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PENSAMENTO DE ERNESTO MELO ANTUNES

 

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Declaração de Ponta DelgadaPonta Delgada – Açores21 /01/1969

 

“Candidatura Independente às eleições para Deputados em 1969. Declaração de Ponta Delgada”

Ponta Delgada, Açores, 21 de Janeiro de 1969

Arquivo Ernesto Melo Antunes

Um grupo de cidadãos do Distrito de Ponta Delgada – ou que à cidadania pretendem ascender, apresentar uma lista de Candidatos Independentes no pleito eleitoral de Outubro de 1969, isto é nas próximas eleições para Deputados da Assembleia Nacional.

Esta decisão resultou, como decorre do que se afirma de uma reflexão colectiva. É que, ponderadas certas constantes da vida política nacional das mais recentes décadas e analisadas com o rigor possível as características conjunturais do período histórico de transição que o País atravessa, uma conclusão parece obter, no consenso da maioria, total assentimento: mais do que nunca se torna necessário, e mais do que necessário se torna um dever, participar pelo único modo constitucionalmente possível, através da consulta do eleitorado, no governo da Nação.

Efectivamente, após a longa hibernação política a que os portugueses estiveram sujeitos, impedidos de autêntico diálogo com o poder, privados de exercerem, na prática, a soberania que de direito lhes é reconhecida na Constituição, ao fim desse tempo de “paz” e de “ordem”, que só o foi realmente na aparência – ao ponto de podermos retomar, sem grande risco, o termo de “desordem estabelecida” para o caracterizar – um interregno parece actualmente viver-se. Iniciado no dia em que o Presidente da República, usando de faculdade que a Constituição lhe confere, teve de escolher novo Presidente do Conselho, em virtude do perigoso vazio político que a incapacidade física de Salazar havia criado, esse interregno irá estender-se, se outros factores não intervierem, até às próximas eleições para deputados de Outubro de 1969. Será esse acto político, da maior importância para a vida da nação, que irá decidir, entre outras coisas, da continuidade da linha constitucional; será através dele que o governo de Marcelo Caetano tentará obter a base popular indispensável ao exercício do poder, uma vez que é manifesto não dispor esse governo, durante o período de transição, senão da autoridade que lhe advém por inerência do que poderíamos chamar a II República.

Sinais vários levam a crer, de facto, que é muito mais aparente do que real a estabilidade governativa no momento presente. Ameaças bem visíveis de vontade de conquista do poder através de um golpe palaciano por parte de grupos minoritários de extrema direita, apoiados em grupos de pressão financeira – estes, por sua vez, ideologicamente ligados às correntes de pensamento mais retrógradas que ainda pontificam no nosso país – fazem perigar extraordinariamente a possibilidade de normalização da vida política nacional. A instauração de um regime autoritário no próprio momento em que tantas esperanças de uma vida política autêntica foram suscitadas, teria efeitos desastrosos, difíceis de calcular em toda a sua extensão, mas que poderiam atingir inclusivamente as culminâncias de uma guerra civil. Ora, a paz social, a estabilidade governativa e até a autoridade necessárias à edificação de uma sociedade em que sejam finalmente respeitadas as liberdades fundamentais e garantido o clima de tolerância e convivência humana que permita a participação de todos no esforço colectivo e livre de realização a todos os níveis, só poderão atingir-se quando um governo tiver obtido a base social suficientemente ampla que lhe dê a possibilidade de governar sem a interferência de grupos de pressão, sejam eles de que natureza forem.

Tem-se assim a consciência de que escolhendo a via legal de intervenção activa, se presta, antes de tudo o mais, um serviço não desprezível ao Governo actualmente no poder. E se pelo Chefe desse mesmo governo foi pedido aos Portugueses um crédito aberto à acção governativa, o mínimo que os Portugueses podem, em contrapartida, exigir de condições para esse crédito, aliás prontamente outorgado, é a faculdade de, com todas as garantias de segurança e liberdade, exercer o seu direito cívico à soberania de que serão detentores através de representantes livremente escolhidos.

Deste modo, convencidos de que a um largo período de imobilismo e silêncio sucede um outro regido por novos critérios de acção, embora iluminados por uma mesma filosofia política, e que o governo de Marcelo Caetano – por imperiosas razões tácticas ditadas pela necessidade de alargar, em extensão e em profundidade, as bases morais do regime de forma a obter o apoio da Nação e consolidar o seu próprio poder – se mostrará digno da confiança que nele se deposita, somos levados a admitir que se oferece aos Portugueses oportunidade única de conquistar os seus direitos de intervenção e participação na vida governativa, contribuindo de modo extremamente importante para o saneamento das nossas instituições e para a instauração de uma vida política e cívica liberta dos fantasmas paralisantes que demasiados anos de exercício de poder autocrático instalaram entre nós.

