JOSÉ NUNO DA CÂMARA PEREIRA O INJUSTIÇADO

May be a black-and-white image of 1 person and brick wall
OPINIÃO
José Nuno, “o injustiçado”?
José Nuno Monteiro da Câmara Pereira, oriundo de uma família convencional com multiplas provas dadas no campo cultural e social, artista e agitador de mentalidades, nascido em Santa Maria (1937), moldado em Lisboa e residente em grande parte da sua vida em Angra do Heroísmo, deixou-nos após várias décadas a residir na ilha Terceira.
O seu falecimento ainda recente (14 de janeiro de 2018) e precoce como muitos outros, deixou-nos a responsabilidade de zelar e acarinhar o seu espólio criativo, potenciando através dele a Região e o País que ele sempre defendeu (idealisticamente) como missão pessoal.
Para além de inúmeras peças da sua autoria que preenchem coleções e variados espaços públicos e privados, Angra do Heroísmo é depositório de algumas das suas “respeitosas pegadas” que bem merecem/mereciam maior respeito e divulgação.
Recordo, com uma sensação de perda de uma (boa) oportunidade perdida, um guardavento/peça artistica que existiu na Sé Catedral de Angra do Heroísmo, composto por vidros serigrafados (da sua autoria), que foi draconianamente removido e substituído após a quebra de um desses vidros…
Quem não reconhece a importância das portas existentes na Basílica da Sagrada Família, em Barcelona, onde o trabalho do Josep Maria Subirachs (não menorizando o papel de Antoni Gaudi, entre outros) só valoriza, pela positiva, um trabalho intergeracional que, iniciado nos finais do século XIX, se tornou numa componente identitária impossível de ignorar.
Vislumbro episódicamente uma peça metálica de grandes dimensões (Áxis, 2006), implantada no interior do Forte de S. Sebastião, vulgo Castelinho, enquanto espaço público da então rede das Pousadas de Portugal, que após a atual concessão de exploração se recolhe periódicamente das vistas dos potenciais interessados, um pouco ao sabor dos ciclos gestionários que a hotelaria se vê sujeita…
Também o ainda existente pavimento do Porto das Pipas, pensado para transformar o antigo porto de mar numa zona de lazer digna de competir em pé de igualdade com as (então novas) áreas de lazer das cidades maiores, foi desenvolvido e pensado pelo “nosso” José Nuno para a sua valorização como tal.
Provavelmente muito ficaram surpresos, pois logo após a conclusão da ambiciosa, cara e enriquecedora intervenção,esta se viu mutilada pela sua segmentação e subalternização a parque de estacionamento…
Para quando contaremos com um roteiro turístico/cultural que divulgue e enquadre as (poucas) peças de arte disfrutáveis pelos que cá habitam e por quem nos visita?
Termino, lamentando o estado de ocultação vegetal em que o mural de azulejos (2004) do mesmo autor se encontra sujeito, no jardim dos Corte-Reais, que provavelmente será a maior e a mais significativa peça de arte contêmporãnea, no domínio da azuleijaria de autor, existente no arquipélago.
Aos responsáveis caberá o dever de a preservar e de a manter disponível para o disfrute e visualização integral, condicionando as espécies vegetais do referido jardim à valorização do seu bem maior e à divulgação da obra e do seu autor.
Não sendo nosso forte o reconhecimento do valor alheio, apelo a que se valorize o pouco que ainda temos, sob pena de que as gerações vindouras deparem com um vazio irremediável, no que ao património artístico/cultural diz respeito.
(PAULO VILELA RAIMUNDO)
  • in, Diário Insular, 23 de Outubro / 2021

— with Pedro Monteiro and Rui Monteiro.

Like

Comment
Share
1 comment