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trabalho apresentado no 10º colóquio da lusofonia (7º colóquio anual Bragança 2008)
Crioulos de base portuguesa – Dulce Pereira
Os crioulos são línguas naturais, de formação rápida, criadas pela necessidade de expressão e comunicação plena entre indivíduos inseridos em comunidades multilingues relativamente estáveis. Procurando superar a pouca funcionalidade das suas línguas maternas, estes recorrem ao modelo imposto (mas pouco acessível) da língua socialmente dominante e ao seu saber linguístico para constituir uma forma de linguagem veicular simples, de uso restrito mas eficaz, o pidgin, que posteriormente é gramaticalmente complexificada e lexicalmente expandida, em particular pelas novas gerações de crianças que a adquirem como língua materna, dando origem ao crioulo.
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Chamam-se de base portuguesa os crioulos cujo léxico é, na sua maioria, de origem portuguesa. No entanto, do ponto de vista gramatical, os crioulos são línguas diferenciadas e autónomas. Sendo a língua-base aquela que dá o léxico, podemos encontrar crioulos de diferentes bases: de base inglesa (como o Krio da Serra Leoa), de base francesa (como o crioulo das Seychelles), de base árabe (como o Kinubi do Uganda e do Quénia) ou outra.
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Os crioulos de base portuguesa são habitualmente classificados de acordo com um critério de ordem predominantemente geográfica embora, em muitos casos, exista também uma correlação entre a localização geográfica e o tipo de línguas de substrato em presença no momento da formação.
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Em África formaram-se os Crioulos da Alta Guiné (em Cabo Verde, Guiné-Bissau e Casamansa) e os do Golfo da Guiné (em S. Tomé, Príncipe e Ano Bom).
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Classificam-se como Indo-portugueses os crioulos da Índia (de Diu, Damão, Bombaim, Chaul, Korlai, Mangalor, Cananor, Tellicherry, Mahé, Cochim, Vaipim e Quilom e da Costa de Coromandel e de Bengala) e os crioulos do Sri-Lanka, antigo Ceilão (Trincomalee e Batticaloa, Mannar e zona de Puttallam). Quanto a Goa (na Índia), é discutível se aí se terá formado um crioulo de base portuguesa. Theban (1985) e Tomás (1995) consideram, contrariamente a Holm (1989) e Clemens (1996, 2000), que a pressão muito forte do português, língua oficial e de instrução, teria impedido a formação de um crioulo em Goa.
Na Ásia surgiram ainda crioulos de base portuguesa na Malásia (Malaca, Kuala Lumpur e Singapura) e em algumas ilhas da Indonésia (Java, Flores, Ternate, Ambon, Macassar e Timor) conhecidos sob a designação de Malaio-portugueses.
Os crioulos Sino-portugueses são os de Macau e Hong-Kong.
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Na América encontramos ainda um crioulo que se poderá considerar de base ibérica, já que o português partilha com o castelhano a origem de uma grande parte do léxico (o Papiamento de Curaçau, Aruba e Bonaire, nas Antilhas) e um outro crioulo no Suriname, o Saramacano, que, sendo de base inglesa, manifesta no seu léxico uma forte influência portuguesa. (v. Crioulos com forte influência lexical portuguesa).
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Alguns autores referem-se a variedades de um semicrioulo de base portuguesa no Brasil e a variedades dialetais afro-brasileiras que corresponderiam a uma fase avançada de descrioulização de antigos crioulos, como a de Helvécia.
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A época das navegações e da expansão e colonização portuguesas foi propícia ao contacto linguístico e à formação de crioulos. As situações sociolinguísticas decorrentes dos diferentes tipos de contacto entre a língua portuguesa e as outras línguas africanas, asiáticas e americanas, estiveram na origem de manifestações linguísticas também diferentes.
.Os primeiros contactos favoreceram, naturalmente, a formação de pidgins, para efeitos de comunicação imediata, sobretudo quando as línguas veiculares tradicionalmente usadas para o mesmo fim, como o árabe, deixavam de ser funcionais. Estes pidgins perduraram como línguas de comércio na África e na Ásia até ao século XVIII.