Nestes termos, abstraindo desde já de toda e qualquer filiação política partidária, pretendemos apresentar-nos ao eleitorado do Distrito como um grupo de cidadãos independentes, isto é, não comprometidos politicamente, mas reivindicando o direito de pensar livremente e de em liberdade exercer uma crítica que reputamos indispensável ao funcionamento normal das instituições nas sociedades civilizadas. Aspiramos a tornar-nos, por esta via, a voz verdadeiramente representativa dos problemas do Distrito – problemas do homem concreto que aqui vive e labuta, e todos as implicações de ordem política, social, económica e técnica que da análise deles advém – sem deixarmos de pensar que esses mesmos problemas terão de integrar-se num contexto de soluções muito mais vasto, à escala nacional, cujas linhas de força constituem a orientação pragmática que anima a nossa vontade de intervenção e que tem, em traços necessariamente gerais, o enunciado que segue.

I Direitos, Garantias e Liberdades Fundamentais.

(a) Liberdade de expressão do pensamento e sua difusão sob todas as formas, especialmente pela Imprensa, Rádio e Televisão.

O sistema que, até ao presente, impediu os cidadãos com ideias não copiadas dos figurinos oficiais de manifestarem abertamente suas opiniões, sistema que privou a Nação, por largo tempo, do concurso de tantos homens válidos em todos os domínios, desde os governativos e administrativos até aos culturais, não pode persistir sem grave ofensa do fundamental direito do homem a realizar em liberdade e dignidade o seu destino responsável de ser ontológica e socialmente livre.

Em particular, e com vista a alcançar uma autêntica liberdade de informação e uma livre circulação de ideias que contribuam para converter os portugueses, de simples espectadores indiferentes da vida da colectividade a que pertencem, em agentes activos do seu próprio destino, insistir-se-á na elaboração de uma nova Lei de Imprensa.

(b) Liberdade de reunião e associação.

São por demais conhecidas as condições em que os Portugueses têm vivido, em matéria de liberdade e de reunião e associação, para que valha a pena referir em profundidade o que de degradante representa para nós a inexistência, na prática, desse direito fundamental, ainda que previsto na Constituição. Será necessário impor legislação adequada, com vista a eliminar as causas que têm privado os cidadãos de usarem livremente o direito fundamental de, se reunir ou associar com fins de natureza social, económica, cultural, religiosa ou política. É indispensável destruir para sempre os germes do medo paralisante ou a apatia instituída que em Portugal mutila os cidadãos ao ponto de terem não só deixado de saber pensar livremente, isto é, com espírito crítico, como ter desaparecido quase por completo o gosto, a vocação e a vontade de associação e, por conseguinte, de cooperação ou seja de acção autenticamente social.

De modo muito especial se insistirá no direito à formação de sindicatos livres, com direcções eleitas pelos trabalhadores e actividade por estes regulada e controlada. Os sindicatos deverão passar a constituir o centro de toda a vida social dos trabalhadores, competindo-lhes fundamentalmente:

  1. Participação na elaboração, discussão e decisões sobre tudo o que concerne à gestão da actividade económica das empresas, desde a produção à distribuição dos rendimentos.
  2. Defesa dos direitos de classe, pelo que deverão dispor de personalidade jurídica reconhecida e autoridade suficiente para negociar com o patronato em condições de igualdade. Entre os referidos direitos, inclui-se o fundamental o hoje incontroverso direito de greve, embora se reconheça a necessidade do mesmo ser condicionado às exigências do desenvolvimento harmónico e ao equilíbrio da vida social.
  3. Participação activa em todas as decisões em matéria de previdência social e lazeres: assistência médica, medicamentosa e hospitalar, previdência na invalidez e velhice, política de habitação, ocupação dos tempos livres e férias.
  4. Participação na formação profissional e cultural dos trabalhadores, com vista não só a uma autêntica valorização humana como à indispensável acção, desde a base, para um esforço consciente dos trabalhadores em qualquer processo de desenvolvimento.

(c) Amnistia de todos os presos políticos e regresso ao seio da comunidade nacional de todos os que se encontram afastados, por divergências de opinião com o regime.

Baseia-se este ponto no nosso profundo convencimento de que o clima de convivência e tolerância mútua que já tem sido oficialmente anunciado não será uma realidade prática sem a restituição à liberdade daqueles que, por delitos de opinião, foram julgados e condenados por tribunais de excepção. Salienta-se, do mesmo passo, a necessidade urgente de recuperação de todos os valores humanos, como é o caso de cientistas, artistas, escritores, homens de pensamento e acção que tiveram de procurar no estrangeiro condições de trabalho que na própria Pátria viram recusadas.

