jornal Público “arrasa” Colóquios da Lusofonia

 

acabo de receber esta extraordinária peça, mas não sei se lhe chame jornalismo… FALANDO DA SUA CÁTEDRA SEM JAMAIS SE TER DESLOCADO A NENHUM COLÓQUIO, O ARTICULISTA DO JORNAL PÚBLICO (ferozmente anti-AO) “arrasa” os nossos colóquios e todos os escritores, investigadores e demais pessoas (centenas várias) que ao longo de 19 edições vieram aos colóquios e certamente, ao contrário do que o articulista insinua, não foi para fazer turismo…Fico pessoalmente grato pela publicidade gratuita naquele que já foi o mais prestigiado jornal português e do qual fui cofundador ….

COLOQUIALMENTE FALANDO

“Quando lhe perguntavam se era a favor ou contra o Acordo Ortográfico (AO), ele, para ser franco, respondia sempre que lhe parecia um desperdício, um embuste, uma fraude, que a ortografia já evoluíra de diferentes formas e que o importante era entendê-las a todas e pronto. Em geral ficava-se por aí. Até que um dia, como sucede aos incréus perante as bem-sucedidas tentações de uma qualquer religião, indicaram-lhe um endereço e ele viu a luz. Sim, deixou-se literalmente encandear pela súbita revelação da novidade. Estava ali, aos seus olhos, tudo o que não vira quando se juntara aos protestos anti-AO, quando andara em colóquios, distribuíra panfletos, abaixo-assinados, cartas de protesto e indignação. Afinal era aquilo. Podiam-lhe ter dito que ele talvez ponderasse, reflectisse e agisse em conformidade. Chegou-se ao computador e digitou http://lusofonia.com.sapo.pt/. Viu muitas caras de escritores e achou natural: a língua escrita, património comum, etc. Mas do lado direito viu um botão intitulado “Colóquios da Lusofonia”. Seguiu por ali, como lhe tinha sugerido uma alma bem-pensante. E, no meio de imagens aos pulinhos, siglas, um arco-íris escondido por detrás de uma árvore, eis que se lhe desvendou um mundo novo aberto à língua portuguesa: o da recreação. Lá estava (e lá está, ainda, para quem queira consultar) a lista das viagens, as condições hoteleiras, a ementa, as reservas de quartos, tudo. E, claro, o programa do mais recente colóquio, o sarau musical, tudo como deve ser.
Parecia, e parece, uma coisa feita por principiantes no manejo de computadores, mas deve desculpar-se tal insignificância diante do alcance da coisa. Que, aliás, está contada a preceito num documento intitulado “Historial dos Colóquios da Lusofonia”. É só clicar noutro botãozinho, do lado esquerdo do ecrã (AICL historial), e surge um PDF de 13 páginas assaz elucidativo. Escrito na primeira pessoa, embora sem assinatura, explica ao recém-chegado que são “uma associação cultural e cientifica [assim mesmo, sem acento, mas não se pode exigir tudo] sem fins lucrativos”, “um exemplo da sociedade civil atuante em torno de um projeto de Lusofonia sem distinção de credos, nacionalidades ou identidades culturais”. Ora o “exemplo” faz colóquios. Que “juntam os congressistas no primeiro dia de trabalhos, compartilhando hotéis, refeições, comunicações, passeios e, no último dia, despedem-se como se de amigos/as se tratasse”.
Não está bem escrito, longe disso, mas não se pode exigir que quem pugna pela unidade da língua se preocupe ao mesmo tempo em escrevê-la bem. É uma sobrecarga terrível, nem calculam. Mas adiante. À nona linha já o autor está a citar Martin Luther King para explicar que em dez anos já fizeram 18 colóquios. Não se percebe a analogia com o sonho de King e menos ainda que a citação seja errada: “I had a dream” em lugar do muito conhecido e difundido “I have a dream…”. É só um pormenor, que para o efeito (o das viagens e alojamento) não importa absolutamente nada. O que importa, na verdade, é que aos 18 colóquios já realizados o grupo quer juntar muitos mais e, “depois do Brasil, Macau e Galiza quer voltar ao Brasil, ir aos EUA e Canadá, Cabo Verde, Roménia e outros países”. E que países?, quis ele saber, lendo avidamente o documento. “Roménia, Polónia, Bulgária, Rússia, Eslovénia, Itália, França.” Tudo pela divulgação da “açorianidade literária”, pretexto mais imediato (hoje mesmo o grupo está de visita aos Açores, já agora) e, claro, pela “unificação da ortografia” consagrada no AO. O que se percebe, porque os turistas, perdão, os padroeiros da bendita causa, são precisamente os “pais” do AO, Malaca Casteleiro e Evanildo Bechara, com uma pequena mas robusta corte de acompanhantes.
Ah, pensou ele, relendo o documento, como é alegre a “expansão da língua”! Que rotas, que paisagens, que oportunidades de conhecer novos mundos! E tudo a sair do bolso dos inscritos, claro, não venham já caluniar… Mas com “apoios protocolados para cada evento” e tentando, “ao nível logístico”, “beneficiar do apoio de autarquias com visão para apoiar a realização destes eventos”.
E foi assim que ele, vendo finalmente a luz da letra viajante, resolveu aderir ao grupo dos excursionistas da língua. Parece que até em Bora Bora há gente interessada no AO, sabiam?”
Nuno Pacheco, in jornal Público, de 17 de Março de 2013