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A partir desses primeiros contactos, onde a língua portuguesa se conseguiu impor, apoiada por um número elevado de falantes (como no Brasil) ou por uma política de ensino e difusão sistemática (como em Goa, sede do poder militar e administrativo português desde 1512), foi plenamente adquirida pelos grupos que a ela tiveram acesso e manteve-se assim, com vitalidade, muitas vezes a par das outras línguas maternas e do próprio pidgin de base portuguesa.
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Pelo contrário, a formação das línguas crioulas ocorreu, tipicamente, em comunidades multilingues em que houve fraco acesso ao modelo da língua portuguesa (sendo o número de portugueses proporcionalmente muito inferior ao dos outros grupos), perda parcial ou mesmo total de funcionalidade das outras línguas maternas e forte miscigenação. Estas condições ocorriam em zonas de concentração e isolamento das populações miscigenadas (como em Korlai, na Índia), longe das suas terras e culturas de origem, em particular em plantações e em ilhas como as de Cabo Verde e S. Tomé, mas também nas fortificações costeiras edificadas pelos portugueses nos séculos XV e XVI (como Cananor e Cochim).
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Os crioulos de base portuguesa conhecidos surgiram nas zonas e locais assinalados nos mapas de três modos distintos: ou por formação in loco ou por difusão (tendo, neste caso, migrado com os seus falantes para diferentes partes do mundo às vezes tão longínquas como as Antilhas), ou ainda pela convergência das duas formas. Os crioulos de base portuguesa que se presume terem existido em algumas zonas do Brasil, nomeadamente no Nordeste, poderão ter sido o resultado dessa convergência: ao contexto multilingue favorecido pelas plantações de açúcar veio associar-se a importação de escravos de regiões africanas onde comprovadamente já se falava crioulo, como no arquipélago de S. Tomé.
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Sendo, ao contrário dos pidgins, línguas maternas de uma comunidade, os crioulos, uma vez formados, passaram a constituir símbolos de identidade de grupo o que explica, em grande parte, a sua resistência às subsequentes investidas assimiladoras das línguas de poder e de maior prestígio social e cultural que com eles se mantiveram em contacto, entre as quais o próprio português.
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Essa resistência foi tanto maior e mais eficaz quanto maior o isolamento (como em Tugu) e quanto menor o poder e a pressão das línguas em contacto (nomeadamente através da instrução). Foi ainda favorecida quando à língua crioula se veio associar a identificação com a religião cristã, por oposição às religiões circundantes (como em Casamansa e em Malaca). Em circunstâncias em que as populações falantes de crioulos ascenderam à independência (Cabo Verde, Guiné-Bissau…) houve mesmo uma revitalização do crioulo, fortalecida nos casos de oficialização (Papiamento)..
Ainda assim, esses focos de resistência acabaram frequentemente por ceder e permitir uma descrioulização umas vezes paulatina, outras acelerada, conduzindo, em alguns casos, à morte, em particular quando os crioulos perderam a funcionalidade em favor de outras línguas social e politicamente dominantes (como aconteceu com a maioria dos crioulos da Ásia).
A origem lexical dos crioulos de base portuguesa é nalguns casos facilmente reconhecível como se pode verificar na seguinte expressão em Crioulo de Cabo Verde:
E meste pa nho ben li
Ele (haver) mister (de) para senhor vem ali
Ele precisa (de) que o senhor/você venha cá
Já em Forro, um dos crioulos de S. Tomé, o reconhecimento se torna mais difícil, como evidencia o seguinte dito popular (a que corresponde o dito português cada um serve-se das armas que tem)
Mina pikina ka pidji ku bóka
Menina pequena ficar pedir com boca
A criança pede com a boca
Ngê tamé ka pidji ku uê
Alguém tamanho ficar pedir com olho
O adulto pede com os olhos
Neste crioulo as profundas mudanças fonológicas tornam mais evidente a divergência em relação ao português. A inexistência dos fonemas representados por –r- e –rr-, na grafia portuguesa, torna muito difícil, por exemplo, a identificação de palavras como tela e lenha, que se traduzem, respetivamente, por terra e rainha. O mesmo sucede no crioulo do Príncipe, ou Lunguyé (Língua da ilha), em que estes fonemas desaparecem: Tetúga kodá na súnu, e wé buká kágu (A tartaruga acordou do (seu) sono, foi buscar a carga).