(d) Garantias reais dadas à Assembleia Nacional de, em toda a liberdade debater as questões fundamentais da vida da Nação – quer as relativas à política externa quer as de política interna, incluindo a questão ultramarina que tem sido desde 1961, e continua a ser, o problema mais grave da vida portuguesa.

Proclamamos assim a nossa convicção de que ao órgão legislativo clássico compete igualmente e principalmente o controle efectivo das decisões governamentais que em caso algum podem ser consideradas como infalíveis; e que nestas circunstâncias, a orientação seguida pelo executivo terá que ser submetida à crítica dos representantes da nação a quem cabe, em última análise, exercer a soberania.

II Desenvolvimento Económico e Promoção humana e Social.

Não menos fundamental que o ponto I focado nesta Declaração, e que em muitos aspectos dele depende ou com ele mantém relações muito estreitas, importa definir, se bem que em traços gerais, linhas de rumo do que supomos possa constituir o processo de desenvolvimento económico em ritmo acelerado, que o país terá de sofrer se não quiser ver alargar-se cada vez mais o fosso que o separa dos países evoluídos do continente europeu e se realmente, na prática, quiser ver realizados princípios de justiça social que sectores esclarecidos têm insistentemente defendido, cada vez com mais vigor.

Começaremos, para definir resumidamente uma situação, por perguntar como o fez recentemente autor de prestígio[1]: “Mas quem somos nós?” e de acordo com o mesmo autor, responderemos: “Entre 16 países da Europa (e é com a Europa que vale comparar-nos), somos o penúltimo na capitação do consumo de energia: depois de nós, só a Turquia. Somos o antepenúltimo na capitação do consumo de aço: depois de nós só a Grécia e a Turquia. Somos a penúltimo nas taxas de escolarização: depois de nós só a Turquia. Somos o último na proporção do número de alunos do ensino superior para o conjunto da população: depois de nós, ninguém. Somos o penúltimo na capitação do consumo de carne: depois de nós só a Turquia. Somos o último na capitação do leite, o último na capitação diária de calorias, o último na capitação diária de proteínas, o penúltimo na capitação de gorduras (depois de nós só a Turquia). Somos ainda o antepenúltimo na relação entre o número de médicos e o número de habitantes (depois de nós só a Jugoslávia e a Turquia) e o penúltimo na capitação de dias de doença indemnizados pela previdência social (depois de nós só a Turquia). Exceptuando a Turquia, somos também o país onde as taxas de mortalidade infantil e peri-natal se apresentam ainda mais altas”.

Se a esta série de indicadores alinhados, que nos dão já uma ideia do que Portugal é na Europa, juntarmos a informação de que o rendimento “per capita”, em Portugal, era em 1954 de 150 a 200 dólares por ano em confronto, por exemplo, com a Espanha, Grécia e Turquia cujos rendimentos oscilavam entre 200 e 300 dólares e que, se exceptuarmos a Turquia, o nosso atraso relativo se mantém (apesar de, entre 1960 e 1965, o produto nacional bruto por habitante atingir 420 dólares) em virtude dos índices de crescimento que apresentamos serem insuficientes para colmatar a brecha já existente, ter-se-á uma noção bastante aproximada, embora necessariamente incompleta, do baixo nível de vida do povo português e do atraso económico em que se encontra relativamente à maioria dos países do continente europeu.

Baixo nível de vida e atraso económico, expressos através da linguagem seca de números e indicadores, são simultaneamente o reflexo e a consequência de uma situação sociologicamente bem definida e que pode esquematicamente ser caracterizada por:

(a) Baixíssimo nível cultural e profissional da esmagadora maioria da população activa, nomeadamente operários, camponeses, pescadores e pequenos empregados.

(b) Espectacular desigualdade de condições económicas e, por conseguinte, sociais, dos operários em relação a camadas da população mais favorecidas e de que resultam consequências várias, nas quais avultam: tensão social permanente mantida artificialmente em equilíbrio pelo recurso exaustivo a meios exteriores ao dinamismo específico do processo sócio-económico; enorme carência de mão-de-obra qualificada nas actividades industriais, desinteresse generalizado dos operários pelos mecanismos de produção por falta de estímulos adequados.

(c) Persistências, no campo, de formas sociais arcaicas, traduzindo-se em: desníveis extremos na repartição dos rendimentos e, por conseguinte, na miséria generalizada dos camponeses; conservação de uma sociedade paternalista e autoritária na qual os camponeses – assalariados, rendeiros e pequenos proprietários – não tendo perdido inteiramente a mentalidade de servos-da-gleba, estão muito longe de pensarem, agirem e viverem como seres humanos livres e conscientes da sua fundamental dignidade de homens.

