades para serem infetadas e lentamente, muito lentamente, o ritmo vai abrandando.
Isto quer dizer que se não houver alterações de fundo (toda a gente a desistir – progressão exponencial; vírus a durar menos tempo com o calor do verão – travagem muito rápida) o que teremos é uma curva sigmóide… assimétrica, a chamada logística de 5 parâmetros. O gráfico pequeno a meio mostra o que nos espera, se esta reflexão estiver correta: uma lenta progressão (mais lenta do que a linear) onde todos os dias parecem mais ou menos iguais: uns dias mais outros menos, mas um tsunami em câmara hiper-lenta. Como se pudéssemos olhar para as ondas da Nazaré de manhã e voltar lá à tarde para ver onde vão e assim continuar ao longo de meses.
Ou seja, é um ritmo que, a manter-se, provavelmente poderá evitar o descalabro nos sistemas de saúde, porque pode permitir que a certo ponto haja mais altas do que admissões. Se o ritmo atual for linear, tal não é possível: mais cedo ou mais tarde, todas as camas ficam ocupadas. Mas a um ritmo que abranda, ainda que pouco, todos os dias, acaba por se conseguir recuperar o controlo.
Para isso, É ESSENCIAL manter o distanciamento social o mais possível, manter-se em casa mais algumas semanas e quando começarmos a sair fazê-lo com máscaras. O governo tem o quanto antes de abandonar as lenga-lengas de que “só máscaras N95 protegem” e explicar rapidamente que qualquer pano, por evitar propagação da nossa própria tosse e limitar a distância do ar expelido, protege os outros; que qualquer pano, por cobrir boa parte da área da pele e dos orifícios, protege o próprio em grau mais útil que uma máscara profissional. Isto é MUITO importante porque as pessoas não terão dinheiro para comprar a quantidade de máscaras profissionais descartáveis que seriam precisas para uso diário higiénico. Se não souberem que há alternativas viáveis, começarão a improvisar soluções como lavá-las ou reutilizá-las, mas pensando que têm a mesma proteção que tinham antes de o fazer, o que é muito pior. Se souberem que têm pouca proteção (mas alguma) e que a maior proteção que têm é que se todos usarem máscaras todos protegem os demais, então… então poderemos ter eficácia.
Porque a sociedade não pode estar fechada meses: à medida que a falta de empregos e de negócios diminui o dinheiro em circulação, a cada vez mais pessoas chegará a alternativa terrível entre trabalhar para sobreviver ou não trabalhar e não conseguir pagar rendas, hipotecas, eletricidade, comida, etc. Por isso, temos é de começar a planear a forma de irmos vivendo com esta ameaça sem morrermos como moscas por não tomarmos os cuidados devidos e sobrecarregarmos o sistema de saúde.

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Comments
  • Andréa Rodrigues Barbosa Simplesmente, obrigada. Boa Páscoa 🙋
  • Joana Canhoto Brás Obrigada Leonel.
  • Maribel Santos Miranda Pinto Obrigada Leonel!🙄
  • António Moreira Teixeira Concordo com o teu raciocinio, Leonel. Mas, nota que a maioria dos especialistas, que eu não sou obviamente, aponta para um periodo mínimo de 3 meses de confinamento para que este seja verdadeiramente eficaz. Para além disso, muito provavelmente teremos vários períodos de lockdown, seguidos de abertura controlada (stop and go), durante os próximos 12 a 18 meses. Creio que temos de ter paciência e preparar as nossas vidas para esse cenario. Um abraço e feliz Páscoa!
    • Leonel Morgado Se usarmos máscaras à oriental, laváveis, para proteger o próximo (e as nós próprios por efeito de grupo), podemos evitar lockdowns regulares. Desde que os hábitos de distanciamento social se mantenham.
    • António Moreira Teixeira Leonel, talvez sim. Mas, até no Oriente esses métodos não se estão a revelar totalmente eficazes ou suficientes. Vê o que se está a passar no Japão, em Singapura e até na própria Coreia do Sul.