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A origem portuguesa da maioria das unidades que compõem o léxico das novas línguas crioulas não implica que tenha havido manutenção do sistema lexical português. Pelo contrário, as unidades lexicais foram reanalisadas e integradas num sistema fonológico, morfológico, sintático e semântico novo e, apesar das semelhanças notórias, quase sempre divergente.
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A coexistência sincrónica de semelhanças e divergências associada ao efeito do contacto com outras línguas e ao efeito das diferentes mudanças diacrónicas sofridas autonomamente, ao longo de cinco séculos, pela língua portuguesa e pelas línguas crioulas que dela derivam, dá origem, por um lado, a dificuldades de reconhecimento do étimo português (como nos exemplos do santomense e do principense acima), e, por outro, a um fenómeno de aparente compreensão e consequentes mal–entendidos entre falantes das duas línguas, crioula e portuguesa.
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Dificuldades de reconhecimento
Tomando como exemplo um dos crioulos de base portuguesa de mais fácil descodificação lexical para um falante de português, o Crioulo de Cabo Verde, na sua variedade de Santiago, vemos como ainda assim são inúmeros os casos de dificuldade de reconhecimento do significado da palavra, devido, entre outros, aos seguintes fatores:
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- Forte erosão fonética, própria das línguas de tradição oral: a palavra ka pode advir, por exemplo, de kasa (port. casa e casar ), kaba (port. acabar), ka ba (port. não ir).
- Mudança radical da forma fonológica: dibra corresponde ao português dívida.
- Reestruturação silábica: pulugrama (port. programa)
- Divergência da forma portuguesa de base e convergência casual com outra forma portuguesa atualmente em uso: pasu (port. pássaro e não passo).
- Derivação de palavras arcaicas ou em desuso: kuma (port. antigo: coma), limaria (animal), do port. alimária.
- Alteração da forma original por analogia com outras formas crioulas: disferenti (diferente)¸ diskesi (esquecer).
- Manutenção da forma e mudança do significado: pe (port. pé e perna até ao joelho ou até à anca; tronco, caule; árvore) de que um caso particular é o uso de morfemas de origem portuguesa (como o prefixo dis- (do port. des-)) com significado diferente: diskume (do port des + comer, com o significado de ruminar).
- Manutenção das formas mas rearranjo morfológico para a formação de uma palavra nova (com novo significado): distanpa, port. perder a tampa (do port. dis + tampa); disgrasadésa, port. disparate, tolice (do port. desgraçado + –eza).
- Reanálise das fronteiras de morfemas: azágua, port. a época das chuvas (do port. as águas).
- Composição de formas de diferentes origens: disdangu, port. desdenhar (port. dis + mandinga danku, « responder »).
- Acentuada multifuncionalidade lexical, podendo a mesma forma assumir diferentes categorias sintáticas como kaska (port. casca, côdea e descascar) e madera (madeira, forrar com madeira), simultaneamente Nomes e Verbos.
Pidgin
Em situações de contacto entre falantes de línguas maternas diferentes que, por razões de ordem social, têm necessidade urgente de comunicar entre si surge, frequentemente, uma forma de linguagem veicular, utilizada em situações restritas de comunicação, a que se dá o nome de pidgin. O pidgin corresponde aos primeiros estádios de aquisição espontânea da língua do grupo socialmente dominante pelos falantes das outras línguas. O grupo dominante que, inicialmente, procura adaptar e simplificar a sua língua para se fazer entender, acaba por ter de aprender o pidgin, uma vez este formado.
.O pidgin é uma linguagem subsidiária, de recurso, com um léxico e morfologia reduzidos, não podendo, pois, funcionar como língua materna. A língua dominante, também chamada língua-base, contribui essencialmente com o léxico para a sua formação. Diz-se, assim, de um pidgin cujo léxico deriva da língua portuguesa, que é um pidgin de base portuguesa.