(d) Emigração para os países mais evoluídos da Europa e da América de grandes massa de trabalhadores, privando o país de um capital humano absolutamente indispensável ao seu progresso material, num processo de crescimento acelerado.

Não se pretende insinuar que deve ser limitado, nas condições concretas da sociedade portuguesa actual, o direito inalienável de todo o homem a emigrar, em busca de melhores condições de vida e de trabalho. Mas não podemos deixar de denunciar uma estrutura que tem sido incapaz de oferecer a muitos milhares de portugueses essas mesmas condições na sua própria Pátria.

(e) Debilidade ideológica de uma classe média detentora de certa capacidade de realização, mas economicamente submetida à pressão dos grandes interesses monopolistas, incapacitando-a de assumir o papel de classe dirigente.

(f) Desigualdades sociais muito pronunciadas que se verificam entre dois ou três centros urbanos onde se concentram actividades industriais em relativa expansão (e onde, por vezes, se goza de uma ilusória sensação de progresso) e o restante território, com actividade predominantemente agrícola, em situação de grande atraso.

Todo este condicionalismo obriga necessariamente a um decisivo arranque em direcção ao desenvolvimento económico e, por consequência, à promoção humana e social, finalidade última de todo o autêntico desenvolvimento. Para esse arranque supomos fundamentais (embora não as únicas) as seguintes vias, que constituem no seu conjunto a orientação a seguir:

(1) Existência de um aparelho político aberto às grandes correntes de opinião, liberto da acção corrosiva e paralisante de grupos influentes, sejam eles de que natureza forem e apto a planificar a economia de acordo com os superiores interesses nacionais e as necessidades concretas do povo.

(2) Existência de um órgão legislativo que seja de facto representativo dos interesses, aspirações e necessidades reais do povo português, e se converta num instrumento eficaz de diálogo com o poder executivo e de controle institucional da sua acção.

(3) Reforma profunda das estruturas administrativas e burocráticas de modo a torná-las adaptadas às exigências de um desenvolvimento acelerado e suficientemente flexíveis para se manterem actualizadas durante a evolução de todo o processo:

(4) Reforma de todo o sistema de ensino e em particular da Universidade. Trata-se, não só da necessidade de uma profunda transformação das estruturas mentais da sociedade portuguesa, como da urgência na obtenção dos quadros indispensáveis ao processo de desenvolvimento.

(5) Reconversão das estruturas agrárias, em ordem a um dimensionamento ajustado a necessidades imperiosas de racionalização da produção e, em consequência, a um aumento de produtividade no sector agrícola, fazendo-o sair do estado de estagnação em que se encontra.

(6) Aceleração do processo de crescimento no sector industrial, planificando-se a produção de acordo com as necessidades reais, quer de natureza económica quer social, e não em função dos interesses particularistas de grupos majestáticos.

A industrialização deverá caminhar a um tal ritmo que resulte harmónico com o crescimento do sector primário e por forma a ser, fundamentalmente o seu natural prolongamento – primado das indústrias médias e ligeiras sobre as pesadas.

(7) Utilização prudente de capitais externos, aplicando-os sob forma de empréstimos ao Estado, em fins reprodutivos, de modo a contribuírem eficazmente no processo global de desenvolvimento (desde que não sejam acompanhados de condições políticas) e resistência à penetração de capitais privados em virtude da corrente inversa a que dará lugar, sob a forma de lucros, logo após um primeiro momento de euforia nos sectores em que tiveram sido investidos.

(8) Aproveitamento integral, e subordinado aos superiores interesses nacionais, de todos os recursos naturais (exploração do subsolo, agricultura, pesca, recursos energéticos) e humanos, no esforço de desenvolvimento.

 

Não se pretende com este enunciado, estabelecer doutrina definitiva em matéria de desenvolvimento. Estamos cientes que grande número de aspectos não foram considerados com o devido relevo (alguns de extrema importância, como o da participação activa e consciente dos trabalhadores em todo o processo de crescimento e o problema da cooperação ao nível da produção, do consumo ou da prestação de serviços); outros, por serem de carácter eminentemente técnico e decorrem em grande medida como consequência necessária das linhas de rumo traçadas, nem sequer foram mencionados. Tal não era porém, o nosso escopo. Somente quisemos realçar alguns aspectos que consideramos vectores essenciais de um processo que terá d integrar-se numa estratégia global a ser definida por direcção política responsável.

Resta-nos acrescentar que não reduzimos o progresso da vida social a um simples economismo. Acreditamos na possibilidade de uma promoção do homem, tanto pela ruptura das condições objectivas que são actualmente o motor da sua alienação como pela transformação das condições subjectivas que o impedem de ascender à condição real de homem livre, consciente, responsável e digno.

