Paulo Estêvão 17 hours ago · Este é o artigo que Joel Neto quer censurar (“Diário Insular”, 5 de agosto de 2023) O Hemingway do Lugar dos Dois Caminhos Joel Neto é um vulgar escritor de meia-idade. Sem ideias, Joel Neto entrou no ocaso da sua brevíssima e inconsequente carreira literária. Sentiu que precisava de voltar às “Luzes da Ribalta”, agora que o destino lhe proporcionou um inusitado momento “Calvero”. Torturado pelo desânimo, Joel Neto esteve quase, para gáudio de todos os que amam a literatura e a querem ver livre dos vendilhões do templo, a desistir da sua imaginada vocação literária. Mas o desespero é uma força poderosa, a que recorrem todas as almas que deslizam para o abismo da irrelevância. Joel Neto foi salvo do seu desespero criativo pelas suas memórias de infância. Foi assim que decidiu resgatar e plagiar a estrutura narrativa essencial do conto “A Vendedora de Fósforos”, uma obra magistral de Hans Christian Andersen. O conto do escritor dinamarquês revelou-se um sucesso intemporal. Todos conhecem a história da menina que morreu a vender fósforos nas gélidas ruas de Copenhaga. O conto explora as temáticas da pobreza, do abandono, dos maus-tratos a menores, do egoísmo, da indiferença dos adultos em relação às crianças e das gritantes desigualdades sociais que prevaleciam na Dinamarca do século XIX. A adaptação de Joel Neto começa assim: “Jénifer Armelim é uma garotinha aloirada e melancólica que costuma passar as tardes, depois da escola, sentada no muro de cimento frente à casa onde vive.” A partir daí desenvolve uma narrativa tortuosa, que tem como objetivo explorar as temáticas do abandono e da pobreza vivenciadas numa comunidade marginalizada da ilha Terceira. O livro revelou-se, no entanto, um fracasso. A principal razão de mais este insucesso literário reside no ego empoladíssimo do autor, que se apresenta assim na contracapa do seu livro: “Este é um retrato dos Açores ignorados, uma paisagem humana ausente das fotografias turísticas. É também uma tentativa de intervenção cívica de um homem só, pregando no deserto da escassez, da exclusão e do conformismo – e clamando por mudança.” Depois de ler isto, fiquei com a sensação de que alguém desenterrou o velho espelho de Nero, o exemplo supremo de narcisismo aloucado. Joel Neto coloca-se, inicialmente, na posição de observador neutral das dinâmicas do bairro que decidiu espreitar numa lógica voyeurista. Na descrição da selva urbana que a sua imaginação observa, adota o estilo inconfundível de David Attenborough. Entusiasma-se com as suas próprias pequenas descobertas e oferece uma alocução cheia de maneirismos pitorescos. Mas o seu espírito irrequieto depressa se cansa do voyeurismo inconsequente das suas primeiras observações. A partir da sétima página do livro de bolso que produziu, Joel Neto decide colocar-se no papel de personagem principal do enredo, tal como nos tinha prometido na contracapa. A doce e angelical Jénifer é afastada do palco principal e em seu lugar surge agora o próprio Joel Neto, transformado numa espécie de “Justiceiro da Noite”, ao melhor estilo do mítico Charles Bronson. Persegue os maus, salva os inocentes e envolve-se em cenas de pancadaria até ficar inconsciente e amnésico. A partir daí, qualquer leitor consciente percebe que está a ler uma farsa inconsequente, escrita por um homem prisioneiro de um narcisismo escatológico. Imaginem que Joe Shuster e Jerry Siegel, os criadores do Super-Homem, retiram, a meio das suas histórias, a capa ao seu herói e a colocam nos seus próprios ombros. É exatamente isso que Joel Neto fez nesta sua história. Não é uma coisa normal, pois não? Afundado no fracasso, com o seu livrinho a ganhar pó nas prateleiras das livrarias, Joel Neto lembrou-se de um derradeiro número de circo, semelhante ao das pulgas amestradas, que o seu alter ego, o cómico Calvero, a que aqui já fiz referência, popularizou. Lembrou-se de se apresentar ao mundo como uma vítima de perseguição de um amigo com quem jantava e privava regularmente: António Bulcão, o poderosíssimo Chefe de Gabinete da Secretária Regional da Educação e dos Assuntos Culturais. Ao que parece, o amigo em questão transmitiu-lhe uma opinião menos favorável em relação ao seu último livro. Para Joel Neto, a crítica ou a exteriorização de qualquer dúvida em relação à sua genialidade é uma ofensa imperdoável e um ataque à sua liberdade de expressão. Fez então chegar aos seus amigos do quarto poder, a patética queixa que remeteu para o Procurador da República da Comarca dos Açores, na qual se autodescreve como vítima de “ciberbullying”. Não tenho dúvidas de que o Ministério Público colocará uma pergunta inicial a Joel Neto: por que razão não bloqueou António Bulcão no Facebook, como fazem todas as pessoas normais em relação a indivíduos que consideram intrusivos? Afinal, acabar com o suposto “ciberbullying” estava à distância de um clique. A segunda pergunta é também óbvia: quem remeteu para a comunicação social a cópia da queixa entregue junto da Procuradoria, que Joel Neto cinicamente recusou comentar? Se não foi a Procuradoria, quem foi? A queixa de Joel Neto foi profusamente publicitada e encenada em vários órgãos de comunicação social regionais e nacionais, quase sempre acompanhada de imagens do livrinho que Joel Neto quis dar a conhecer ao mundo. António Bulcão, que teve uma atitude que o honra como pessoa e político, não representa nenhum perigo para a liberdade de expressão nos Açores, bem pelo contrário. O verdadeiro perigo é Joel Neto, um escritor frustrado, que mostrou que consegue, com a ajuda de amigos de alguma imprensa, publicitar uma fraude literária e realizar uma espécie de vendeta pessoal em relação a um amigo que o criticou. No que me diz respeito, sei bem que pisei o risco e que qualquer dia acordarei com uma cabeça de cavalo jornalística encomendada por Joel Neto. Mesmo assim, como homem livre até ao fim dos meus dias, não me coíbo de classificar a sua obra jornalística e literária como aquilo que é: uma fraude e um exercício de narcisismo doentio.

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