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Foi a urgência de entendimento mútuo entre europeus e africanos (e, posteriormente, asiáticos), que criou as primeiras condições de emergência de pidgins de base portuguesa, nos séculos XV e XVI. Estes, em alguns casos, por um processo de complexificação estrutural e expansão lexical, deram origem a crioulos.
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Crioulos da Alta Guiné
Os crioulos de base portuguesa da Alta Guiné englobam os crioulos de Cabo Verde (variedades de Barlavento e de Sotavento), da Guiné-Bissau e de Casamansa, no Senegal.
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São os crioulos de base portuguesa mais antigos e mantêm grande vitalidade, apesar de línguas não oficiais, embora nacionais.
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O kriolu de Cabo Verde ou kauberdianu é língua materna de todos os cabo-verdianos que nascem no arquipélago (descoberto pelos portugueses em 1460) e também da maioria dos que vivem na diáspora. Criou-se inicialmente em Santiago e no Fogo, nas primeiras ilhas povoadas e colonizadas com europeus e escravos vindos da costa ocidental de África. Tem duas variantes principais: a de Barlavento e a de Sotavento.
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O Kriol surgiu na região dos rios da Guiné, do rio Senegal à Serra Leoa, no início do século XVI, em particular nas «praças» que funcionavam como entrepostos comerciais, tais como Cacheu, Ziguinchor, Geba e Farim.
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Em Ziguinchor (Casamansa) que, na sequência do estabelecimento de fronteiras com o governo francês em 1886, deixou de estar sob o domínio português, fala-se uma variedade do crioulo de Cacheu, com influência do crioulo de Bissau, mas com caraterísticas gramaticais e lexicais próprias.
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Enquanto o crioulo cabo-verdiano se manteve apenas em contacto com a língua portuguesa, falada também como língua segunda e às vezes materna por uma parte considerável da população, os crioulos da Guiné-Bissau e de Casamansa coexistem não só com o português e o francês, respetivamente, mas com as múltiplas línguas africanas do território, de que recebem constantes influências. Mais especificamente na Guiné-Bissau, o crioulo, língua materna ou língua segunda de grande parte da população, convive com mais de vinte línguas dos grupos Oeste-Atlântico e Mande.
As ilhas de S.Tomé, Príncipe e Ano Bom, foram descobertas pelos portugueses entre 1470 e 1471 mas ocupadas apenas em 1485, 1500 e 1503, respetivamente.
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No início do século XVI S. Tomé era já um entreposto de escravos onde se formou o primeiro crioulo de base portuguesa desta área, o forro ou santomense. Nesse período foram enviados escravos para o Príncipe e para Ano Bom, para trabalhar nas plantações, pelo que os crioulos do Golfo da Guiné tiveram todos provavelmente a sua origem no forro de S. Tomé, tendo-se desenvolvido, no Príncipe, o Principense ou Lunguyê (Língua da Ilha) e em Ano Bom o Anobonês ou Fá d’Ambô (Falar de Ano Bom).
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O Santomense deve-se ter estabilizado no fim do século XVII, quando diminuiu o fluxo de escravos, tendo atingido uma forma muito próxima do atual basileto.
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Nos primeiros cem anos os escravos eram trazidos principalmente do Benim onde se falavam as línguas Kwa. Mais tarde recebeu influências do Kikongo falado pelos escravos vindos do Rio Congo. Embora com menos expressão, subsiste, ainda, em S.Tomé, um outro crioulo, o Angolar.
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A comunidade angolar foi formada por escravos fujões no século XVI. O crioulo falado pelas primeiras gerações de angolares sofreu provavelmente uma relexificação à medida que a comunidade acolhia novos escravos fujões falantes de línguas de origem banto, como o Quimbundo, o Edo e o Kikongo.