III A Problemática Distrital

Chegamos, enfim, ao enunciado de certos problemas fundamentais ao nível regional, problemas que hão-de constituir, na generalidade, pontos fulcrais do combate a travar na Assembleia Nacional por deputados saídos de uma candidatura independente.

Não cabe nos limites de uma Declaração, ainda que pragmática, o estudo exaustivo das condições concretas em que vivem os habitantes das Ilhas de S. Miguel e St.ª Maria. Sem prejuízo porém, de estudos em pormenor que a seu tempo serão feitos e cujos resultados serão divulgados, eis algumas questões que podem considerar-se como básicas e que definem a situação económico-social do Distrito:

(a) Baixíssimo nível de vida da maioria esmagadora da população do Distrito, sobretudo a rural, piscatória e operária, o que se traduz em problemas sociais da maior gravidade, como sejam:

  1. – Subalimentação generalizada.
    • Condições infra-humanas de habitação, em especial em determinados centros piscatórios e freguesias suburbanas.
  1. – Impossibilidade de acesso a uma assistência médica eficiente, praticamente nula na maior parte das zonas rurais e piscatórias, a par de deficiências graves nas formas de assistência hospitalar e medicamentosa em vigor.
  2. – Emigração de fortes contingentes de trabalhadores para o continente americano (E.U.A., Canadá e Bermudas, especialmente).

(b) Nível cultural muito baixo e aptidões técnicas extremamente reduzidas da grande miséria da população activa, em particular camponeses, pescadores e operários.

(c) Deficiente estrutura administrativa, moldada em um “estatuto de autonomia” ultrapassado, altamente lesivo dos interesses gerais e ambições de progresso do Distrito.

(d) Insuficiente produtividade do sector agrícola, em relação ao volume de mão-de-obra empregue, o que é devido, não só à propriedade mal dimensionada como à enorme carência de estruturas de apoio e técnicas adequadas de gestão e organização da empresa agrícola.

(e) Reduzida industrialização, o que em parte é resultante de uma tradicional timidez dos detentores de capitais, mas se deve também, e principalmente, tanto à falta de programação eficaz como à falta de encorajamento por parte das entidades responsáveis (órgãos de administração local, deputados, organismos económicos), através de uma luta sistemática junto dos centros de decisão, para obtenção de garantias capazes de estimular o sector privado.

(f) Entraves poderosos à prosperidade do comércio e, dum modo geral, à circulação de pessoas e mercadorias, em virtude de:

1º – Baixo poder de compra de grande maioria da população.

2º – Ultrapassado sistema de barreiras alfandegárias entre o Continente e as Ilhas, e entre as próprias Ilhas.

3ª – Sistema altamente deficiente de transportes marítimos e aéreos entre Ilhas, e entre estas e o Continente.

(g) Insuficiente electrificação, donde derivam duas consequências muito importantes:

1ª – Limitação à industrialização e à criação de estruturas básicas no sector agrícola.

2ª – Impossibilidade de acesso aos benefícios da civilização de grande parte da população do Distrito.

(h) Deficiências graves em todo o ensino: inexistência de estabelecimentos de ensino médio para a formação de quadros técnicos indispensáveis ao progresso económico; falta de entrada em vigor da 5ª e 6ª classes nas escolas primárias; ausência de condições para a fixação de quadros de professores qualificados do ensino secundário e técnico no Liceu e Escola Técnica de Ponta Delgada.

 

Ora, tendo em consideração que são os problemas regionais aqueles que mais directa e vivamente afectam as populações residentes nas Ilhas de S. Miguel e Stª Maria – não esquecendo todavia, que o essencial deles envolve uma problemática à escala nacional que foi nas suas grandes linhas esboçada nesta mesma Declaração – julgamos que deverão ser as questões seguintes, indicadas de forma esquemática, aquelas por que se devem bater os Deputados Independentes, em prol do progresso das Ilhas que representam e da resolução dos gravíssimos problemas sociais e humanos dos seus habitantes:

(1) Revisão e reforma profunda do Estatuto das Ilhas Adjacentes em ordem a alcançar-se, entre outros, os seguintes objectivos:

1º – Corpos directivos das Juntas Gerais eleitos democraticamente (sufrágio directo e universal) pelas populações interessadas e estrutura das Juntas que permita representação adequada das diferentes camadas e interesses da população.

2º – Libertação do encargo imposto às Juntas de suportarem as Despesas provenientes dos “Serviços de Estado” (em particular, o Ensino), e aplicação das Receitas assim libertas em investimentos reprodutivos de interesse público.

3º – Obtenção de novas fontes de receita para fins de fomento.

4º – Criação de órgãos técnicos especializados, tendo em vista a investigação, planeamento e apoio eficiente às estruturas económicas.

(2) Planificação da actividade económica o nível do Arquipélago, realizada por órgão permanente, independente das Juntas Gerais, mas trabalhando em íntima colaboração com elas.

