José Soares : O País que (ainda) não foi

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Peixe do meu quintal José Soares

 

 

Açores, 17 de novembro de 1975:

O País que (ainda) não foi

 

 

Neste novembro que agora atravessamos, seríamos um país independente com 48 anos. Muitos outros países nasceram depois. É na revisitação aos documentos que cada vez mais existem e são desclassificados, que tomamos consciência o quão perto estivemos da soberania plena.

Tal como as restantes colónias do império, os Açores e a Madeira pagaram o preço da dependência, para que os outros fossem independentes.

 

“…Durante a ebulição sobre o decreto que confere novas competências à Junta Regional, membros da Junta perspetivando que a situação era propícia a uma nova vaga de fundo de apoio ao independentismo, contexto no qual a Junta teria dificuldade em opor-se, procuram a cônsul [dos EUA] no sentido de solicitar apoio da administração norte-americana. Os membros da Junta eram favoráveis a uma extensa autonomia, mas prefeririam a independência a uma autonomia restrita, avisa a cônsul no telegrama que envia para o Departamento de Estado e embaixada em Lisboa onde relata a “longa conversa” mantida com os vogais Álvaro Monjardino e José Pacheco de Almeida, segundo os quais “Todos os membros estão insatisfeitos com este decreto porque reduz a autoridade da Junta e a possibilidade de uma extensa autonomia. Os dois membros do PS que fazem parte da Junta, Vargas e Goulart, também estão insatisfeitos e dispostos a tomar uma posição firme.” Mais determinado, José Pacheco de Almeida disse que agora vai trabalhar com a FLA e deu a entender que Jácome Correia faria o mesmo. Disse que há semanas que a FLA tem estado calma por ordem da Junta (…) acredita que uma extensa autonomia é o melhor para os Açores. Receia que se a Junta não for firme nesta questão, a liderança passará para a FLA. O único membro da Junta Regional que fez parte do grupo de trabalho que elaborou o estatuto, Álvaro Monjardino, “está mais hesitante”, segundo a cônsul: “Acredita na autonomia, mas tem medo da independência. Acredita que o desiderato seria fácil de alcançar, mas receia as consequências económicas e sociais. A opção da independência não está fora do seu pensamento nem ele a rejeita.” (Ponta Delgada, dezembro, 20, 1975”.

“…Os dois membros da Junta foram claros relativamente à ação que esperavam da administração norte americana: “Pretendiam que o governo americano compreendesse a presente situação e que a fizesse ver ao governo português. Garanti-lhes que eu iria transmitir os seus pontos de vista ao governo americano, mas não me pronunciei quanto ao resto. Eles enfatizaram que uma extensiva autonomia é o melhor para os Açores, mas ficou claro que eles estavam discutindo ações que podiam levar à independência.” No comentário a esta conversa com os dois membros da Junta Regional, a cônsul Pfeifle afirma: “Os membros da Junta defendem uma ampla autonomia, mas prefeririam a independência a uma autonomia restrita. Devem reagir fortemente contra a limitação da autoridade da Junta preconizada pelo partido no poder ou perdem a oportunidade de alcançar a autonomia que pretendem, mesmo que as suas ações carreguem o risco da independência.” Dois dias depois, a cônsul volta a insistir no mesmo assunto e alerta o Departamento de Estado “O considerável apoio que era dado à independência mudou, agora suporta uma autonomia extensiva. Talvez o governo entenda que independência/movimento de autonomia seja somente um movimento anticomunista. O anticomunismo deu um impulso considerável ao movimento independentista, mas o movimento tem profundas raízes e afinidades históricas, baseadas numa profunda desconfiança em relação a qualquer governo forte de Lisboa e atualmente tem amplo apoio nos Açores.

“…Nos anos 70 do século XX, os Estados Unidos mantinham fortes interesses geoestratégicos nos Açores. A nível internacional, embora caminhando para um certo desanuviamento, vigorava o sistema bipolar. Caducado o acordo luso-americano, os Estados Unidos necessitavam de manter a utilização incondicional da Base das Lajes (Terceira), infraestrutura crucial para o acesso, controlo e projeção de forças na Europa e Médio Oriente e cuja importância vital tinha acabado de ser confirmada pela estratégia vencedora aplicada, em 1973, na Guerra de Yom Kippur. Do ponto de vista americano, a Base das Lajes constituía-se como a linha mais avançada de defesa contra o bloco soviético e o Pacto de Varsóvia. Nesse sentido, por interesse próprio, a administração norte-americana manteve abertos canais de comunicação com os independentistas em Ponta Delgada, através dos serviços consulares em Lisboa e no próprio território norte-americano…” (Berta Maria Tavares Sousa Cabral, 2013 – A DIPLOMACIA NORTE-AMERICANA E AS MOVIMENTAÇÕES INDEPENDENTISTAS NOS AÇORES EM 1975).

 

A divulgação destes excertos documentais é muito mais longa, mas estes não deixam de ser pedaços de História que convém lembrar sempre, perante a permanência dos abusos e ataques contínuos à presente situação a que os moderados chamam de regime autonómico, por parte dos governos centralistas de Lisboa, ainda com muitas convulsões colonialistas.

Afinal, ao longo destes 48 anos, a autonomia concedida para substituir a independência mais desejada de então, essa autonomia continua a ser retirada aos pedaços por São Bento, através das mais diversas subtilezas políticas, perante a inação dos políticos regionais atuais, estes movidos por ambições pessoais que evitam confrontar São Bento, ou a ‘disciplina partidária’ ditada pelos chefões de São Bento.

Não deixa de ser perverso, que são as ações negativas dos governos em Lisboa contra as Autonomias, que mais e melhor incentivam e aprofundam sentimentos adversos nos povos atlantes.

Lisboa tem medo de perder o mealheiro dourado açoriano e é bom que tenha. O sonho não terminou e acordará a qualquer momento. Disso estamos cientes.

O Povo estará sempre preparado para dar à luz uma nação. E o Direito Internacional Público será o parteiro.