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O Angolar e o Santomense divergem fundamentalmente no léxico e na fonologia e estão bastante próximos na morfologia e na sintaxe o que sugere uma história comum durante as primeiras fases do seu desenvolvimento. O Santomense tem um léxico maioritariamente de origem portuguesa embora com influência das línguas Kwa e Banto. O léxico do Angolar integra um maior número de fontes africanas, sobretudo do Quimbundo.
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O principense apresenta grandes afinidades com o forro, não só pela origem santomense dos primeiros escravos cuja língua serviu de modelo aos escravos posteriormente importados, mas também pela coincidência do substrato linguístico Banto e Kwa.
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Depois da sua introdução na ilha, juntamente com os primeiros escravos vindos de S. Tomé, o Fá d’Ambô desenvolveu-se isoladamente, com poucas influências do exterior, já que os poucos brancos que permaneciam na ilha o faziam por curtos espaços de tempo. A ilha foi cedida aos espanhóis nos finais do século XVIII e faz parte desde 1968 da República da Guiné Equatorial.
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Nos últimos cem anos o crioulo importou algumas palavras do espanhol. Hoje os Anobonenses são bilingues em Fá d’Ambô e Espanhol.
Dos muitos crioulos de base portuguesa que se falaram na Índia e no Ceilão poucos são os que ainda sobrevivem, umas vezes na memória dos falantes mais idosos, outras apenas sob a forma de vestígios nas manifestações da tradição oral e religiosa, raramente como línguas maternas.
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Schuchardt e Dalgado dão notícia de vários crioulos já extintos no século XIX, como os da Costa de Coromandel (Meliapor, Madrasta, Pondicheri, Tranquebar, Manapar, etc…) e de Bengala (Balassor, Chandernagor, Chittagong, entre outros). Os inúmeros crioulos norteiros em torno de Bombaim (como os de Baçaim, Salcete, Mazagão e Chaúl), línguas maternas das comunidades cristianizadas pelos portugueses, desapareceram entretanto. A mesma sorte tiveram os crioulos da costa de Malabar, à exceção do de Vaipim, ilha próxima de Cochim, que permaneceu até aos nossos dias, mas falado apenas por umas poucas famílias da comunidade cristã. Em Cananor e Tellicherry, nos anos oitenta, ainda era possível obter, junto dos mais velhos, algumas reminiscências do crioulo. Também o crioulo de Diu cedeu à pressão da língua dominante e de escolarização obrigatória, o guzarate, e resiste apenas entre os mais idosos e sem instrução.
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Damão e Korlai são os grandes focos da resistência dos crioulos de base portuguesa na Índia. O crioulo de Damão é língua da casa de uma população de cerca de 2000 pessoas. Em Korlai, aldeia isolada após a conquista marata em 1764, o crioulo ou língua Kristi é ainda hoje a única língua materna de quase mil cristãos.
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No Sri Lanka, o crioulo, mesmo após o fim da ocupação portuguesa (1505-1658), persistiu como língua materna da população cristã de ascendência portuguesa e holandesa, os «Burghers», em Trincomalee e Batticaloa, onde subsiste ainda em algumas zonas rurais, embora muito influenciado pelo Tamil e pelo Cingalês. O mesmo crioulo funcionou como língua franca em toda a ilha, até ao século XIX, altura em que o inglês o suplantou, restringindo-se então, progressivamente, ao uso familiar entre os Burghers e foi falado até meados do século XX em Mannar e na área de Puttallam. Aqui, entre os descendentes das famílias de cafres trazidos no século XIX da África Oriental, como soldados, pelos ingleses, ainda se encontram alguns velhos que sabem crioulo além do cingalês e toda a comunidade sabe cantar canções em crioulo.
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Crioulos Malaio-Portugueses
Na Malásia, mais propriamente em Malaca (possessão portuguesa entre 1511 e 1641), formou-se um crioulo de base portuguesa que ainda hoje é falado por uma comunidade de mais de mil cristãos, o papiá kristang, língua que, com os seus falantes, migrou para outras localidades como Kuala-Lumpur e Singapura.
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Em vários pontos da Indonésia em que os portugueses estabeleceram entrepostos comerciais, como em Sumatra, Macassar (Celebes), Ambon e Ternate (Molucas), nas Flores e em Timor, surgiram variedades de um crioulo de base portuguesa muito próximo do Papiá Kristang de Malaca.