(3) Enquanto não for executada reforma de estruturas agrícolas ao âmbito nacional, promover:

1º – O estabelecimento do salário mínimo do trabalhador rural (assalariado).

2º – A revisão da Lei do Arrendamento Rural com vista a obter-se, na prática, uma rigorosa limitação dos preços dos arrendamentos em função da produtividade natural das terras e segurança dos rendeiros, assim como aos proprietários, através de contratos de arrendamento efectivos.

(4) Estudo e planificação regional de todos os graves problemas respeitantes à pesca: métodos utilizados; comercialização; industrialização; situação social do pescador.

(5) Liberdade de emigração em virtude das condições objectivas actuais, impeditivas de ascensão económica e social de grande parte da população trabalhadora.

(6) Abolição das barreiras alfandegárias inter-ilhas e entre o Continente e o Arquipélago e, simultaneamente, obtenção de novas fontes de receita para as Câmaras Municipais.

(7) Estruturação de um sistema económico e eficaz de transportes entre as Ilhas e entre estas e o Continente, quer por via aérea quer marítima, tendo em conta os interesses gerais da população e não os de grupos influentes.

(8) Estudo urgente do grave problema da saúde pública com vista a tingir-se, a curto prazo, os seguintes objectivos:

1º – Extensão da assistência médica permanente às zona rurais e piscatórias.

2º – Melhoria das condições existentes em matéria de assistência hospitalar e medicamentosa às classes mais desfavorecidas.

(9) Obtenção de condições de habitação mais conforme com a dignidade humana, nas zonas onde tal problema constitui hoje um autêntico cancro social.

(10) Impulso à electrificação das ilhas de S. Miguel e Stª Maria.

(11) Promoção urgente de estudos visando à criação de um Instituto Comercial, um Instituto Industrial e uma Escola de Regentes Agrícolas, medidas que se afiguram indispensáveis ao progresso do Distrito e dos Açores e à valorização humana de grande parte da sua juventude escolar.

(12) Defesa dos preços dos produtos agrícolas e pecuários e organização do seu escoamento no mercado interno e internacional.

(13) Estudo de garantias a alcançar relativamente aos produtos da indústria, quer em preços quer em mercados e criação de estímulos à industrialização de produtos agrícolas e de matérias-primas importadas (indústrias médias e ligeiras produtoras de bens de consumo corrente).

(14) Criação do organizes capazes de estruturar e pôr em prática uma desenvolvida indústria de turismo.

(15) Estruturação do problema do artesanato em bases racionais, de modo a solucionar não só a colocação dos produtos nos mercados interno e internacional como também, e principalmente, a grave situação social da população produtora.

(16) Estudo de condições capazes de atrair e fixar quadros qualificados de professores, tanto par o Liceu e Escola Técnica como par os Institutos cuja criação se preconiza.

 

V Conclusões

Dirige-se a presente Declaração, em particular, a todos os habitantes de distrito de Ponta Delgada. A muitos parecerá estranho que um documento de tal natureza apreça em um meio tradicionalmente alheio a lutas de carácter político, habituado a receber do alto, sem crítica, todas as decisões que impliquem com o seu destino. Ora bem. O nosso primeiro objectivo é exactamente sacudir o torpor da gente açoriana, libertá-la do bloqueio moral, mais do que geográfico, em que tem vivido e levá-la a compreender que o seu primeiro dever, enquanto cidadãos, é a intervenção na vida pública para a defesa dos seus próprio interesses, para a edificação de uma sociedade mais justa e humana, a começar precisamente por aquela em que vive.

Com esta Declaração manifestamos pois, a nossa vontade de participar e de connosco fazermos participar todos os outros. Queremos assim contribuir, ainda que em modestas proporções, para um Portugal mais livre e tolerante, par o erguer de instituições – uma verdadeira III República com ideais de Ordem, Liberdade, Paz, Justiça Social e Fraternidade deixem de ser palavras vãs, passem a ter conteúdo concreto. Queremos, em suma, um Portugal melhor e maior, um Portugal onde valha a pena viver.

