JOVENS E SUICÍDIO: Catarina Valadão Quando o coração apanha pouca rede

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Quando o coração apanha pouca rede
Vivemos na época mais conectada da história da humanidade. Podemos falar com alguém do outro lado do mundo em segundos, enviar fotografias, partilhar pensamentos, pedir conselhos, confessar saudades e, no entanto, nunca estivemos tão sós. É um paradoxo cruel: quanto mais nos ligamos, mais nos afastamos. O Wi-Fi é forte, mas o coração apanha pouca rede.
Os números não mentem, embora falem baixo. Em Portugal, em 2022, cinquenta e três jovens entre os 15 e os 24 anos tiraram a própria vida. Cinquenta e três rapazes e raparigas que, no papel, tinham tudo à frente – menos o apoio para de lá chegar. É o valor mais alto dos últimos vinte anos – 67% eram do sexo masculino. Mais assustador, 23% dos jovens já tiveram pensamentos ou atos suicidas. Estatísticas que parecem frias, até nos lembrarmos que cada número é um ser humano que deixou de viver.
A saúde mental tornou-se a epidemia discreta do século XXI. A ansiedade, a depressão, o medo do fracasso – tudo isso cresce em miúdos que ainda deviam estar a descobrir o mundo, não a sobreviver-lhe. É a adolescência mais cansada de sempre: dorme mal, pensa demais e sente tudo. Vive num mundo em que a felicidade é obrigatória e a comparação é permanente.
Mas há outra parte da história: os pais. Tão ocupados, tão exaustos, tão centrados em sobreviver, que se demitiram – devagarinho – de serem pais. Trabalham até tarde, correm atrás de contas, de metas, de reconhecimento, de qualquer coisa que os prove. Querem dar tudo aos filhos, mas esquecem-se de lhes dar o essencial: tempo, presença, limites, colo. A autoridade evapora-se com o medo de traumatizar; a ternura confunde-se com permissividade.
Entretanto, os filhos crescem sem resistência, sem frustração, sem “nãos” e quem nunca ouviu um “não” em casa, quando o mundo lho diz, desaba. Educar é também frustrar com amor: é ensinar a esperar, a perder, a aceitar. É provocar pequenas quedas para que saibam levantar-se sozinhos. O afeto verdadeiro não é dizer sempre “sim”, é explicar que a dor do “não” é humana.
Os miúdos precisam de adultos que aguentem o choro sem fugir, que saibam escutar sem julgar, que não tenham medo de serem impopulares. Precisam de pais que não estejam apenas presentes fisicamente, mas emocionalmente disponíveis. Porque se os pais não ensinam os filhos a lidar com as emoções, o mundo ensina – e o mundo, geralmente, ensina mal.
As redes sociais mostram-lhes vidas perfeitas, corpos filtrados, amores fáceis. Tudo parece acessível e instantâneo, mas ninguém ensina a lidar com o que é lento, imperfeito, frustrante – com o que é humano. É aí que nasce a solidão: nesse buraco entre o que se mostra e o que se sente. Os jovens não querem morrer; querem que a dor faça sentido. Só que ninguém lhes ensinou a lidar com ela e a esperar que ela passe.
A saúde mental não se cura com slogans nem campanhas coloridas. Cura-se com tempo. Com pais que voltam a ser pais. Com conversas à mesa, sem ecrãs. Com perguntas que esperam resposta. Com adultos que mostram que sentir é normal e que errar não é o fim. Com amor firme, não apenas amor doce.
Vivemos rodeados de notificações, mas quase sem toque humano. Falamos com máquinas que respondem melhor do que pessoas e depois perguntamo-nos porque é que ninguém aguenta. Talvez porque não basta estarmos ligados; é preciso estarmos juntos.
A verdadeira conexão demora, exige paciência, silêncio e ternura. É olhar nos olhos, é ouvir para compreender, é ficar mesmo quando o outro não sabe o que dizer. É educar: esse milagre simples que pode salvar vidas.
Catarina Valadão
Publicado no jornal Açoriano Oriental a 08.11.2025

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