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O crioulo funcionou como língua franca em Batávia (atual Jacarta), desde o século XVII ao início do século XIX, falado por holandeses, descendentes de soldados e de escravos por eles trazidos da Índia e pela comunidade de origem portuguesa. Em Tugu, aldeia isolada a norte de Jacarta, os descendentes dos portugueses mantiveram vivo o crioulo, como língua materna, até aos anos quarenta, embora ainda fosse falado nos finais dos anos setenta do século passado.
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Uma comunidade fugida aos ataques holandeses, primeiro de Malaca (1641) e posteriormente de Macassar (1660) estabeleceu-se em Larantuka, nas Flores, onde ainda hoje se mantêm vestígios do crioulo nas tradições religiosas.
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Em Timor existiu numa zona suburbana de Díli uma variedade de crioulo de base portuguesa, semelhante às de Malaca e de Macau, falada pelos «moradores» de Bidau, soldados e oficiais voluntários provindos da antiga capital, Lifau, e dos estabelecimentos portugueses das Flores (como o de Larantuka) e de Solor que aí se instalaram, com as suas famílias. Atualmente, apenas alguns timorenses reconhecem a existência deste crioulo que identificam como uma variedade mal falada de português, o português de Bidau.
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Crioulos Sino-Portugueses
O macaísta ou patuá, hoje praticamente extinto, surge em Macau a partir de 1557, trazido por portugueses vindos de Malaca. Nas primeiras décadas do século XX ainda era falado por muitos como língua materna bem diferenciada do português, mas o desenvolvimento do ensino da língua oficial, depois de 1850, acelerou o seu processo de descrioulização. Por volta dessa data migra mais uma vez com os «filo Macau» (filhos de Macau) para a recém formada colónia inglesa de Hong-Kong. Com o desaparecimento das gerações mais antigas vindas de Macau (que, além da língua materna crioula, dominavam o português escrito, o cantonês e o inglês), e com o êxodo dos macaenses desencadeado pelos ataques dos japoneses durante a segunda guerra mundial, o macaísta foi-se tornando cada vez menos funcional em Hong-Kong, tendo desaparecido como língua de grupo e sobrevivendo apenas na memória de alguns.
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Crioulos com forte influência lexical portuguesa
A forte presença num crioulo de léxico de uma determinada origem linguística pode resultar de diferentes fatores :
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- Advir da língua-mãe, que esteve na origem da sua formação.
- Advir das línguas de substrato, também presentes na fase da formação.
- Ser resultado de um processo de relexificação ou substituição em massa do léxico inicial pelo léxico de uma língua posteriormente em contacto.
- Ser resultado de um processo de descrioulização, ou seja, assimilação a uma língua de contacto com maior prestígio ou poder, com substituição progressiva das unidades e estruturas próprias do crioulo pelas da outra língua.
- Provir de empréstimos para colmatar falhas em algumas áreas lexicais do crioulo (tal como a da metalinguagem ou a da terminologia técnica).
Na zona das Antilhas e do Suriname surgem dois crioulos que, não podendo ser considerados sem restrições, como de base lexical portuguesa, contêm em si um considerável acervo lexical de origem portuguesa. São eles o Papiamento (do port. papear) e o Saramacano.
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Papiamento
Crioulo falado nas lhas de Curaçau, Aruba e Bonaire, nas Antilhas Holandesas, ao norte da Venezuela desde a segunda metade do século XVII. Tem atualmente um estatuto de língua oficial juntamente com o neerlandês. A grande maioria do seu léxico é de origem hispânica, sendo notoriamente inferior a contribuição do neerlandês. Dada a proximidade entre o português e o espanhol é frequentemente muito difícil, se não impossível, determinar qual das duas línguas está na origem de cada uma das unidades lexicais do Papiamento. A palavra do papiamento sukú tem tantas probabilidades de advir do português escuro como do castelhano oscuro. É no entanto curiosa a evolução para sukuru, em cabo-verdiano, crioulo inequivocamente de origem unicamente portuguesa.