 

Ponta Delgada, 21 de Janeiro de 1969

 

Abílio Moniz Faria, Trabalhador rural

Afonso Quental, sacerdote

Agnelo Soares de Almeida, Sacerdote

Agostinho de Sá Vieira, Advogado

Alcindo Manuel Pacheco F. da Silva, Estudante

Alfredo de Arruda Massa, Proprietário

Alírio Barbosa Lomeiro, Empregado de Escritório

Álvaro Morgado Faria, Trabalhador rural

Albano Moniz Furtado, Estudante

Alberto Leonardo Pavão Nunes, Empregado de escritório

Ana Maria da Ponte Soares Ferreira, Estudante

Angelino Almeida Páscoa, Agente Técnico de Engenharia

António da Ponte Medeiros, Comerciante

António Borges Coutinho, Advogado

António Augusto Simas Damião de Medeiros, Estudante

António Pereira da Câmara, Trabalhador rural

António de Melo, Canteiro

António da Câmara Jr., Proprietário

António Manuel Damião Medeiros Melo, Estudante

António Roberto de Aguiar Oliveira Rodrigues, Estudante

Antónia do Rosário Correia Cabral, Estudante

António José de Medeiros Garcia, Mecânico

António José Dimas de Almeida, Pastor Evangélico

António Pereira Rego, Sacerdote

António Raposo, Magarefe

António Joaquim C. Coelho, Engenheiro Químico

António Lopes Cabral, Industrial

António de Lemos Alves de Sousa Gomes, Médico Veterinário

António Ferreira leite, Sacerdote

António Teixeira Pereira, Sacerdote

António Guilherme Francisco, Comerciante

António Armindo Tomé Andrade de Medeiros, Estudante

António Moniz, Sacerdote

Armando Emanuel Monteiro da Câmara Pereira, Prof. do Ensino Técnico

Arménio B. da Mota Soares, Farmacêutico

Arsénio Chaves Puim, Sacerdote

Bruno da Ponte, Jornalista

Baltazar Maria Pimentel Rebelo, Proprietária

Caetano Valadão Serpa, Sacerdote

Carlos António gago de Bulhão Pato, Estudante

Carlos Falcão Afonso, Estudante

Cláudina Medeiros Ferreira, Doméstica

Daniel Cordeiro da Costa Silva, Empregado de escritório

Débora Furtado Lopes, Doméstica

Diniz Raposo Soares, Proprietário

Diniz da Silva Aguiar, Trabalhador rural

Duarte Santos, Sacerdote

Duarte de Sousa, Motorista

Eduarda Soares Alcântara, Doméstica

Eduardo da Câmara Soares de Albergaria, Empregado Industrial

Eduardo José Azeredo Pontes, Escriturário

Eduardo da Silva Vieira, Estudante

Emanuel Chichorro de Medeiros, Funcionário público

Eduardo Condeiro, Trabalhador rural

Fernando Roberto de Lima Azeredo Pontes, Estudante

Fernando da Rocha Calixto, Advogado

Francisco Diniz de Melo Vasconcelos, Estudante

Francisco Espínola de Mendonça Carreiro, Estudante

Francisco Manuel Botelho Nunes, Estudante

Francisco Pereira da Silva, Comerciante

Francisco Rodrigues Aguiar, Agricultor

Gabriela Maria da Câmara Athayde Motta Melo Antunes, Doméstica

Gracinda Pereira Lopes, Doméstica

Hermano Manuel da Silva Vicente, Estudante

Hermínio Furtado Pontes, Sacerdote

Humberto Maria Pereira, Industrial

Irene Maria da Câmara Pereira, Educadora Infantil

Jacinto da Câmara Soares de Albergaria, Químico M.I.T.

Jacinto Manuel Monteiro da Câmara Pereira, Sacerdote

Jacinto Correia Raposo, Empregado de escritório

J. da Costa Gravito, Estufeiro

Jaime José Gama, Estudante

Jaime Manuel Gamboa de Melo Cabral, Estudante

João Silvestre, Advogado

João José Lemos Vieira Custódio, Empregado de escritório

João Carlos da Silva Gravito, Trabalhador rural

João Marques, Empregado industrial

João Batista da Silva, Pintor de construção civil

João Carreiro, Trabalhador rural

João de Oliveira Correia Rebelo, Arquitecto

João Cabral, Trabalhador rural

José Dias, Trabalhador rural

Joaquim da Costa Pontes, Pintor da construção civil

José Manuel Leão Toste Rego, Estudante

José Luís Vasconcelos Brandão da Luz, Estudante

José Manuel San-Bento Menezes, Estudante

José Manuel César Ramos, Médico

José Manuel Pacheco Rego Costa, Estudante

José Luís da Cunha Medeiros Melo, Estudante

José Jacinto Almeida Vasconcelos Raposo, Estudante

José de Medeiros, Empregado comercial

José Tavares, Empregado comercial

José Raposo, Estufador

José Inácio Soares, Carpinteiro

José Soares Miguel, Comerciante

José Pereira Botelho Riley, Proprietário

José Joaquim Vaz Monteiro de Vasconcelos Franco, Funcionário público

José Jorge de Magalhães Rodrigues, Estudante

José da Silva Vieira de faria, Estudante

José Jorge Oliveira Almeida, Estudante

José Carlos Cordeiro, Padeiro

José Jorge de Sousa Melo, Estudante

José Manuel Bernardo Cabral, Comerciante

Jorge do Nascimento Lopes, Empregado de escritório

Jorge Manuel Ferreira de Sousa Lima, Estudante

José Manuel de Medeiros Cosme, Empregado de escritório

José Luís Vasconcelos Nunes, Estudante

José Luís Alves Mota, Sacerdote

Júlio Diogo Soromenho Quintino, Funcionário público

João Sérgio Furtado, Empregado de escritório

João Vaz de Medeiros, Comerciante

Leonel Moniz de faria, Padeiro

Luís Bernardo Vasconcelos Freitas de Oliveira, Estudante

Luís Manuel Bettencourt Lopes de Oliveira, Estudante

Luís Manuel da Ponte Soares Ferreira, Estudante

Luís Manuel da Silva Nunes Mascarenhas, Estudante

Luís Óscar Toste Rego, Engenheiro Civil

Maria dos Anjos Pereira Ponte, Doméstica

Madalena Maria de Sousa e Silva Pereira, Doméstica

Manuel António Mota de Alcântara, Agente Técnico de Engenharia

Manuel Barbosa, Advogado

Manuel de Medeiros Soledade Jr., Marceneiro

Manuel Cabral, Trabalhador rural

Manuel António Ferreira Quental Frias Coutinho, Estudante

Manuel Chitas de Brito, Piloto aviador

Manuel Cordeiro da Costa Silva, Estofador

Manuel da Ponte Medeiros, Trabalhador rural

Manuel Pereira de Medeiros, Jornalista

Manuel António Pimentel, Sacerdote

Manuel Rocha Botelho Januário, Motorista

Manuel de Medeiros Brilhante, Empregado industrial

Manuel dos Santos Fonseca, Trabalhador rural

Manuel da Silva, Trabalhador rural

Manuel Luís de Sousa Ferreira, Empregado comercial

Maria de Fátima Moniz Gouveia, Estudante

Maria Leonor Soares de Andrade Botelho, Estudante

Maria Isabel de Vasconcelos Freitas de Oliveira, Estudante

Maria Leonor Lima Teixeira, Estudante

Maria Helena de Araújo Soares, Estudante

Miguel Almeida Jr., Oficial do Exército reformado

Maria Natália Arruda Correia Rebelo, Doméstica

Maria Margarida Morais da Ponte Ferreira, Estudante

Maria Manuela Franca Machado, Estudante

Maria de Lourdes Franca Machado, Jornalista

Maria Rosa de Sousa Furtado Lopes, Estudante

Maria Francisca Cabral Moreira, Estudante

Maria Clara Moniz Gouveia, Estudante

Maria Eduarda Pereira de Oliveira, Doméstica

Maria Sara da Silva Faria, Doméstica

Maria da Conceição Moreira Batista, Estudante

Maria de Fátima Monteiro Gago da Câmara, Estudante

Maria José Figueiredo Carvalho, Estudante

Maria da Conceição Borges Coutinho, Professora do Ensino Particular

Maria Luís da Silveira Whytton de Terra Soares de Albergaria, doméstica

Maria Alba de Abreu Quintino, Funcionária pública

Maria José Morgado Tapia, Prof. do Ciclo Preparatório

Mariana da Câmara Marques Pinto, Doméstica

Mário António da Mota Mesquita, Estudante

Mário Alves Martins, Estudante

Moisés da Silva Carreiro, Trabalhador rural

Nair Odette da Câmara Borges, Professora do Ensino Liceal

Nair Odette da Silva Pacheco, Estudante

Natália Maria Pereira da Silva, Estudante

Nicolino Carvalho, Mecânico

Norberto Ferreira Borges, Carpinteiro

Óscar Carreiro de Sousa Silva, Empregado Comercial

Orlando José de Campos Marques Pinto, Prof. Ensino Particular

Ramiro Ferreira, Guarda Fios

Raul Correia da Silva, Empregado comercial

Rosa Manuel de Sousa Gouveia, Doméstica

Ruy Guilherme de Morais, Jornalista

Samuel Moniz Faria, Trabalhador rural

Serafina da Costa Pereira, doméstica

Silvano Neves Pereira, Médico

Silvino Amaral, Sacerdote

Susete Simão Arrais Dimas de Almeida, Doméstica

Urbano de Melo Lopes, Empregado de escritório

Vasco Bernardo, Empregado comercial

Veríssimo Freitas da Silva Borges, Estudante

Weber Machado Pereira, Sacerdote

A presente edição deste documento destina-se às pessoas que a subscreveram até 31 de Março de 1969. Continua a recolha de adesões, fazendo-se oportunamente a sua edição definitiva.

[1] Sedas Nunes, em “Sociologia e Ideologia do Desenvolvimento”