Existe, na verdade, um elevado grau de similitude entre as estruturas e o léxico do papiamento e os de outros crioulos africanos de base portuguesa, em particular a variedade santiaguense do cabo-verdiano e os crioulos do Golfo da Guiné, nomeadamente o Santomense.
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A forte presença do léxico português, sobretudo antes da relexificação progressiva, no século XVII, em direção ao espanhol, língua da religião católica e da oposição simbólica aos holandeses (protestantes) e com grande peso na área geográfica envolvente, deveu-se à confluência dos seguintes fatores: importação de escravos vindos da costa ocidental de África, onde eventualmente já dominariam um pidgin ou mesmo um crioulo de base portuguesa e permanência de uma comunidade de judeus falantes de português que haviam fugido às perseguições católicas.
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Saramacano
Crioulo falado no interior do Suriname, em que a língua oficial é o Holandês. Tem cerca de 25.000 falantes da tribo dos Saramacanos e 2.000 da tribo Matawai.
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Atualmente pode ser considerado um crioulo de base inglesa com forte influência lexical portuguesa, embora essa influência tenha decrescido consideravelmente durante o século XIX.
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As origens do Saramacano são controversas. Nos fins do século XVII, na área central do rio Suriname, onde havia muitas plantações judias, existiu uma forma mista de linguagem (português e inglês), o Dju-Tongo, que poderia ter sido um pidgin precursor do Saramacano. Segundo Smith (1987) o Dju-Tongo seria o resultado do contacto entre um pidgin inglês e um crioulo português do Suriname falado entre os escravos fugidos das plantações. A primeira fuga em massa dos escravos (Matjáu) da plantação Emanuel Machado (um português) foi em 1690. Nessa perspetiva, o Saramacano poderá ser considerado um antigo crioulo de base portuguesa que sofreu um processo de relexificação pelo inglês.
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Perl (1999) aponta duas origens para o léxico de base portuguesa do Saramacano: o português adquirido pelos saramacanos no contacto com os seus senhores, falantes do português, e/ou o pidgin de base portuguesa que já seria falado pelos escravos na África Ocidental.
Alguns autores referem-se a uma variedade não standard do português brasileiro, o Português Vernáculo do Brasil (PVB) (Holm & al 1999), como sendo um semicrioulo, uma variedade que, embora partilhando com os crioulos alguns traços estruturais, não resultou de um processo de crioulização radical. Nesta perspetiva, em situação de contacto entre múltiplas línguas, o português, constituindo um modelo pouco acessível, nomeadamente nas comunidades escravas, teria sido adquirido como segunda língua por falantes adultos de outras línguas maternas (em particular africanos) de uma forma imperfeita sofrendo uma reestruturação parcial e nessa forma tendo sido transmitido de geração em geração. A presença de traços tipicamente crioulos (tais como a variação no uso de flexões verbais e na concordância nominal e verbal) ter-se-ia devido, igualmente, à influência de antigos crioulos falados no Brasil (nomeadamente pelos escravos trazidos da costa ocidental de África para trabalhar nas plantações) e atualmente extintos.
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Para outros autores (como Parkvall 1999), o grau de reestruturação patente no PVB é tão moderado que dificilmente se lhe poderá aplicar a designação de semicrioulo, podendo a reestruturação existente explicar-se, não só pelo efeito do contacto com outras línguas, mas também, pela evolução interna inerente a qualquer língua.
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No entanto, existe uma variedade dialetal afro-brasileira que parece corresponder a uma fase avançada de descrioulização de um anterior crioulo, a variedade de Helvécia, ao sul da Baía. A povoação de Helvécia descende de escravos negros que pertenciam a uma colónia suíça-alemã fundada em 1818. Segundo Baxter (1995), nas primeiras épocas da Colónia Leopoldina, o português que serviu de modelo para a formação desta variedade era ele próprio muito variável, sendo falado por uns como língua materna e por outros como língua segunda, o que favoreceu um processo mais radical de reestruturação.
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Fontes
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